A “blitzkrieg” golpista do general Rocha Paiva na tela da Globonews

Por Pedro Estevam da Rocha Pomar, no Opera Mundi

Ao contrário do que supunham os ingênuos, não é o apregoado “profissionalismo”, mas sim a vocação intervencionista — praticada desde o final do século 19, escamoteada às vezes, mas jamais abandonada — que vem dando o tom da atuação recente da principal força armada brasileira, o Exército.

Por recente, entenda-se desde o primeiro mandato do presidente Lula, iniciado em 2003, mas em especial a partir da criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em 2011 e, ganhando contornos mais ostensivos, desde 2015.

No afã de intervir na conjuntura, generais da ativa em importantes postos de comando misturam-se com generais da reserva de maior ou menor prestígio para tecer diagnósticos, vocalizar ameaças e ditar regras à sociedade civil, como nos “bons tempos” da Ditadura Militar (1964-1985).

Os protagonistas mais notórios desse intervencionismo fardado são o comandante do Exército, general Villas Boas, e o recém-reformado general Antonio Mourão, ungido candidato a vice-presidente na chapa neofascista de Jair Bolsonaro depois que outro expoente do grupo, o general Augusto Heleno, ex-comandante das tropas brasileiras no Haiti, viu-se impedido de assumir esse “posto”.

Pois foram novas declarações de Villas Boas e Mourão — o primeiro buscando deslegitimar a eventual eleição do candidato do PT; o segundo ameaçando um “autogolpe” e uma reforma por decreto da Constituição caso Bolsonaro seja vitorioso — que serviram de pretexto para que assumisse o palco outro general reformado, o ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) Luiz Eduardo Rocha Paiva, escalado pelo programa Painel Globonews de 15 de setembro como um dos participantes de um debate sobre militares, democracia e eleições.

Os outros debatedores convidados foram José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e ex-membro da CNV, e o professor Wanderley Messias (USP), apresentado como “especialista em segurança e defesa”, os quais, logo se veria, figurariam como coadjuvantes de Rocha Paiva.

Âncora do Painel Globonews, a jornalista Renata Lo Prete abriu o programa lembrando que a presente campanha eleitoral “deu um peso inédito aos militares desde a redemocratização”, e resumiu a situação com alguns eufemismos: “O líder das pesquisas é um capitão reformado.

Enquanto ele se recupera de um atentado, o vice na chapa, general da reserva, causa impacto com declarações sobre a hipótese de autogolpe e em defesa de uma Constituição feita à margem do Congresso.

O próprio comandante do Exército atraiu a atenção geral ao dizer em entrevista que o resultado das urnas pode carecer de legitimidade e vir a ser questionado”. Por fim, anunciou algo que, como se verá adiante, não conseguiu entregar: “Como chegamos até aqui e o que tudo isso diz sobre nossa democracia é o que vou discutir”.

Apesar desse ponto de partida que parecia promissor, embora tão “cheio de dedos”, a mesa redonda da Globonews tornou-se mera plataforma para que o ex-comandante da ECEME expusesse, sem qualquer constrangimento, sua visão de mundo profundamente reacionária e sua concepção elitista da política, e para que agredisse as vítimas da Ditadura Militar.

Ainda que tenham feito alguns contrapontos importantes aos absurdos proferidos pelo general, a jornalista e o ex-ministro do PSDB omitiram-se na maior parte do tempo. A “narrativa” do oficial impôs-se por um misto de perplexidade, impotência e adesão ideológica dos coadjuvantes.

Antes de entrar nas declarações de Rocha Paiva, uma palavra sobre o triste papel cumprido pelo terceiro coadjuvante, o professor Messias. Chamado a abrir os trabalhos comentando as graves declarações do comandante do Exército sobre o processo eleitoral em curso, Messias desde logo patenteou sua condição de ator secundário.

“Vejo essa manifestação num contexto de uma série de manifestações do nosso comandante Villas Boas.Que é uma pessoa loquaz, que tem facilidade de pensar, discutir, uma pessoa afável, de fino trato como se diz, e que demonstrou isso recebendo todos os presidenciáveis, recebeu ao longo do mês de junho nove candidatos, entre os quais esses que estão melhor posicionados…”.

Em vez da avaliação acadêmica, o mais rasteiro senso comum, às raias da sabujice. Em vez da crítica ao fato de que candidatos à Presidência da República submeteram-se a um beija-mão de um chefe militar, uma tola e desinformada comemoração desse episódio de capitulação civil.

