Glenn Greenwald na CDHM: “Sergio Moro era o chefe da Lava Jato”

por Pedro Calvi / CDHM

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados fez, nesta terça-feira (25), uma audiência pública para debater com o jornalista Glenn Greenwald fatos divulgados sobre a Operação Lava Jato. Os trechos entre aspas são falas de Glenn, que nos conta essa história.

O começo

Desde o dia 9 de junho o site The Intercept Brasil vem divulgando uma série de conversas envolvendo procuradores da República em Curitiba, como Deltan Dallagnol, e o atual Ministro da Justiça Sergio Moro, que na época era o juiz responsável pelos processos da Lava Jato. Os diálogos aconteceram desde 2014 por meio do aplicativo Telegram.

“A única coisa que fizemos foi receber os documentos que a fonte tinha. Então comecei a ler e fiquei chocado, num primeiro momento como advogado e depois como jornalista. Consultei juristas, advogados e professores de direito, que também ficaram chocados e indignados, e eram pessoas sem compromissos ideológicos”.

O “chefe da Lava Jato”

As mensagens sugerem que houve troca de colaboração entre Moro e a força-tarefa da Lava Jato. De acordo com a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo

“Como um juiz estava colaborando, não às vezes, mas o tempo todo, durante cinco anos, com um dos lados que estava julgando? Em qualquer país democrático ele teria punição, perderia o cargo e seria proibido de exercer o cargo para sempre. Ultrapassou o tempo todo o código de ética. Sempre que ele mandou fazer algo, todos cumpriram. Não conheço ninguém mais subserviente que Deltan Dallagnol. O juiz que diz que você é culpado estava o tempo todo ajudando a construir as acusações que ele estava julgando. Ele era o chefe da Lava Jato”.

O material

O Intercept disse que obteve o material de uma fonte anônima, que procurou a reportagem há um mês. São mensagens privadas e de grupos da força-tarefa.

“Sergio Moro e seus defensores dizem que nosso material não é autêntico, mas ninguém provou alteração dos documentos. Checamos muito tudo, porque sabíamos que se publicássemos algo inverídico poderíamos destruir nossa credibilidade para sempre. A Folha de S.Paulo, que também está publicando, fez a sua própria a investigação e não detectou nenhum indício de adulteração. Eles são autênticos e de interesse público”.

A tática de Moro

O ministro afirma que não houve nenhuma orientação ao Ministério Público, atribui o vazamento a atuação de hackers e questiona a autenticidade do material.

“Se eu tivesse qualquer dúvida sobre a autenticidade dos nossos arquivos, publicaria fora do Brasil. Mas eu estou aqui. E quem está mentindo é Sergio Moro, enquanto não tem evidências usa a tática de enganar, mentir, e essa tática não adianta, só vai manchar a imagem do país. Ele não pode fazer nada para impedir. Se não temos provas, porque os apoiadores de Sergio Moro estão publicando nossos arquivos?”
 

Jornalismo e corrupção

As reportagens também abriram um debate sobre o papel do jornalismo no combate à corrupção.

“O mais importante no jornalismo, nas últimas décadas, baseado em fontes não reveladas e até provas roubadas. As atrocidades durante a Guerra do Vietnam foram denunciadas dessa forma. Nosso papel é informar o público, reportar, fortalecer e não enfraquecer a luta contra a corrupção. E não se pode combater a corrupção tendo um comportamento corrupto. O que estamos fazendo é jornalismo”.   

Mudança de opinião

Há cerca de uma semana os arquivos do The Intercept passaram a ser compartilhados com outros veículos, como Band News e Folha de S.Paulo. O Estado de S.Paulo, jornal apoiador de Sergio Moro, também reagiu.

Convidamos outros jornalistas e veículos de mídia para compartilhar nosso material, se fosse falso porque veículos que sempre apoiaram o governo, agora publicam nossos documentos? O Estado de S.Paulo já pediu a demissão do ministro, o presidente do Senado afirmou que Sergio Moro seria preso se fosse um parlamentar, a revista Veja fez matéria de capa criticando o ministro, Reinaldo Azevedo também está divulgando nossas denúncias”.

Globo

De acordo com Greenwald, o grupo Globo ainda tem mostrado resistência na divulgação do material, optando pela criminalização.

“Só a Globo ainda está ignorando nossos arquivos, o que é irônico porque nos últimos anos vinham divulgando gravações como as que temos. Toda a grande mídia agora quer ter acesso porque reconhece que esse material é muito importante. Existem dois tipos de jornalista: os que têm opinião política e são verdadeiros, trabalham baseados em fatos e evidências e outro, que finge que é neutro”. 

