Em comum, deputados defendem a mudança de nome para defensivos fitossanitários e argumentam que atual legislação é defasada
por Moriti Neto, Carta Capital
Mantida a toada dos últimos anos, a semana é sombria no Congresso Nacional. Como prova de que na atual legislatura tudo o que é ruim pode piorar, deputados da bancada ruralista querem impulsionar uma manipulação de imagem que beneficia a elite do agronegócio e as megacorporações de agrotóxicos.
Projetos de lei que formam o chamado “Pacote do Veneno” preveem alterações na Lei de Agrotóxicos (Lei 7802/89). Entre elas, a renomeação dos produtos químicos, que passariam a se chamar “defensivos fitossanitários”. A votação na Comissão Especial que trata do tema pode começar ainda nesta semana e seguir ao Plenário.
O greenwashing (em português, lavagem verde) defendido pelos deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária faz parte do jogo de marketing que quer ocultar os impactos negativos dos agrotóxicos. Isso, num país que há dez anos é líder mundial no uso de pesticidas. Resultado: em alimentos como hortaliças, frutas e leguminosas, são 7,3 litros de agrotóxicos consumidos por habitante anualmente e quatro mil intoxicações humanas só em 2017, segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Ainda assim, atendendo ao lobby das gigantes do setor agroquímico, como Bayer, Monsanto (a primeira adquiriu a segunda recentemente), Syngenta e Bunge, legisladores estreitam ligações com proprietários de terra que possuem fichas recheadas de crimes ambientais e de trabalho escravo.
O principal dos projetos do pacote, o PL 3.200/2015, é de autoria do deputado Covatti Filho, do PP do Rio Grande do Sul. O texto simplifica o registro de novos pesticidas, facilita o uso de genéricos, cria um novo órgão federal para acompanhar o tema – retirando poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – e reduz o papel dos estados na fiscalização. Além disso, essa é a proposta que suaviza o nome dos agrotóxicos.
Covatti recebeu 737 mil reais de doadores na campanha, sendo 326 mil reais do agronegócio. O parlamentar gaúcho é integrante da pouco conhecida, mas muito atuante, “bancada do fumo”, que defende a indústria do cigarro.
Luiz Nishimori, do PR do Paraná, é o relator do projeto. Autodeclarado agricultor e comerciante, ele é conhecido como homem do agronegócio. Recebeu 2,4 milhões de reais na disputa eleitoral de 2014, 880 mil reais captados junto a empreendedores do setor.
De empresas flagradas por trabalho escravo ou autuadas por violações ambientais, amealhou 245 mil reais. Deputado estadual paranaense até 2011, é acusado por formação de quadrilha e estelionato por participar de esquema de nomeação de funcionários-fantasma na Assembleia Legislativa. A ação está no Supremo Tribunal Federal (STF), em segredo de Justiça.
A presidente da comissão é Tereza Cristina, do DEM de Mato Grosso do Sul. Dos parlamentares que analisam o pacote, ela foi a mais favorecida por doadores, com o valor de 4,2 milhões de reais, dos quais 2,5 milhões de reais chegaram via agronegócio. De empresas que praticaram crimes ambientais ou de trabalho escravo, recebeu 100 mil reais.
O padrinho e o compadrio
Durante a última sessão em que se tentou votar a proposta, no dia 8 de maio, vários deputados ressaltaram que o texto original foi apresentado em 2002, pelo então senador Blairo Maggi (PP), hoje ministro da Agricultura e Pecuária. Um dos maiores concentradores de terra do Brasil, ele é dono de gigantescas plantações de soja e milho, além de criação de gado, especialmente em Mato Grosso.
Maggi, na última eleição, apadrinhou Adilton Sachetti, do PRB de Mato Grosso. Considerado “compadre” do ministro, Sachetti acumulou 3,8 milhões de reais em doações, com 2,4 milhões de reais do agronegócio.
Entre os principais doadores aparecem a Amaggi (empresa do agronegócio da família do ministro), com 400 mil reais, e o próprio Blairo, que desembolsou 250 mil reais. Pior: 1 milhão de reais foi arrecadado de empresas que usaram trabalho escravo ou foram responsáveis por crimes ambientais.
Outras figuras que chamam a atenção na comissão e estão sob a batuta de Maggi são Luiz Carlos Heinze, do PP gaúcho, e Valdir Colatto, do MDB de Santa Catarina.
O primeiro é empresário ruralista. Elegeu-se deputado em 2014 com 1,8 milhão de reais do agronegócio. E recebeu 548 mil reais de empresas flagradas por trabalho escravo ou violações ambientais. Em um discurso de fevereiro de 2014, referiu-se a índios, quilombolas, gays e lésbicas como “tudo que não presta”.
Já Colatto captou 619 mil reais, sendo mais da metade das doações oriundas do agronegócio, 328 mil reais. Das empresas flagradas por violações ambientais ou trabalho escravo, ele angariou 40 mil reais.
Em comum, esses nomes defendem, principalmente, a mudança de nome para “defensivos fitossanitários”, com o argumento raso de que “a atual legislação é defasada e impõe muita dificuldade ao setor”.
Organizamos duas tabelas com os nomes dos integrantes da Comissão Especial que têm financiamento pelo agronegócio. Também utilizamos informações do Ruralômetro, projeto da Repórter Brasil que mede a “febre” dos parlamentares – quanta mais alta a temperatura, maior a fidelidade às corporações.
Há parlamentares que receberam investimentos das corporações do setor em 2014, mas se posicionam contra esses interesses. São os casos de Alessandro Molon (PSB-RJ) e Patrus Ananias (PT-MG) — Patrus, inclusive, escreveu texto de repúdio ao Pacote do Veneno em companhia do também petista Nilto Tatto (SP).
Reação
O subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho discorda dos ruralistas. Ele diz que o relatório de Nishimori desconsidera os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde ou o meio ambiente, além de apontar inconstitucionalidades no projeto.
É o caso da extinção de regras que hoje garantem algum controle sobre os pesticidas. A proposta apresentada tiraria a competência dos municípios de legislar sobre o uso e o armazenamento local dos agrotóxicos; o dever do Estado de formular políticas para a redução dos riscos e a proibição de registros de substâncias causadoras de doenças, como o câncer.
Organizações da sociedade civil e movimentos sociais se mobilizam. Na semana passada, um manifesto assinado por 271 entidades que atuam em promoção da saúde, meio ambiente e defesa do consumidor se posicionou contra o “Pacote do Veneno” e foi enviado à Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O documento já conseguiu 130 mil assinaturas.
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Imagem: Mais de 270 entidades se posicionaram contra o ‘Pacote do Veneno’ – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil