No Sul, projetos de mineração ameaçam 88 assentamentos

Estudos apontam impactos da mineração em territórios destinados à Reforma Agrária no Rio Grande no Sul

Por Marco Weissheimer, em Sul 21 / MST

O Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) realizou um levantamento sobre os assentamentos de Reforma Agrária que estão ameaçados pelos projetos de mineração que pretendem se instalar no Rio Grande do Sul nos próximos anos. Esse levantamento indica que há pelo menos 88 assentamentos, localizados na Região Metropolitana de Porto Alegre e na área do Pampa, com áreas sobrepostas a esses projetos. Mais de quatro mil famílias, que vivem nestes assentamentos, podem ser afetadas pela mineração. De acordo com o levantamento do MAM, esse número pode ser ainda maior, pois mais de cem assentamentos no Estado não têm georreferenciamento (definição de sua forma, dimensão e localização, por meio de métodos de levantamento topográfico).

Victor Salgueiro, militante do MAM e mestrando em Desenvolvimento Territorial da América Latina na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), começou a fazer, em agosto de 2018, um mapeamento da nova fronteira de mineração que está se abrindo no Rio Grande do Sul, especialmente na Região Metropolitana e na metade sul do Estado, com um bloco de quatro grandes projetos de mineração: Caçapava do Sul (mineração de chumbo, cobre e zinco às margens do rio Camaquã), Três Estradas (extração de fosfato em Lavras do Sul), Retiro (mineração de titânio em São José do Norte) e Mina Guaíba (mineração de carvão e areia em Eldorado do Sul e Charqueadas).

Ele elaborou um mapa onde identifica com quadros em cores diferentes as áreas no território gaúcho que estão em fase de solicitação de lavra, de concessão de lavra, de solicitação de pesquisa ou com pesquisa já autorizada. “Observando o território do Rio Grande do Sul, vemos que a metade sul e a Região Metropolitana estão mapeadas por projetos de mineração. As duas margens do Jacuí e um cinturão em volta de Porto Alegre estão mapeadas para mineração de carvão”, assinala Victor Salgueiro. O projeto do polo carboquímico, por exemplo, pega os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul, mas também atinge Porto Alegre, Viamão e outros municípios da região que também possuem áreas de mineração de areia. Só esse projeto, assinala, trará conflitos territoriais em sete assentamentos da região.

“Áreas de assentamentos já consolidados nesta região de Charqueadas e Eldorado do Sul, que tem uma grande produção de arroz orgânico, estão com projetos de mineração sobrepostos em seus territórios. Elas serão afetadas por esse projeto do polo carboquímico. São áreas de conflito direto por território”, afirma. Como esses assentamentos não têm titulação, observa ainda o militante do MAM, qualquer negociação com as mineradoras tem que ser feita por meio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que é quem detém a propriedade das terras. Os assentados têm a posse. “Isso traz uma situação de insegurança mas, por outro lado, afasta a possibilidade de negociação individual por parte das empresas. Neste processo, o Incra, na prática, foi aliado das mineradoras porque abriu espaço dos assentamentos para pesquisa, assim como ocorreu em outras regiões”.

Victor também cita os casos de São José do Norte, onde o território do município e alguns pontos do Oceano Atlântico estão mapeados por projetos de mineração, e da região de Hulha Negra e Candiota, onde também há planos para a ampliação da mineração de carvão. Nesta área, diz, há cerca de 20 assentamentos cujos territórios também estão sendo disputados pela mineração. Além dos projetos já conhecidos, o mapa também aponta áreas, na região do Camaquã, onde há estudos para mineração de ouro e prata. Oficialmente, diz Victor, as empresas afirmam que pretendem minerar chumbo. “É só isso mesmo?” – questiona.

