Perseguição contra quilombolas no Vale do Jequitinhonha mobiliza entidades

Antônio Baú, da Comunidade Quilombola Baú, está preso desde o início do mês

Raíssa Lopes, Brasil de Fato

“Eu nem sei o que te dizer… Ele é uma liderança que pro bem ou pro mal, pra qualquer coisa, está na frente. É lógico que o quilombo não está a mesma coisa. E pra mim, como esposa, pra minha família, é bem pior. Na minha casa somos só Deus, eu, ele, minha filha e dois netinhos. E a gente sempre fica naquela expectativa pra ver o que a Justiça vai fazer”.

Este relato é de Dona Romilda Neves, companheira do líder da Comunidade Quilombola Baú, localizada em Araçuaí, região do Vale do Jequitinhonha. No dia 3 de abril, ela e seu marido, Antônio Baú, foram presos enquanto estavam a caminho de uma audiência pública para denunciar a rotina de ameaças e ataques ao quilombo. A Antônio foi imposta a prisão preventiva por porte de arma, e sua esposa, por ser réu primária, foi liberada.

Esta era a segunda vez que Antônio andava armado. A primeira foi em 2015, quando também foi preso. De acordo com sua família, ambas as ocasiões tinham o mesmo motivo: defesa. Desde 2015 ele está cadastrado no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) de Minas Gerais.

Luta por terra e sobrevivência

O conflito na região do Quilombo dura há anos. De acordo com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (SEDPAC), são inúmeras as denúncias sobre a violência, a perseguição e o boicote dos fazendeiros contra o povo quilombola. Os confrontos estariam se intensificando de 2013 para cá.

A filha de Antônio e Romilda, Daiane, declara que a última ocorrência – que era o motivo pelo qual o casal ia para a audiência pública – foi uma das muitas graves. “Os fazendeiros falaram sobre marcar uma reunião com a gente e disseram que deveria ser igual no tempo dos nossos avós, com todo mundo olhando pro chão. Falaram que se alguém ousasse olhar no olho deles, eles iam estourar a cabeça de todo mundo”, denuncia.

De acordo com ela, que é quem está cuidando da comunidade na ausência do pai, antes disso diversos recados teriam sido enviados a Antônio e seus familiares. “Um dia, um fazendeiro ofereceu uma cachaça para o meu primo depois de já ter dado um gole e disse que os negros tinham mesmo que ficar com os restos. Ele também falou que tinha uma bala especial na arma, guardada para o meu pai”, lembra.

A vice-liderança diz que é constante acordar com tiros na sua casa, que seu pai já conseguiu sobreviver a um atentado e que, inclusive, os moradores do quilombo não poderiam confiar na polícia. “Ano passado a PM invadiu a comunidade, chegaram com 10 carros e 40 policiais. Passaram atirando nas casas, quebraram as portas, amedrontaram, recolheram até os estilingues das crianças e as ameaçaram”, afirma.

Processo

A denúncia sobre a prisão foi encaminhada para a SEDPAC e posteriormente para a Fundação Cultural Palmares, Procuradoria da República do município de Teófilo Otoni, Ministério Público do estado e Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e de Intolerância (NAVCRAD) da Polícia Civil. As entidades, assim como uma advogada, estão acompanhando os desdobramentos do caso.

Segundo João Pio, que é Superintendente de Povos e Comunidades Tradicionais da SEDPAC, a ideia é que as instituições acompanhem ainda mais de perto as tensões que existem no território. “Estamos fazendo essa movimentação e intermediando. Entendemos que é legítima defesa e que Antônio já estava no programa de proteção”, pontua. Agora, o advogado responsável tenta que o quilombola possa responder às acusações em liberdade.

Os moradores do quilombo realizam uma campanha pela liberdade de Antônio Baú. Na página do Facebook eles reúnem fotos, manifestações de apoio e pedidos pela soltura da liderança.

Edição: Joana Tavares.

Imagem: Os confrontos na região estariam se intensificando de 2013 para cá / Reprodução/Quilombo do Baú

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