A carta abaixo foi enviada para Justin P. J. Trudeau, Primeiro Ministro do Canadá, com cópias para os ministros canadenses ChrystiaFreeland, de Negócios Estrangeiros; Marie-Claude Bibeau, de Desenvolvimento Internacional; Jim Carr, de Diversificação do Comércio Internacional; Nadine Girault, de Relações Internacionais e da Francofonia; e para os deputados Alexandre Boulerice, HélèneLaverdière e Manon Massé. No Brasil, receberam cópias Torquato Jardim, Ministro da Justiça, e Rosa Weber, do Tribunal Superior Eleitoral.
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Nós, o Coletivo Brasil-Montréal e as organizações canadenses e internacionais signatárias desta carta, vimos expressar nossa profunda preocupação com o descumprimento da lei eleitoral brasileira durante a campanha presidencial de 2018 no Brasil. Estamos escrevendo esta carta à Vossa Excelência para pedir-lhe que interpele o governo brasileiro a fim de garanti rum processo democrático e a aplicação da lei eleitoral do país.
Dos fatos
O candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, que lidera todas as pesquisas eleitorais para o segundo turno das eleições presidenciais que ocorrerá neste domingo, dia 28 de outubro, demonstra, por meio de declarações e de seu plano de governo, grande hostilidade contra as mulheres, a comunidade LGBTQ+, a população negra, povos indígenas e comunidades pobres no Brasil. É importante ressaltar que, após sua vitória no primeiro turno das eleições presidenciais no 7 de outubro, vários casos de agressões físicas e até homicídios contra esses grupos foram registrados em todo o Brasil. Em fevereiro de 2017, Bolsonaro declarou: “As minorias têm que se curvar às maiorias. As minorias se adaptam ou simplesmente desaparecem”. Desde 7 de outubro, houve aproximadamente 50 crimes contra indivíduos que manifestaram publicamente sua oposição à Bolsonaro e/ou membros dos grupos visados pelo discurso de ódio do candidato. Alguns desses atos foram reivindicados ou celebrados pelos apoiadores de Bolsonaro. Bolsonaro também ameaçou diretamente o jornal que expôs o escândalo do financiamento ilegal de sua campanha por parte de empresas: “Nós ganharemos esta guerra. Folha de S. Paulo, vocês não terão mais verba publicitária do governo”.
Sua agenda ameaça os avanços políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais que foram alcançados nas últimas quatro décadas.
A eventual eleição de Bolsonaro na próxima semana criará dois precedentes de grande perigo e ameaça à continuidade da democracia brasileira. Primeiramente, as informações publicadas no jornal Folha de S. Paulo denunciam um grave crime eleitoral que teria sido cometido ao longo da campanha de Bolsonaro. De acordo com a revelação do jornal, pelo menos quatro empresas gastaram milhões de dólares para pagar serviços de distribuição em massa de mensagens falsas que beneficiam Bolsonaro, por meio do sistema de mensagens instantâneas do aplicativo WhatsApp. Esses serviços de disseminação provavelmente usaram listas de contatos fornecidas pelo candidato, mais teriam igualmente comprado bases de dados de usuários. É importante notar que, em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o financiamento empresarial de campanhas configura crime e que, portanto, a candidatura de Bolsonaro se enquadraria em um caso típico de “caixa dois”, já que tais recursos não foram declarados ao tribunal eleitoral precisamente para tentar dissimular os fundos da campanha.
Em segundo lugar, as declarações do candidato incitam a violência contra as mulheres, minorias visíveis e movimentos sociais, portanto, beirando a ilegalidade, já que a lei brasileira pune a disseminação desse tipo de discurso de ódio, particularmente durante uma campanha presidencial. Bolsonaro afirmou repetidamente que o Brasil nunca passou por um período de ditadura. Além disso, durante a votação do impeachment da ex-Presidenta Dilma Rousseff, ele homenageou o coronel Ustra, um torturador durante a ditadura afirmando: “Em memória do Coronel Brilhante Ustra, o terror de Dilma”. No dia 21 de outubro, ele enviou uma mensagem em vídeo aos seus apoiadores reunidos em São Paulo onde disse que, se eleito, todos os “vermelhos” deveriam deixar o país ou ir para a cadeia. “A faxina será muito mais ampla”, declarou, referindo-se à ditadura que, segundo ele, cometeu o erro de “torturar sem matar” seus adversários. Bolsonaro também afirmou que preferiria ver seu filho morto a ser homossexual, e que ele não aceitaria que seu filho se relacionasse com uma mulher negra.
