Violências praticadas por jagunços, grilagem de terras públicas da União, decisões jurídicas arbitrárias e comunidades tradicionais expulsas dos seus territórios. Esse é o quadro de violências e conflitos fundiários no norte de Minas Gerais, que têm colocado em risco a permanência de várias comunidades tradicionais nos seus territórios
Para denunciar todas essas ocorrências, representantes de comunidades pesqueiras e de camponeses do norte de Minas Gerais estão por Brasília, entre os dias 22 e 25 de maio, com o objetivo de fazer com que esse debate seja mais conhecido nacionalmente. Na agenda de atividades, incluem-se visitas às lideranças do Senado, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, entre outros. Na ocasião, será apresentado um relatório síntese elaborado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e pela Comissão Pastoral da Terra, que contextualiza o cenário de violência fundiária no estado.
Contexto
A situação de violência na região não é exatamente uma novidade, alguns dos romances de Guimarães Rosa ambientados no norte do estado mineiro já apontavam para essa realidade no começo do século XX. O que há de novo é uma grande articulação dos fazendeiros locais, que têm praticado a grilagem de terras com a aquiescência do Estado, através de decisões arbitrárias do judiciário, em conjunto com a utilização de forças policiais e com a omissão de órgãos do executivo, que tem ajudado, no último ano (2017), na percepção do recrudescimento da violência no local.
A maioria dessas comunidades ocupam terras públicas da União, e em alguns casos, terras públicas do estado de Minas Gerais. Muitas das comunidades pesqueiras em conflito estão localizadas às margens do rio São Francisco, que é um rio federal. Margens de rio são consideradas áreas públicas e há um entendimento jurídico de que áreas públicas devem ter como prioridade o uso comum. A lei 11.481, de 2007, veta ocupações que comprometam a integridade das áreas de uso comum do povo, que comprometam a implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social, habitacionais das reservas indígenas e das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos.
A lei ainda diz que constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, “a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas”.
Desde o ano passado, no entanto, decisões tomadas, em sua maioria, na Justiça estadual de Minas Gerais, que não teria competência para julgar questões relacionadas às terras da União, tem dado reintegração de posse aos fazendeiros locais. Em levantamento feito pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e pela Comissão Pastoral da Terra, 14 comunidades passam por conflitos parecidos, que consistem principalmente em decisões de reintegração de posse para terras públicas ocupadas por comunidades tradicionais.
Além do apoio do judiciário, os fazendeiros da região têm se organizado para ameaçar as comunidades tradicionais. Investigações recentes da polícia civil local descobriram a existência de jagunços contratados pelos latifundiários, com o objetivo de atacar e matar camponeses.
Violências
Um dos casos mais emblemáticos é o vivido pela comunidade pesqueira de Canabrava, localizada no município de Buritizeiro. Desde o segundo semestre do ano passado (2017), uma serie de conflitos levou à expulsão da comunidade que hoje sem o seu território, está impedida de realizar as atividades de pesca e agricultura, responsáveis pela sustentação alimentar e econômica das famílias.
O conflito teve início quando uma decisão emitida pela justiça estadual, no mês de julho de 2017, dava reintegração de posse para o fazendeiro, numa área indubitável da União, como constatada pela própria Secretaria de Patrimônio da União (SPU). A comunidade conseguiu uma liminar que suspendia o despejo, mas ainda assim policiais militares expulsaram os pescadores e destruíram 13 casas, no dia 18 de julho, desobedecendo assim a decisão judicial.
Dois dias depois, os próprios fazendeiros que reivindicam a propriedade da área, utilizaram um grupo de jagunços para concluírem, ao seu modo, a ação de reintegração de posse, ainda com o mandado suspenso judicialmente. Retiraram violentamente os moradores que ali se encontravam, destruíram casas, alimentos, roças e saquearam objetos e animais de criação. Em outubro, houve mais uma reintegração de posse de terras públicas da União, em favor dos fazendeiros, e o desembargador ainda determinou a instauração de inquérito contra a liderança da comunidade, o pescador Edmar da Silva.
A comunidade tem se movimentado desde então para conseguir um Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), documento emitido pela SPU, que garantiria a permanência da comunidade no seu território. A decisão está para ser tomada na sede do órgão, em Brasília. Os fazendeiros locais, no entanto, têm feito articulações nacionais com o objetivo de barrar a emissão da autorização e membros da bancada ruralista no congresso tem colaborado com a missão. O deputado federal Nilson Leitão (MT/PSDB) chegou a emitir um ofício para SPU, no qual se posiciona contrário a emissão de TAUS para a comunidade de Canabrava.
Outra situação de despejo aconteceu recentemente. Cerca de cem fazendeiros interditaram a LMG-657, conhecida Estrada da Produção, na zona rural de Montes Claros, atearam fogo na bandeira do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), contra uma ocupação, de cem famílias, em uma área pertencente ao Estado . As famílias sem-terra foram expulsas da área por força de jagunços armados sob o olhar da Policia Militar e do Governo de Minas.
“A gente está lutando é pelo direito da gente! Nós não queremos terra pra gente destruir, nós queremos terra para plantar, nós queremos terra para conservar, pra nós comermos e os outros também. Não queremos enriquecer não”, reivindicou o pescador de Canabrava, Edmar da Silva.