“Cidadania arrancada”

Um relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de abril deste ano, sobre o sistema prisional brasileiro mostra que a situação do Distrito Federal é como em todo país: cadeias lotadas e com uma série de problemas. Estima-se que deveriam ser criadas 6.242 vagas para suprir o déficit.

Pedro Calvi, CDHM

Com capacidade para 4.925 detentos, a situação na Papuda, o maior presídio do DF, é de superpopulação carcerária. No Centro de Internação e Reeducação (CIR), são 1.429 presos a mais do que suporta a unidade. Na Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I), o excedente é de 2.200 pessoas; na PDF II, de 2.150. Já no Centro de Progressão Penitenciária (CPP), o déficit é de 463 vagas.

E essa superlotação produz outra série de problemas. Para debater quais são e como resolver, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) promoveu, nesta sexta-feira (14) uma reunião que debateu a situação do Sistema Prisional do Distrito Federal, como a redução dos valores em dinheiro que podem ficar com internos e denúncias de constrangimentos sofridos por famílias de presidiários.

Recentemente, o Governo do Distrito Federal fez mudanças no sistema, entre elas o fechamento de cantinas nos presídios e a redução do valor em dinheiro que cada família pode levar ao detento.

Em novembro, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal reduziu os valores em dinheiro para os internos do Complexo Penitenciário da Papuda. Quem fazia a visita quinzenal, por exemplo, podia levar R$ 125. A quantia caiu para R$ 25.

A quantidade de produtos que os familiares poderiam levar para os internos em uma sacola também havia diminuído através da decisão. Passou a ser permitida a entrada de seis frutas, sabão em pó e 500g de biscoito. Antes, entrava sabão, água sanitária, creme dental, sabonete e papel higiênico.

Porém, a juíza da vara de execução penal do TJDF, Leia Cury, vedou o fechamento das cantinas nas unidades prisionais e revogou o ato administrativo que reduziu o valor das importâncias em dinheiro que poderiam ser entregues aos presidiários.  Ela foi convidada para a reunião, mas não pode comparecer.

“Sistema de moer gente”

Michel Platini, presidente do Conselho Distrital de Promoção  e Defesa dos Direitos Humanos do Governo do Distrito Federal, admite que, se esses problemas não começarem a ser resolvidos, há iminência de mobilizações dentro dos presídios.

“E isso traz um perigo imenso para a segurança de todos. Fizeram mudanças nas regras do sistema sem consulta ampla à sociedade civil ou aos familiares. O estado é criminoso quando tortura o interno e deixa ele morrer por causa de furúnculo. Faltam produtos de higiene, dois sabonetes para celas com até 60 pessoas. Temos que enviar esses dados para a ONU. O sistema não existe só para punir, mas também para ressocialização e isso nunca vai acontecer nessas condições. Está acontecendo uma naturalização da perda dos direitos humanos, das doenças de pele, de cela para 8 pessoas com 60. Isso não pode acontecer. Precisa contratar mais agentes penitenciários. As cartas que saem do sistema prisional não chegam ao destino, e o contrário também. Quem é mais criminoso? O preso ou o Estado? Presos LGBTs em alas de crimes sexuais, mulheres transexuais têm o cabelo raspado. É um sistema de moer gente, é a cidadania arrancada”, conclui Michel.

Darlana Godóis, representante da Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do DF e Entorno,  critica severamente as medidas adotadas pelo GDF.

“No último dia 6, o detento Jorge Wenscelau morreu por causa de uma simples infecção de pele, que pode ser curada com pomada ou higiene. As licitações feitas não se concretizaram como o previsto, não houve preocupação com a quantidade e muito menos com a qualidade. São dois sabonetes por cela, com 30 a 40 pessoas, dependendo do presídio. Um sabonete que passa de mão em mão e o mesmo com o barbeador, de pele em pele, num ambiente insalubre. Não tem a menor lógica ou respeito pela saúde das pessoas. Aí acontecem casos como este, morreu por falta de higiene. Como se cuidar se não tem água, material de higiene? Há três anos o CIR tem problemas hidráulicos, falta água. Falta escolta para ir ao médico, enterrar familiares, como filhos, pais ou mães. E a justiça já despachou mandando a família levar o caixão até o presídio. O que é isso? A gente não queria ter que levar comida, sabonete, pasta de dente. Mas a gente precisa levar porque o Estado não dá. Cadê o dinheiro do Fundo Penitenciário para dar curso de formação? Para criar bibliotecas? Isso nunca chegou nos presídios. Agora, para comprar viaturas e renovar carteira de motoristas com Fundo, tem”. Questiona Darlana.