Em termos de segurança pública, ao invés de propor novas medidas e políticas, Bolsonaro sempre defendeu os direitos dos cidadãos de portar armas e considera necessário que o Estado forneça um apoio legal às ações violentas da polícia, uma medida conhecida como “licença para matar”.
Bolsonaro também já declarou que, como os Estados Unidos, o Brasil se retirará do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (que pode gerar uma onda de desmatamento). Sua chegada ao poder seria, portanto, um grande obstáculo a qualquer política internacional que vise a proteção do meio ambiente e a preservação da paz.
Contexto nacional
Em 2016, o atual governo do Brasil, por meio de cortes e enfraquecimento da infraestrutura, iniciou um processo de desmantelamento do antigo Ministério de Direitos Humanos e do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Das áreas rurais às urbanas, o Estado brasileiro tem sistematicamente falhado em proteger as vítimas de violência e pessoas ameaçadas. Além disso, a cada 25 horas há uma morte violenta de pessoas LGBTQ+. No caso das mulheres, são elas as que mais sofrem situações de violência no contexto do ativismo, o que a Anistia Internacional descreve como dupla discriminação.
Considerando toda essa situação e o fato de que o governo canadense busca priorizar os direitos humanos e a democracia, esperamos que o Canadá faça uso de sua influência sobre seus aliados no governo brasileiro, através de suas diversas parcerias comerciais. Portanto, pedimos ao Canadá que:
- Interpele o governo brasileiro para garantir um processo eleitoral democrático, rigoroso e transparente, de acordo com a Lei Eleitoral vigente no país. E, caso haja desvios, que as medidas legais necessárias sejam tomadas.
- Que o Canadá expresse sua profunda preocupação com a situação crítica gerada pelos discursos de ódio do candidato Jair Bolsonaro, que incitam a violência contra populações que já são altamente discriminadas.
- Que o Canadá afirme seu compromisso com os valores democráticos ao exigir que seus pares brasileiros respeitem os direitos humanos, os direitos das mulheres e das minorias, conforme estipulado na constituição federal brasileira e em muitos tratados internacionais de direitos humanos que o país está vinculado.
- Dado o clima de repressão policial e militar durante a campanha eleitoral, o Canadá deve permanecer vigilante durante as próximas eleições no Brasil para garantir que haja um processo eleitoral que respeite os direitos humanos, a liberdade de expressão e a lei eleitoral.
Agradecemos por sua consideração à estes pedidos,
Cordialmente,
Organizações signatárias:
- Coletivo Brasil-Montréal
- Comité pour les droits humains en Amérique latine-CDHAL
- Alternatives
- Atlantic Regional Solidarity Network
- ATTAC-Québec
- Breaking the Silence Maritimes Guatemala Solidarity Network
- Centre de recherche en éducation et formation relative à l’environnement et à l’écocitoyenneté – UQAM
- Centre Internationaliste Ryerson Fondation Aubin (CIRFA)
- Collectif Opposé à la Brutalité Policière (COBP)
- Comité de Solidarité/Trois-Rivières
- Comité pour la Libération de Milagro Sala Prisonnière Politique -Montréal
- Concertation des luttes contre l’exploitation sexuelle (CLES)
- Concordia University’s Lab for Latin American and Caribbean Studies (LLACS)
- Conseil central du Montréal métropolitain CSN
- Conseil régional FTQ Montréal métropolitain
- Due Process of Law Foundation (DPLF)
- Équipe de recherche interuniversitaire sur l’inclusion et la gouvernance en Amérique latine (ÉRIGAL)
- Fédération des femmes du Québec
- Fédération nationale des enseignantes et enseignants du Québec (FNEEQ-CSN)
- Femmes Autochtones du Québec
- Femmes de diverses origines-Women of Diverse Origins (FDO-WDO)
- Friends of the MST in Canada
- Fronteras Comunes
- GRAIN
- Groupe de recherche sur l’enseignement du théätre de l’UQÀM (GRET)
- Justice climatique Montréal
- LACSN – Latin American & Caribbean Solidarity Network
- Leap Montréal
- Mouvement contre le viol et l’inceste
- Nouveaux cahiers du socialisme
- Plateforme altermondialiste
- Projet Accompagnement Québec-Guatemala
- Réseau d’études latino-américaines de Montréal (RELAM)
- Réseau québécois des groupes écologistes (RQGE)
- The Bishop’s University Social Justice Collective
- Union paysanne