 Lula

Para parte dos deputados que participaram da audiência pública, as reportagens jogariam dúvidas contundentes sobre a imparcialidade na atuação do então Juiz Sérgio Moro e de outros juízes e procuradores, principalmente no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Eu acho, como advogado e cidadão, que para botar alguém na prisão é algo muito pesado, uma atitude muito grave que o Estado pode tomar, privar um cidadão da liberdade. Para colocar alguém na prisão, precisamos de um processo justo comandado por um juiz justo, mas Sergio Moro não foi, nem Dallagnol foi justo. Então, não sei se Lula é culpado ou inocente”.

Ameaças

Depois do vazamento de conversas entre o ministro Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, o jornalista e a família dele começaram a sofrer ameaças. Relatos já foram feitos à Polícia Federal e ao Departamento da Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados.  O jornalista é casado há 14 anos com o deputado David Miranda. O casal tem dois filhos.

 “Meu marido já denunciou que estão usando dados privados sobre nossa família, filhos e casa. Mas considero que existem ameaças mais graves que essas, como Sergio Moro nos chamando de aliados de hackers e dessa forma ele quer ameaçar, intimidar e criminalizar”.

Liberdade de imprensa

Para combater o abuso de poder, Greenwald destacou a importância da imprensa livre, em um estado democrático de direito.

“Todo mundo gosta de defender a liberdade de imprensa, mas é muito raro discutirmos porque isso é importante. E sem transparência, sem imprensa livre, sempre vai haver o abuso do poder como estamos vendo. Aprovamos o princípio da imprensa livre, seja para veículos de direito ou de esquerda, a imprensa brasileira ficar livre”.

FHC, o mais grave

Uma das mensagens entre Sergio  Moro e Deltan Dallagnol fala sobre o tratamento dispensado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no âmbito da Lava Jato.

“Temos muito mais material. Mas, para mim, a revelação mais grave até agora, é a que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não deveria ser investigado porque ele era um aliado político importante. Isso é um crime e é antiético. Não melindrar um aliado, não posso pensar em nada mais corrupto”.

O que vem pela frente e novo aliado

Greenwald foi questionado várias vezes sobre as próximas reportagens. Ele afirma que seria uma fraude e imprudente soltar todo o material de uma vez só.

“Não tenho o direito de guardar informação, isso não é ético. Obviamente se divulgássemos logo todos os arquivos teríamos mais paz, mas não acho que isso é um valor a considerar agora. Estamos trabalhando da forma mais rápida possível para divulgar com responsabilidade. Não importa se Sergio Moro quer isso. Tem que ter interesse público e publicar com responsabilidade. Só posso adiantar que outro veículo da grande imprensa vai se juntar a nós”.

Ego e boas intenções

O jornalista ponderou que os vazamentos não são contra ou a favor de Lula ou Moro, mas a favor da democracia e da justiça brasileira.  

“Acredito que Sergio Moro e Deltan Dallagnol começaram com boas intenções, mas todos nós humanos temos tentações quando não temos limites e podemos abusar do poder. Quando você é sempre elogiado e nunca questionado, acaba achando que isso justifica qualquer meio para justificar o fim. Eu defendi a Lava Jato, mas o fato de Sergio moro ter feito coisas boas não dá o direito de quebrar códigos de ética e agir ilegalmente”.  

Brasil

Greenwald não teme mais ameaças e afirma que fica no país seguindo com a publicação da série de reportagens.

“O Brasil não é um país estrangeiro para mim, é o país do meu marido e da minha família. Em 2013 eu estava no The Guardian e, junto com jornalistas e editores brasileiros criei o The Intercept Brasil. Eu e minha família temos passaporte norte-americano, podemos sair do Brasil a qualquer minuto. Mas estou publicando esses documentos e vou ficar aqui”.

As consequências

O jornalista foi ainda indagado sobre o que pode acontecer com o ministro e o procurador.                        

“As instituições brasileiras é que devem decidir quais as consequências para Sergio Moro e Deltan Dallagnol”.

Cerca de 50 deputados participaram da audiência pública, que durou quase sete horas. O requerimento para realização do debate foi dos deputados Camilo Capiberibe, Carlos Veras, Márcio Jerry e Túlio Gadelha.

Foto: Fernando Frazão /Agência Brasil

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