Mais adiante, Messias viria a tecer outras considerações simpáticas ao comandante do Exército: “Sou realista, os militares estão participando da atividade política, de uma forma institucional”.

Portanto, vejamos: seria “institucional” dar declarações que visavam intimidar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião do julgamento do habeas corpus de Lula. “Villas Boas é um interlocutor válido, então o que ele diz tem peso”.

Não bastasse tudo isso, ao final do programa o professor fez questão de somar-se às críticas do general Rocha Paiva à CNV, ao defender a tese sórdida de que essa comissão deveria ter investigado “os dois lados”, em vez de limitar-se a apurar os crimes cometidos por agentes do Estado a serviço do regime militar.

Isso, mesmo depois que o ex-ministro Dias realizou sua melhor intervenção no debate, ao explicar que a Ditadura já havia investigado e punido exemplarmente os opositores, fosse com condenações à prisão, fosse com torturas, execuções e desaparecimentos forçados.

Portanto, em resumo, Rocha Paiva contou com dois interlocutores que se limitaram a fazer objeções pontuais e um terceiro que agiu como linha auxiliar.

O general sentiu-se à vontade para fazer desfilar seus pontos de vista sobre diferentes tópicos, e até empreender uma blitzkrieg em auxílio a seus colegas mais graduados Mourão e Villas Boas, defendendo assim, em meio a variados subterfúgios: 1) o golpe “branco” — uma nova Constituinte elaborada por um comitê de sábios; 2) o golpe propriamente dito: a intervenção militar “em defesa dos poderes constituídos”, na versão do vice de Bolsonaro (“autogolpe”); 3) retrospectivamente, o Terrorismo de Estado implantado em 1964. Examinemos o que foi dito pelo ex-comandante da ECEME, ipsis litteris, para que se tenha noção da sua extrema gravidade.

Sobre o que disse Villas Boas

“Tenho impressão de que […] a posição dele não pode ser só para dentro [das Forças Armadas]. Todas as manifestações do comandante do Exército têm sido no sentido de se garantir a legitimidade, [a] estabilidade e a legalidade. Interpretei que ele disse que esse futuro governo pode ser contestado por gente que está contestando desde já [e que diz] que se o Lula, ex-presidente, não concorrer a eleição será ilegítima. Então isso arrasta uma grande parcela da sociedade para protestar [contra] o futuro governo. O Brasil vive uma situação muito delicada. Sou totalmente favorável, posso dizer que as instituições militares são totalmente favoráveis à manutenção do processo democrático. Totalmente. Agora, nós temos preocupação com o futuro do país. Haja vista que de repente um segmento radical, como aconteceu na Venezuela, pode levar o país a determinadas situações que não acredito que seja muito fácil [acontecer] aqui. Muito mais difícil, mas nada impossível”.

Ele não esclareceu o que foi que “aconteceu na Venezuela”, mesmo porque o aludido “segmento radical”, o chavismo, foi conduzido ao poder pelo voto, em eleições democráticas, e depois reeleito em pleitos sucessivos. Mais tarde, porém, ele dirá que teme “a ditadura pelo voto”, evidenciando assim a seletividade dos seus juízos de valor.

“O chefe militar pode falar sobre muitas coisas. Não é o que ele fala que é o problema, é como ele fala. E a maneira como o general Villas Boas falou… ele não ameaçou as instituições, ele não faltou com o princípio da hierarquia e disciplina e ele obedeceu ao que está na Constituição, digamos assim, que é livre a manifestação do pensamento, não tem nenhum lugar na Constituição que diz que o militar não pode se manifestar. Mas na missão constitucional das Forças Armadas, [a Constituição] diz que são organizações regulares, permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina. Então nenhum militar pode criticar o governo, criticar uma autoridade, mas ele pode falar da situação que existe. Afinal de contas a sociedade, a nação nos paga durante trinta, quarenta anos para pensar na defesa da nação. Ela precisa ouvir o que o militar tem para dizer. E quem deve falar é o comandante”.

É de pasmar que nenhum dos parceiros de mesa do oficial, tendo ouvido tamanhos disparates, tenha se animado a rebatê-los. Em primeiro lugar, de um ponto de vista puramente formal, legal, no serviço público só se faz o que a lei dispõe expressamente.

Não é atribuição constitucional ou legal de chefes militares emitir juízos políticos, muito menos pressionar o Judiciário ou a sociedade civil. Além disso, a condução política dos assuntos do Exército cabe ao Ministério da Defesa, ao ministro da pasta, e não ao comandante dessa força.

