Área delimitada para tribo no Jaraguá equivale a dois campos de futebol

Polêmica vem desde a Constituição de 1988; havia planos do governo paulista de conceder parque à iniciativa privada

Por Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo

A demanda dos guarani-mbya por uma área maior no Jaraguá vem desde 1988, quando foi promulgada a Constituição. No ano anterior, o governo federal havia demarcado como terra indígena (TI) uma área de 1,7 hectare para o povo – a menor TI do País, com tamanho inferior a dois campos de futebol.

A Constituição trouxe um novo entendimento do que deve ser uma terra indígena e como ela deve ser demarcada. O rito, a partir de 1988, passou a envolver, antes de mais nada, um estudo antropológico que mostre desde quando a terra é usada pelos índios, a área e qual é o uso que eles fazem dela em todos os seus aspectos, de moradia a ritos religiosos e culturais.

Diante das novas regras, os guaranis pediram uma revisão da demarcação e, a partir de 2002, a Funai iniciou esse estudo. Ele levou 11 anos para ficar pronto e concluiu, em um trabalho de mais de mil páginas, que a área a que os guaranis tinham direito era de 532 hectares. Dois anos depois, em 2015, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, publicou portaria declarando a TI com essa área.

Desde 1961, porém, existia ali o Parque Estadual do Jaraguá, de 492,68 hectares. O nome vem do tupi e significa “senhor dos vales”. A terra indígena dos guaranis se sobrepõe ao parque em cerca de 50% da área. E o pico do Jaraguá, principal atrativo turístico, ficou fora da TI.

Concessão. A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo logo entrou com ação, contestando a demarcação. Paralelamente, o governo paulista trabalhava para aprovar uma lei, promulgada o ano passado, que permitia fazer concessões à iniciativa privada de 25 unidades de conservação – entre elas estava o Parque do Jaraguá.

Nos planos do ex-secretário do Meio Ambiente Ricardo Salles, o Jaraguá deveria ser um dos primeiros a ser concedido pela proximidade de São Paulo. Em fevereiro, porém, por recomendação de um conselho do governo que analisa as propostas de concessão, o Jaraguá foi retirado da lista justamente por causa da disputa com a terra indígena.

A nova gestão da secretaria, que assumiu no fim de agosto, afirmou em nota que está em estudo a concessão só dos parques de Campos do Jordão, da Cantareira e do Horto Florestal.

Segundo Bruno Morais, advogado e antropólogo da Comissão Guarani Yvyrupa, que presta consultoria jurídica às aldeias que estão no Jaraguá, esse estudo levou em consideração a sensibilidade da área e o fato de se sobrepor ao parque. Por isso, buscou documentar que os índios estavam ali muito antes da criação do parque.

Documentos apontam para uma presença fixa desde os anos 1940. O Serviço de Proteção ao Índio, que antecedeu a Funai, localiza famílias que viviam no entorno do pico. “São vários registros históricos que identificam a tradicionalidade da ocupação”, explica.

Morais lembra que a Constituição estabeleceu o conceito de “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” e que eles são imprescritíveis. “Outros usos ficam nulos, se comprovado que são terras tradicionalmente ocupadas, não importa se é parque estadual”, afirma.

A demanda dos guarani-mbya por uma área maior no Jaraguá vem desde 1988, quando foi promulgada a Constituição.  Foto: Tiago Queiroz

 

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