Na Folha
O número de pessoas por moradia beneficiária do Bolsa Família é, na média, muito perto de cinco. Com diferentes alegações, o governo despejou do programa 330 mil famílias. São em torno de 1 milhão e 600 mil pessoas, com destaque para crianças, que deixam de receber o Bolsa Família.
Para os que preservados, os novos valores desse socorro são de R$ 1,50 por dia para jovem e de R$ 1,30 por dia para criança. A família pode receber diária de R$ 2,83.
Pensar que a perda de tais valores é uma tragédia na subvida de 1,6 milhão de seres humanos inocentes, ingênuos, impotentes, é indignante. Desesperador, sim. No quadro da pobreza, os 5% mais pobres perderam 38% do valor que ganhavam, devendo consolar-se porque os 10% mais ricos também perderam: 2,98%!
Esses são números do alarmante esboço estatístico de 2017 feito pelo IBGE. Ano em que Henrique Meirelles e Michel Temer acham ter conseguido, com a condução da economia, as condições para conquistar o próximo mandato presidencial.
Sua mais recente ideia, na liquidação do patrimônio público para aparentar contas eleitoreiras e agradar os privatistas, é vender a Infraero. Vender, portanto, meia centena de aeroportos e a participação em outros. Com o Santos Dumont escolhido para abrir a festança. Ideia menos esquisita quando se recorda que Moreira Franco cuidou de coisas assim na Secretaria de Aviação Civil. O que lhe proporcionou 34 citações de delatores na Lava Jato, a propósito de extorsão e suborno nas privatizações de aeroportos que conduziu.
Mas o que resta de esquisito na pretendida venda do Santos Dumont não é pouco. Trata-se, ali, também de área militar, com uso comum da infraestrutura aeronáutica por civis e pela FAB. Assim também em outros aeroportos listados para venda. Área de operações militares, porém, não pode ficar sob direção de conveniências comerciais particulares ou estrangeiras. A menos que a sanha de “negócios”, estimado o da Infraero em modestos e suspeitos R$ 15 bilhões, pretenda vender também pedaços da FAB.
Por falar em compra e venda de bens (e pessoas), o deslocamento do mesmo Moreira Franco para conduzir a venda da Eletrobrás, como ministro das Minas e Energia, contribui para a defesa de Lula. Pela segunda vez, Temer dá um ministério a Moreira Franco para livrá-lo, às pressas, das garras curitibanas. Diante disso, Sergio Moro, procuradores da Lava Jato, Procuradoria-Geral da República, todos, passam-se por esquecidos do que, em certa ocasião, consideraram “obstrução da justiça”. Sem cerimônia de até adotar ilegalidades para impedir certa nomeação que também lhes tirava uma presa.
Os cuidados seletivos são admiráveis. Caixa dois, dinheiro não declarado nas doações e nos gastos da campanha, contém vários crimes em uma só prática. Duas de suas destinações comuns são a compra de votos, por meio dos cabos eleitorais, e os bolsos do candidato e de dirigentes da campanha. Cobrem até gastos de campanha verdadeiros. Mas a diferença que importa é outra: qual era a campanha?
Geraldo Alckmin não mostrou afligir-se quando, perdido o foro privilegiado, o processo sobre acusação de um caixa dois seu, de quase R$ 11 milhões, subiu um degrau no Judiciário. A calma tinha antecedente.
Não bastando que o processo fosse mandado para a Justiça Eleitoral de São Paulo, logo foi designado para orientá-lo, pelo Ministério Público, um ex-assessor do governo Alckmin. Os outros casos de caixa dois foram para a Lava Jato, e dados aí como crimes comuns, suborno, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha. Nada como o PSDB, diz o livre Aécio –não aos seus botões, aos seus milhões.
Os dados que o IBGE apurou sobre 2017, portanto, vêm da coerência nacional a que Henrique Meirelles e Michel Temer servem com dedicação. E esperam retribuição.
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Janio de Freitas – Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, analisa a política e a economia.
Foto: Luis Moura /Estadão