O mais paradoxal nesse ziguezague retórico do general Rocha Paiva é que, ao buscar justificativas para a verborragia de Villas Boas, ele tenha recorrido justamente ao preceito constitucional da liberdade de expressão, um dos mais pisoteados pelo regime militar.

Por outro lado, se aceitarmos essa tese, como excluir do exercício da liberdade de expressão todos os outros militares?

Sobre empregar a força armada e “homens vão morrer”

“Ele [Villas Boas] deve falar calcado no princípio da hierarquia e disciplina, e alertando a sociedade sobre uma possibilidade, porque quem vai ter que empregar a força armada, quem vai comandar a força armada, emprego [sic], é ele, e os homens que vão morrer são homens sob comando dele. Então é uma responsabilidade muito grande. Ele ao falar coloca em risco a sua própria posição, o seu próprio cargo, mas isso é o que eu chamo de decisão-latitude de caráter moral”.

Esta é uma das mais sinistras declarações proferidas no Painel Globonews de 15 de setembro. Rocha Paiva passa por cima de qualquer análise prévia de situações hipoteticamente passíveis de alguma modalidade de intervenção militar, salta qualquer mediação, e vai diretamente ao ponto que lhe interessa: pintar um cenário de conflito social e guerra civil, no qual “homens vão morrer”, de modo a fornecer justificativas adicionais para a fala intervencionista do comandante do Exército e, de quebra, reiterar a narrativa golpista.

Ademais, o general debatedor acrescenta um ingrediente ácido, que parece contradizer suas alegações anteriores, quando avalia que, ao falar, “Villas Boas coloca em risco a sua própria posição, o seu próprio cargo”. O golpe já tem seu herói?

“Se a gente olhar a história do Brasil, de 1922 até 1977, nós tivemos mais de 17 crises político-militares. A partir de 1964, [por] decisão do marechal Castello Branco, os militares foram se afastando da política, política partidária, e a política deixou de ir buscar os militares.

De 1977 para cá não teve uma crise político-militar. Ou seja: os militares estão afastados da política partidária, e não participaram de nenhuma crise política no país. Agora, não entendo porque eles foram afastados do núcleo decisório do Estado.

Porque quem está lá representando as Forças Armadas é o ministro da Defesa que muitas vezes não entende de estratégia de defesa, e não tem condições sozinho de dialogar nesse nível estratégico sobre defesa nacional, segurança nacional.

Então, o que aconteceu com o país? O país agora entrou numa situação de desequilíbrio interno, e eles estão buscando exatamente as Forças Armadas por causa disso. Por isso é que ele [Villas Boas] insiste na ideia da legalidade, legitimidade, estabilidade, que é para os militares não terem que ficar sendo procurados mais”.

A contabilidade de “crises político-militares” feita por Rocha Paiva deixou de incluir episódios importantes, como a “greve de zelo” dos controladores de vôo militares em 2007, retaliada pelo comando da Aeronáutica, após seu encerramento (acordado com o governo mediante a promessa de que não haveria punições), com dezenas de demissões e prisões; a reação das Forças Armadas à terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), em 2009, no segundo governo Lula; e os desrespeitos à CNV desde que foi criada, em 2011.

Sua “explicação” pueril sobre a decisão de Castello Branco foi contestada pela âncora Lo Prete, que teve de lembrar ao general que os militares não precisavam de política partidária porque, afinal de contas, exerciam o poder ditatorial! Seus ataques à figura do ministro da Defesa e suas queixas contra o afastamento dos militares “do núcleo decisório do Estado” são coerentes com o pensamento golpista.

Sobre Mourão, Constituinte sem povo e autogolpe

“Se formos convocar uma Constituinte agora, eleição etc., qual vai ser o resultado com essa liderança que nós temos aí? Né? Então, temos que ter o projeto. Um projeto de Constituição. Ele vai ao  Congresso. Aí o Congresso apresenta lá as suas considerações, ele volta para o grupo que vai… que tem que ser gente, jurista… para não sair aí: “os juros tem que ser 12%”, não sei o que não sei que lá, direitos adoidado… deveres quase nada. A menção à pátria só aparece uma vez na Constituição. Então tem que ter gente que participe da elaboração do projeto… gente preparada, não pode ser como nós vemos no Congresso, muita gente despreparada para isso”. “A gente não pode afastar do projeto a elite pensante do país”.

De modo que, para evitar uma nova Constituição com “direitos adoidado” e deveres poucos, Rocha Paiva apoia a receita de Mourão: uma Constituição elaborada por “gente preparada”, pela “elite pensante”.

Tal cuidado certamente impedirá extravagâncias, como o teto fixado na atual Constituição para os juros cobrados pelos bancos!

