A violência contra a mulher no contexto das remoções: onde mais se bate é onde mais se mata?

por Poliana Monteiro, em RioOnWatch

A violência contra mulher é um mecanismo estrutural que atua como política de controle, cujo objetivo é manter as mulheres em desvantagem e desigualdade sistêmica na sociedade. A violência legitimada pela desvalorização das mulheres reproduz o domínio patriarcal por meio da intimidação e nasce inicialmente nos lares, fortalecendo um padrão de comportamento que reverbera nas ruas. Como demonstrado nas matérias anteriores, o isolamento territorial e, consequentemente, a dificuldade de acesso às leis e aos serviços somam-se às violações em áreas dominadas pelo crime organizado.

Além de uma situação de violência social generalizada, a vulnerabilidade que alimenta esse ciclo de violências é influenciada por fatores como a dependência financeira, uso de álcool ou drogas e o desemprego. O cartograma abaixo permite observar a possível correlação entre desemprego e violência contra a mulher no Rio de Janeiro.

O padrão territorial diferenciado se evidencia em relação à cor das vítimas, pois o percentual de mulheres negras ou pardas vítimas de lesão corporal dolosa é significativamente superior na Zona Oeste, como demonstra a tabela abaixo. A lesão corporal dolosa, categoria geral do que reconhecidamente se configura em sua maioria como violência doméstica ou familiar, tem a casa como local rotineiro. Na Zona Oeste da cidade esse padrão se verifica de forma evidente, sendo menos expressivo no restante da cidade, o que demonstra como as políticas urbanas, em especial sobre o uso e ocupação do solo, podem modificar padrões de violência.

Tabela 1: Característica das ocorrências de lesão corporal dolosa por zona (elaborado pela autora).

Aqui, é importante novamente destacar a diferença entre os dados apresentados em valores absolutos e por taxas. Os valores absolutos expressam a quantidade de ocorrências de violência contra a mulher registradas em determinado território sem considerar outras variantes. Já o cálculo das taxas demonstra quantas mulheres foram vítimas de violência em relação à população feminina residente em determinado território, ou seja, considera a variante populacional para compreender o fenômeno. Como já explicitado, a distância temporal do Censo 2010, assim como as grandes transformações urbanas, impossibilitam o cálculo das projeções para a população feminina por CISP para todo o período analisado, por isso o cálculo por taxa é apresentado somente para o ano de 2010 com o intuito de perceber a correlação entre os dados.

Assim, similarmente à incidência de estupros, quando considerados os valores absolutos, a Zona Oeste figura como a área que concentra mais ocorrências de lesão corporal dolosa, mas a taxa por 10.000 mulheres para 2010 é mais elevada no Centro.

Tabela 2: Lesão Corporal Dolosa no Rio de Janeiro por Zona em valores absolutos (2009-2016) e por taxa de 10.000 mulheres (2010) (elaborado pela autora).

A expressão “feminicídio” tem sido difundida e empregada de forma estratégica por militantes e pesquisadoras feministas desde a década de 1990 e progressivamente incorporada como tipo penal nas legislações de diversos países da América Latina. Nesse processo, tem se evidenciado o caráter discriminatório da invisibilidade e a opressão sistemática que promove a impunidade no caso desses crimes, destacando a omissão do Estado como fator para a persistência da violência contra a mulher. Nesse contexto, é fundamental observar que o feminicídio íntimo, comumente, é o fim trágico de um ciclo de violência, legitimado pela sociedade e pela mídia pela expressão “crime passional”.

Assim, existe uma correlação entre territórios onde mais se agride e violenta mulheres e onde ocorrem mais feminicídios, como demonstra a figura acima. Nesse sentido, é fundamental que as políticas públicas sejam concebidas de forma integrada e multidisciplinar, incorporando a segurança pública na formulação de outras políticas. Nos casos de morte violenta de mulheres, o padrão territorial segregador e racista novamente se evidencia em relação à cor das vítimas, conforme tabela abaixo.

Tabela 3: Característica das ocorrências de morte violenta de mulheres por zona (elaborado pela autora).

Nesse tipo de crime, um fato importante é que a qualidade das informações coletadas na Zona Sul é superior às demais regiões da cidade, pois tem um menor percentual de não informação sobre as características do crime, o que pode refletir uma negligência no registro das ocorrências como resultado de uma discriminação socioeconômica.

A impunidade penal característica das mortes violentas de mulheres determina que enquanto uma violação do estado de direito, considerando que as autoridades não cumprem efetivamente suas funções, o feminicídio é um crime do Estado. Assim, até que ponto diante da situação de violência generalizada em diversos níveis não se pode dizer que a exceção deixou de ser uma suspensão temporal do estado de direito e se tornou regra, vulnerabilizando ainda mais as mulheres que vivenciam um cotidiano no qual a negação de direitos é permanente e estrutural do patriarcado?

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