Carta do I Encontro da Panha das Sempre-vivas: “Apanhar nosso direito, cultivar nossa liberdade”

Nós, povos e comunidades tradicionais apanhadoras e apanhadores de flores sempre-vivas, quilombolas, Xakriabá, Tuxá, Geraizeiros e Vazanteiros, organizados na Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais, estivemos reunidos nos dias 17 e 18 de junho de 2017, no I Encontro da Panha das Flores Sempre-Vivas, ocorrido na comunidade Macacos, em Diamantina – Minas Gerais. O encontro contou também com a presença da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e de técnicas/os, pesquisadoras/es, professoras/es e estudantes que se somam a nossa luta. Cerca de 200 pessoas estiveram reunidas para celebrar um importante período da coleta de flores sempre-vivas que se encerrou no mês de maio e para conversar sobre os direitos dos povos tradicionais, especialmente aqueles dos apanhadores de flores sempre-vivas.

As comunidades apanhadoras de flores e quilombolas que vivem na região de Diamantina, MG, há séculos desenvolvem atividades tradicionais de coleta em áreas familiares e de uso comum. Entretanto, desde o ano de 2002, com a criação arbitrária do Parque Nacional das Sempre-vivas pelo Estado brasileiro, elas vivem um processo de criminalização de seus modos de vida e de seu trabalho com recorrentes casos de violações de direitos humanos e violências protagonizados, sobretudo, por agentes dos órgãos ambientais – particularmente aqueles vinculados ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A criação do PARNA das Sempre-vivas sobre áreas de uso comum e sem consulta prévia, livre e informada (prevista na Convenção 169 da OIT) “tirou o sossego” e expropriou territorialmente as comunidades tradicionais dessa porção da Serra do Espinhaço em Minas Gerais. O acesso das/os apanhadoras/es de flores aos seus ambientes socioculturais de coleta de flores e de produção de alimentos, de lazer e de reprodução de seu modo de vida foi fortemente restringido ou totalmente limitado. São inúmeros os relatos de abuso de autoridade e de poder por agentes do Estado: ameaças, torturas psicológicas, emissão de multas ambientais indevidas e abusivas aos apanhadores, resultando inclusive em quadros de depressão e adoecimento. Enfim, perda de liberdade no sentido mais amplo da palavra.

Diante dessa realidade e cientes de seus direitos como povos e comunidades tradicionais, as/os apanhadoras/es de flores sempre-vivas organizados na Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (CODECEX) reivindicam a recategorização do Parque Nacional das Sempre-Vivas, de Proteção Integral para Uso Sustentável: Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). Em 2015, após dois anos de estudos de um grupo de trabalho criado com a finalidade de propor solução dos conflitos territoriais das comunidades tradicionais com o Parque, a proposta de recategorização foi aprovada com unanimidade pelo Conselho do PARNA das Sempre-Vivas (CONVIVAS). O processo está em tramitação nas instâncias do ICMBio.

Em abril de 2017, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com o Grupo de Trabalho Povos e Comunidades Tradicionais, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, recomendou ao ICMBio que adote diversas medidas para garantir às comunidades tradicionais que residem no interior e no entorno do Parque Nacional das Sempre-Vivas a continuidade de seus modos tradicionais de criar, fazer e viver.

Diante de tudo isso, nós, apanhadores de flores sempre vivas, demais povos tradicionais organizados na Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais participantes do I Encontro da Panha das Sempre-Vivas e apoiadores, exigimos que o Estado brasileiro cumpra – via Ministério do Meio Ambiente – a Recomendação do MPF e reconheça os direitos territoriais e de acesso à biodiversidade manejada pelos apanhadoras/es de flores sempre-vivas.

QUEREMOS NOSSA LIBERDADE DE VOLTA!

PELA GARANTIA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DA SERRA DO ESPINHAÇO MINEIRA E DO CERRADO!

RECONHECIMENTO DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DAS SEMPRE-VIVAS, JÁ!

Assinam:

Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas – CODECEX Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais

Movimento Geraizeiro – Guardião do Cerrado Vazanteiros em Movimento

Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA-NM

Centro Indigenista Missionário – CIMI Regional Leste

Terra de Direitos

Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia – SBEE

Núcleo de Estudos em Agroecologia e Campesinato – NAC/UFVJM

Núcleo de Estudos em Ecofisiologia Vegetal – NESFV/UFVJM

Grupo de estudos em Temáticas Ambientais – GESTA/UFMG Imagens Humanas

Diamantina, 18 de junho de 2017

 

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