“Quanto à questão do autogolpe: é outra ideia que tem que ser trabalhada. O que está escrito na Constituição: as Forças Armadas são instituições destinadas à defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais, por iniciativa de algum deles, da lei e da ordem. O que o general Mourão tentou passar ali é que se esses poderes constitucionais estiverem numa situação de anomia, perderam a autoridade, a situação do país está numa convulsão social, num caos social, não é uma intervenção das Forças Armadas para assumir o governo, é: ou algum daqueles poderes que estão sem nenhuma condição de ter autoridade pedir às Forças Armadas para… ou tentarem empregar as Forças Armadas para… mas eles estão divididos por dentro, você vê que o STF está dividido por dentro, né? Pode ser uma situação que o presidente não tenha autoridade, então vai fazer o quê, vai esperar o esfacelamento da nação?”

Não há dúvidas de que, aqui, o ex-comandante da ECEME endossa totalmente os planos anunciados pelo general Mourão desde 2017, quando o país teve notícia, pela primeira vez, de que o Alto Comando do Exército vinha efetuando “planejamentos” de uma eventual intervenção militar. Nesta linha, a principal força armada reserva-se o direito de decidir se e quando intervir, afinal as instituições estão “divididas por dentro”. A ideologia da tutela persiste.

[Mourão] “é uma pessoa muito preparada, não é um ponto fora da curva, é uma pessoa de índole democrática, quando eu digo que uma intervenção militar para restaurar os poderes constitucionais pode acontecer, haja vista o que aconteceu na Venezuela, essa ditadura pelo voto é que eu tenho medo, porque ela muda o regime. Ela mudou o regime e jogou no fundo do poço a Venezuela. [As Forças Armadas da Venezuela] foram compradas”.

A tese otimista de que Mourão é “um ponto fora da curva” foi levantada pelo professor Messias. Se a “ditadura pelo voto” venezuelana mudou o regime, cabe perguntar: a ditadura pelas armas brasileira não fez o mesmo, com o agravante de que não gozava de legitimidade alguma?

Quanto à suposta “índole democrática” do vice de Bolsonaro, devemos render homenagem ao esforço de Rocha Paiva para salvar a imagem do seu companheiro de armas. Porém, como veremos em seguida, cabe indagar da “índole democrática” do próprio Rocha Paiva.

Sobre a Ditadura Militar e a CNV: “Que genocídio é esse?” 

“O relatório da Comissão não tem credibilidade nenhuma”. “Não defendo nem torturador, nem terrorista, nem sequestrador, nem justiçador e nem ladrão de banco etc., não defendo de nenhum dos dois lados, defendo anistia ampla, geral e irrestrita porque quando ela foi feita era condição para a pacificação nacional.

Então não se pode julgar a Lei da Anistia com visão de hoje num contexto que era outro. A intenção do legislador e o espírito da lei era geral e irrestrita [sic]. Todos os que combateram a luta armada são muito bem considerados no Exército. Alguns violaram direitos humanos? Sim. Mas também os outros do outro lado violaram”.

“Sempre que eles da luta armada tiveram alguém que não fosse um refém que tinham que devolver, eles torturavam e também matavam”. “[A Ditadura] puniu os [casos] que foram esclarecidos. Mas os que não foram esclarecidos? Eles foram anistiados.”

Portanto, Rocha Paiva alega não defender torturador, mas os defende. A Lei da Anistia de 1979, que incluiu um dispositivo de autoanistia dos militares que sequestraram, torturaram, assassinaram militantes de esquerda e perpetraram desaparecimentos forçados, foi declarada nula pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).

“A gente vê: Colômbia, 50 anos de guerrilha, 200 mil mortos; América Central, 15 anos de conflito, 300 mil mortos; nos outros países da América do Sul, Uruguai, Argentina e Chile, mais de 30 mil mortos. No Brasil, 436. Que genocídio é esse? Não foram mortos na tortura, não [em resposta a Dias]. E tem uma coisa, se nós estivéssemos na guerrilha até hoje, como na Colômbia, a senhora queria que o seu filho fosse convocado pelo Exército para combater a guerrilha? O senhor gostaria de um neto seu combatendo a guerrilha no meio da selva? Então o regime militar, ao cortar o mal na raiz, preveniu um desastre no país como aconteceu na Colômbia, na América Central”.