Assentados são contra projeto de mineração

Segundo o militante do MAM, a grande maioria das 78 famílias do Assentamento Apolônio de Carvalho e das cerca de 200 famílias que vivem no Condomínio Guaíba City têm uma posição contrária ao projeto de mineração de carvão na região, pois acaba com seu modo de vida e de produção. Guaíba City é uma comunidade que começou a ser construída na década de 60. O assentamento é mais recente, com cerca de 15 anos de vida. “Eles não têm a mínima ideia para onde serão levados caso a mina de carvão vire realidade, nem que condições irão vivenciar. Há comunidades quilombolas e de pescadores nesta região que podem viver a mesma situação. Pelo relato que recebemos de pescadores, cerca de 600 famílias serão afetadas diretamente em seu modo de vida e de sobrevivência econômica”, diz Victor.

Um novo Carajás no extremo sul do Brasil?

“Quando vi esse mapa que o Victor começou a construir, o que me veio à cabeça foi que o Rio Grande do Sul pode virar um novo Carajás”, conta Márcio Zonta, da coordenação nacional do MAM. Zonta acredita que o Rio Grande do Sul pode apresentar, porém, um cenário de resistência à mineração diferente do que se viu em outros estados do país:

“Tirando essa região de Hulha Negra e Candiota, daí pra cima não há nenhum maquinário instalado e quem está sobre o território são os camponeses. Quando digo “camponeses”, estou falando da nossa vertente camponesa brasileira que abrange pequenos agricultores, quilombolas, indígenas, pescadores, ribeirinhos. Esse é um cenário diferente do de outras regiões, onde as mineradoras já se instalaram e se estabilizaram, como é o caso dos quatro principais estados mineradores do país: Pará, Minas Gerais, Bahia e Goiás. Nestes estados, em muitos espaços, os camponeses já foram derrotados e brigam por alguma mitigação ou para não serem aniquilados de vez”.

“Se todos os projetos de mineração conseguirem se instalar aqui, o Rio Grande do Sul passaria a ser provavelmente o terceiro ou quarto estado minerador do país”, avalia Zonta. No entanto, ressalta, a grande maioria do campesinato daqui é contra a mineração, pois sabe que o vínculo dele de realização social, econômica e cultural vai ser aniquilado caso ela se instale.

“Por isso eles não querem abrir processo de negociação. Temos a oportunidade de criar aqui uma pedagogia de área livre de mineração, com a população dizendo não à mineração. Isso não foi possível em outros processos como o que ocorreu na Amazônia, por exemplo. Aqui há uma possibilidade de travar esses projetos até porque os territórios são muito articulados entre si. Se há um bloco minerador, também há um bloco de povos que estão nele. Temos 166 projetos de mineração. No entanto, os quatro principais deles se situam em regiões onde a população está articulada e tem fortes vínculos sociais e culturais. Assim, pode ser criada no Sul uma pedagogia nacional para criar em outras regiões áreas livres de mineração, inclusive em territórios onde essas empresas dominam hoje”.

Lembrando o que ocorreu em Minas Gerais, com o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, Zonta assinala que o Sul e a Amazônia podem se tornar a “bola da vez” da mineração.

“A Vale não tem mais como se expandir em Minas Gerais e vai tentar se expandir na Amazônia. Outra parte do capital mineral quer se concentrar aqui no Sul, abrindo uma nova fronteira mineral. Cabe lembrar outra questão também relacionada a geopolítica internacional. Os chineses estão enfrentando muitos problemas ambientais e de saúde em função do polo siderúrgico que têm. Esses problemas estão atingindo níveis insuportáveis para a população. Em função disso, a China está mandando parte de sua produção mundial para outros territórios, entre eles a América Latina. O Rio Grande do Sul está nesta rota, pois aqui há muito carvão e uma rede logística de transporte pronta. A expansão de Candiota (com capital chinês), o projeto da Mina Guaíba e do polo carboquímico estão dentro desse contexto. Em resumo, o colapso em Minas Gerais e o realinhamento da indústria chinesa já estão impactando o extremo sul do Brasil. Mas eles vão encontrar uma resistência aqui que não encontrariam em outras regiões”.

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