Fôssemos brasilianos ou brasileses, talvez restassem mais Amazônia e, quem sabe, respeito às urnas
Na Folha
Peço licença para um pouco de sociolinguística de botequim. Não que antes eu fizesse, por aqui, sociolinguística séria. Mas fazia outras coisas de botequim: poesia de botequim, política de botequim, economia de botequim. A crônica, afinal, não passa da botequinização dos assuntos.
Não sei se algum acadêmico sério já se debruçou sobre esse fenômeno. Quem primeiro me fez ver foi o palhaço Marcio Libar que, como todo palhaço, é um clarividente de botequim.
“Nacionalidade, no português”, dissertou o palhaço, “é -ano (italiano, americano, mexicano) ou -ês, (inglês, francês, polonês). Mais raramente, termina em -ino (argentino, marroquino) ou -ense (costarriquense, israelense).”
Sim, Palhaço Pasquale, mas onde o senhor quer chegar com essa gramática de botequim?
“Não tem nenhum outro povo que termine em -eiro que não o brasileiro. Pode procurar.”
Procurei. Não achei. “Quem termina em -eiro é banqueiro, pedreiro, marceneiro, bicheiro. Brasileiro não é nacionalidade, é profissão.”
Maldito palhaço. Nunca mais me esqueci disso. Toda vez que vejo algum brasileiro ferrando o Brasil lembro que brasileiro é atividade, não é identidade. E não qualquer atividade: brasileiro é quem vive da extração e da venda, pro exterior, do pau-brasil.
Ou seja: brasileiro, etimologicamente, é quem vive de vender o Brasil. Quando terminam as riquezas, o brasileiro se aposenta e volta pra “civilização”, como gosta de chamar os lugares que mais se beneficiaram do nosso subdesenvolvimento.
Por isso também tantos de nós se definem como brasileiros, mas —apressam-se em acrescentar— descendentes de italianos, portugueses ou alemães. Estamos brasileiros, mas, no fundo, o que somos de verdade é outra coisa. O brasileiro tá de passagem.
Fôssemos brasilianos, talvez restasse mais Amazônia. Fôssemos brasileses, quem sabe respeitássemos as urnas. Fôssemos brasilinos, talvez não tivéssemos exterminado, e continuássemos exterminando, tantas nações indígenas.
Taí uma ideia: homenagear um povo original. Nisso podíamos imitar os “civilizados”. Afinal, franceses vêm dos francos, ingleses vêm dos anglos, e por essa lógica seríamos tupinambás, tamoios ou tabajaras.
Imagina que bonito um estádio inteiro cantando junto: “Eu sou tabajara/ Com muito orgulho/ Com muito amor”.
Curiosamente, tabajara virou sinônimo de reles, vagabundo. Vai entender.
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