MS – Mais de 60% de crianças retiradas de suas famílias são indígenas

Dados apontam um total de 65 crianças e jovens indígenas em acolhimento institucional na região, destes 50 só em Dourados.

Por Gizele Almeida, no Dourados News

“Levar uma criança indígena para um lugar totalmente desconhecido dela, onde não tem ninguém de seu grupo de referência, ninguém parecido com ela, que fale e entenda seu idioma, que oferte os mesmos cuidados de higiene e alimentação de seu povo é apontado pelas famílias com as quais conversamos como uma violência gigantesca”, expõe a Funai – Fundação Nacional do Índio – em relatório do Serviço de Promoção dos Direitos Sociais e de Cidadania.

O documento, a qual o Dourados News teve acesso, é um mapeamento dos casos de crianças e jovens indígenas em situação de acolhimento institucional e familiar da região de Dourados.

Dados apontam um total de 65 crianças e jovens indígenas em acolhimento institucional na região, destes 50 só em Dourados. Caarapó, Ivinhema, Maracajú e Rio Brilhante abrigam 15 ao todo.

O documento detalha que dos 65 casos de acolhimento, em 62% o motivo foi negligência (abandono, alcoolismo dos genitores) e 38% violência. Deste total, 12 têm irmãos menores de idade de casa, o que retrata que a problemática pode persistir.

As 50 crianças/jovens indígenas estão divididas em quatro instituições em Dourados.

O relatório aponta que como estas unidades são distintas e não integradas, resulta-se na violação de princípios de Serviço de Acolhimento de Crianças e Adolescentes, orientados pelo Ministério do Desenvolvimento Social, com ênfase a “Preservação e Fortalecimento dos Vínculos Familiares e Comunitários” e “Garantia de Acesso e Respeito à Diversidade e Não discriminação”.

Nestes pontos, são citados por exemplo, o histórico de separação de grupos de irmãos no município e atitudes de discriminação e de alienação parental e étnica. No aspecto de discriminação, o texto aponta ao fato de que “alguns profissionais ligados às instituições não demonstravam qualquer cuidado em verbalizar na frente das crianças suas impressões preconceituosas contra os povos indígenas e seus modos de viver”.

O fato do número de crianças/adolescentes indígenas acolhidos ser bem maior do que de crianças/ adolescentes não indígenas chama a atenção da Fundação. Dos 79 acolhidos em Dourados, 50 são indígenas, ou seja, 62,29%.

“Salta aos olhos a quantidade de crianças e jovens afastados de suas famílias e comunidades, privados do direito à convivência familiar e comunitária junto a seu povo. Por que o número de indígenas é tão maior?”, questiona.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que o acolhimento familiar ou institucional deve ocorrer no local mais próximo a residência dos pais/responsáveis. Para a Funai, isso não tem acontecido na região, visto que as crianças e jovens tem sido levados para instituições muitas vezes distantes das terras indígenas, o que chega a impossibilitar que os familiares os visitem.

“Devido a distância com a comunidade, a criança vai se acostumando com a ausência dos parentes e conhecidos, vai se acostumando aos novos hábitos que lhe são impostos, esquece os costumes, a língua materna”, destaca o texto.

Para o órgão, muitas dessas denúncias que levaram ao afastamento dos menores, quando acompanhadas corretamente, se reverteriam em medidas de atenção a família. Outro ponto criticado no documento é que afasta-se a vítima do convívio familiar e comunitário enquanto o autor da violência continua solto (violência sexual, física, psicológica, entre outras).

Outros apontamentos são colocados no documento e nas considerações finais do mesmo, o órgão observa que “será necessário aprofundar cada situação identificada e ampliar a escrita do documento e seus desdobramentos para a Funai e para as instituições envolvidas na temática, o que será feito nos próximos meses”.

O levantamento ocorreu em atendimento a tratativas interministeriais realizadas durante Mutirão Interinstitucional para Efetivação do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e Jovens Indígenas junto a seu Povo, realizado no cone sul do MS, em junho de 2015.

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