Mariana Rosa, presidente da Associação Humanizando Presídio pede a revisão das licitações para material de higiene e comida.

“As quentinhas chegam pela manhã e ficam até o fim do dia sem local próprio para armazenamento. As licitações devem ser revistas. Tivemos cerca de 3 mil casos de doenças de pele em 2017, e isso com a gente levando água sanitária, pomadas. Não é uma situação isolada, acontece em todas as unidades prisionais do DF. A licitação é pelo menor valor e daqui a pouco vão dar carvão para os presos escovarem os dentes, como na idade média. Pedimos ao GDF que, pelo menos no agora no Natal e Ano Novo, as famílias possam entregar as sacolas completas, com insumos de higiene, frutas, comida”, afirma.

Melhor sistema do país

“Nosso sistema penitenciário tem muitos problemas e mesmo assim é considerado o melhor do país. Nossos maiores problemas são a falta de vagas e servidores e isso engessa qualquer iniciativa para mudar a realidade. Isso impacta na falta do banho de sol, na abertura de oficinas e salas de aula, da retomada da visita semanal.  Este ano chamamos cerca de 300 concursados e ainda faltam 230 serem chamados. Estamos com um Projeto de Lei no legislativo para a abertura de mais 1.400 vagas através de concurso público. O correto seria 1 servidor cuidar de 4 presos. Hoje, 1 servidor cuida de 10 detentos. Também temos um projeto para instalar placas solares para esquentar a água no CIR, que nos meses de frio é gelada e por causa disso os presos se negam a tomar banho”, coloca Celso Lima, subsecretário do Sistema Penitenciário do Distrito Federal e representante da Secretária de Segurança Pública.

Guilherme de Souza Panzennhagen, defensor público do Distrito Federal, divulgou a recente criação de um novo serviço da Defensoria para acompanhar questões ligadas ao sistema prisional.

“Fizemos um trabalho no PDF I para tornar mais eficiente os protocolos de higiene. Vamos dividir os resultados com todos que trabalham na unidade. As tornozeleiras eletrônicas poderiam diminuir o problema da superlotação para os presos em regime semiaberto, por exemplo, isso abriria mais de 800 vagas. Isso sem falar na economia. Um preso custa R$ 1.840,00 por mês. A monitoração pela tornozeleira, 140 reais. Vamos apresentar um recurso contra a decisão das visitas apenas durante os dias úteis. Criamos um grupo de trabalho para dar sugestões ao governador eleito e entre elas está a transformação, da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal, em Secretaria”

Mobilização

 “Vamos entregar ao governador eleito do Distrito Federal um documento com sugestões para enfrentar reivindicações que vão se perpetuando. Como garantia de acesso à saúde, assistência médica e à higiene, já que os familiares estão proibidos de levar esses itens, acesso à educação básica educação básica e profissional que contribua à ressocialização. A alimentação é tão ruim que os presos não consomem. Queremos a criação de uma ouvidoria independente que funcione 24 horas para acolhimento de denúncias de violação de direitos humanos. A pena é estendida aos familiares. As visitas só podem ser em dias úteis e isso complica a vida das famílias. Queremos também o fim da revista vexatória, scanners foram comprados, mas muitos não estão sendo usados”, aponta a deputada Érika Kokay (PT/DF), da CDHM, que pediu a realização do encontro.

Erika defende a criação imediata de um fórum para acompanhar o sistema prisional do Distrito Federal, no formato do fórum dos direitos das crianças. A CDHM deve, também, encaminhar um documento a Organização das Nações Unidas, relatando sobre o número de detentos mortos no sistema penitenciário do DF.

Também participaram da reunião famílias de detentos que estão no sistema prisional do Distrito Federal.

Imagem: Superlotação de celas. Foto: Gláucio Dettmar /Agência CNJ

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