Nem Dias, nas poucas objeções que manifestou, nem Lo Prete se deram ao trabalho de enfrentar e desmontar a narrativa falsa e escorregadia do general. Bastaria citar os centros de tortura e “casas da morte” espalhados pelo Brasil, nos quais foram martirizadas milhares de pessoas; os campos de tortura de camponeses montados pelo Exército no Araguaia; chacinas como as de Foz do Iguaçu (PR) e Chácara São Bento (PE); o monstruoso atentado ao Riocentro que permanece impune.

Quanto a “Não foram mortos na tortura, não” (referindo-se à maioria dos casos), Dias, que integrou a CNV, bem poderia ter apontado conhecidos casos, alguns de repercussão internacional, de execução de prisioneiros durante a tortura ou logo após: Manoel Raimundo Soares (“mãos amarradas”), Rubens Paiva, Aurora Furtado, Vladimir Herzog, Manoel Fiel Filho, Carlos Danielli, Stuart Angel, Sônia Moraes Angel e tantos outros, bem como a execução de dezenas de guerrilheiros do Araguaia capturados vivos.

Sobre Herzog, há sentença recente da Corte IDH, que em 15/3/2018 condenou o Estado brasileiro a tomar providências para investigar o assassinato do jornalista. Sobre a Guerrilha do Araguaia, a sentença histórica emitida em 24/11/2010 determina a punição dos militares que praticaram atrocidades. É espantoso que nada disso tenha sido dito a propósito das tentativas bizarras de Rocha Paiva de minimizar os crimes cometidos pela Ditadura Militar.

Sobre um eventual governo do PT e a “revolução gramcista”

“Uma coisa é o Haddad aqui em cima ou o Lula aqui em cima. Mas quem dá a linha ideológica, perigosíssima, do PT tá aqui embaixo: é Zé Dirceu, era o Marco Aurélio Garcia, o Pomar. Porque eles estão implantando no país uma revolução silenciosa que é a revolução gramcista [sic], ocupando os espaços, mobiliando [sic] todo o Estado. O fato de o PT não estar no poder não quer dizer que ele tenha perdido o poder. Então o perigo para mim… O Haddad vai estar aqui em cima, paz e amor, mas eles vão continuar mobiliando [sic] e seguindo a revolução gramcista [sic]”.

Que não restem dúvidas: a Ideologia da Segurança Nacional continua a mover os generais do Exército. Ao que parece, à falta de inimigo externo, ocupam-se do “inimigo interno”: os partidos de esquerda, os movimentos sociais, a “revolução gramcista”.

Note-se que Rocha Paiva passou à reserva em 2007, portanto no decorrer do primeiro mandato de Lula. Estamos falando de alguém que chegou a general de brigada (duas estrelas) e exerceu cargos relativamente importantes no Exército: o comando da ECEME, por onde passa a nata do oficialato, e a secretaria-geral da força, cargo onde estava quando deixou a ativa.

O Partido dos Trabalhadores, com toda a moderação política que o caracterizou enquanto esteve no governo, é “acusado” de possuir uma “linha ideológica perigosíssima”, qual seja a de “ocupar todos os espaços”, “todo o Estado”, inspirado no admirável pensador marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937).

A respeito disso, é preciso assinalar o seguinte: 1) nem os governos Lula e Dilma, eleitos pelo voto, nem o PT ocuparam “todos os espaços”, como provam o golpe de 2016 e a prisão do ex-presidente; 2) no passado, quem ocupou “todo o Estado” foi a Ditadura Militar, que tomou o poder pelas armas; 3) no presente, o melhor exemplo de ocupação “de todo o Estado” é o PSDB, especialmente em São Paulo, por décadas.

Vale insistir: como fica a tese do “profissionalismo” do Exército? A tomar pela blitzkrieg de Rocha Paiva, ao vivo e a cores, por suas investidas contra a democracia e em favor do Terrorismo de Estado, e pelas manifestações dos seus colegas de quatro estrelas, tal “profissionalismo” será sempre utilizado contra a transformação da sociedade brasileira (ainda que pela via democrática!) e em favor de soluções golpistas e reacionárias para crises políticas como a atual.

Pergunta final: por que razão a Globonews convidou, para um debate deste tipo, um oficial reincidente em agressões ao jogo democrático, como atestam entrevista que concedeu a Miriam Leitão em 2014, na qual atacou a CNV, e artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo em 2017, no qual defendeu intervenção militar “mesmo sem amparo legal”?

Pedro Estevam da Rocha Pomar é jornalista (UFPA), mestre em história (Unesp), doutor em ciências da comunicação (USP) e autor dos livros Massacre na Lapa (2006) e A Democracia Intolerante (2002). Membro do Comitê Paulista por Memória, Verdade e Justiça (CPMVJ).

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