Quilombolas de Alcântara (MA) entregam carta a Congresso americano para barrar acordo aeroespacial entre Brasil e EUA

Documento denuncia as violações de direitos humanos que ameaçam 800 famílias quilombolas se Acordo de Salvaguarda Tecnológica – AST entrar em vigor. No dia 5/9, Câmara dos Deputados brasileira aprovou urgência para encaminhar Acordo.

por Plataforma Dhesca Brasil / CPT

Um acordo entre os governos de Donald Trump e Jair Bolsonaro pode expulsar centenas de famílias quilombolas de suas terras. Na sexta-feira (13), quilombolas de Alcântara entregaram uma carta ao Congresso americano denunciando o acordo aeroespacial entre Brasil e Estados Unidos, que viola direitos das comunidades garantidos pela Constituição Brasileira e também por tratados internacionais.

O Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA) redigiram carta para alertar parlamentares americanos sobre as violações de direitos humanos que ameaçam milhares de pessoas na região. Entrando em vigor, o Acordo de Salvaguarda Tecnológicas ocasionará a expansão do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) nos territórios das comunidades locais. O documento é assinado por mais de 40 organizações e movimentos sociais, entre os quais está Plataforma Dhesca Brasil, Justiça Global, CONAQ e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. 

“Esta carta é uma tentativa de sensibilizar a sociedade americana a partir dos seus congressistas. No Brasil, raros são os parlamentares e os partidos que se preocupam com a violação de direitos humanos contra os quilombolas de Alcântara, apesar de saberem que isso vai contra a soberania nacional e contra os direitos das comunidades”, afirma Davi Pereira Junior, antropólogo e quilombola de Itamatatiua, uma das 200 comunidades de Alcântara. “É muito nítido que este projeto não segue requisitos obrigatórios estabelecidos pela Constituição Brasileira, e nem por legislações internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”. 

Em março de 2019, o governo brasileiro assinou o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) com os Estados Unidos, que autoriza lançamentos de satélites na base de Alcântara por países que utilizam a tecnologia aeroespacial norte-americana, presente em 80% dos componentes de foguetes e satélites do mundo. No início do mês (5/9), a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para projeto relacionado ao AST.

Desde 2002, o Brasil é signatário da 169ª Convenção da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que determina, entre outros direitos, o direito à consulta e à participação dos povos tradicionais no uso, na gestão — inclusive controle de acesso — e na conservação de seus territórios. Portanto, é dever do estado brasileiro estabelecer o que se chama de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado – CCLPI sempre que medidas afetarem comunidades tradicionais e seus territórios. O procedimento não aconteceu até agora com o Território Quilombola de Alcântara.

A fim de subsidiar este procedimento e dada a iminência de mais violações, as comunidades quilombolas elaboraram o documento base do CCLPI, no qual elencam as condições para realizarem a consulta e apontam as demandas apresentadas pelas 200 comunidades presentes no território. 

Entre diversos impactos, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas implicará na expansão de terras do Centro de Lançamento de Alcântara – CLA, além de autorizar que empresas estrangeiras circulem nas terras das comunidades, alterando, assim, sua rotina e seus modos de vida. Atualmente, em períodos de lançamento de foguetes, o CLA já inviabiliza, por exemplo, a pesca — uma das formas de subsistência das populações locais — por 40 dias e não há qualquer tipo de medida para compensar tais períodos de interdição.

Visibilidade internacional para o caso

As comunidades quilombolas de Alcântara vem mobilizando espaços internacionais para reivindicar a visibilidade que o caso merece. 

Além do apelo aos parlamentares norte-americanos, os quilombolas de Alcântara fizeram uma reclamação formal à Organização Internacional do Trabalho, em maio deste ano, a respeito das violações de direitos humanos praticadas pelo estado brasileiro no território, salientando o descumprimento do postulado pela Convenção 169 do organismo.

Alcântara: Décadas de violações às comunidades quilombolas

O município de Alcântara, no Maranhão, tem 197 comunidades quilombolas em seu território, no qual está localizado também o Centro de Lançamento de Alcântara – CLA, fundado em 1983. Da década de 80, então, com a expropriação de metade das terras quilombolas da região para a construção do CLA, data o início das violações aos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais dessas comunidades cujas terras são protegidas pela Constituição Federal.

Sob a justificativa de ser uma obra de interesse público, o governo tomou uma área de 52 mil hectares para a construção do CLA no início dos anos 80. Cerca de 10 anos depois, em 1991, mais 10 mil hectares foram expropriados, somando assim, 62 mil hectares para o Centro. O CLA, na realidade, só ocupa pouco mais de 8 mil hectares de terra. Ao todo 312 famílias foram forçadas a sair da região e foram reassentadas em agrovilas em terras insuficientes e baixa qualidade.

Em nota técnica, o MABE denuncia que o Centro de Lançamentos de Alcântara funciona há, pelo menos, 38 anos sem licenciamento ambiental. Por não existir Estudo de Impacto Ambiental e nem o seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), os danos causados tanto à saúde das pessoas quanto ao ambiente são desconhecidos.

No mesmo documento, o MABE ainda denuncia que, se o AST entrar em vigor, uma área de 12 mil hectares do litoral de Alcântara será tomada, expulsando mais de 2.100 pessoas de suas terras, o que implicará em deslocamentos de comunidades e, assim, interferências nos modos de vida dessas 800 e demais famílias de outros territórios.

Imagem: Ana Mendes

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