A cultura indígena como porta de entrada da sensibilização

Ricarda Wapichana conta à 350.org Brasil como a imersão da culinária à arte e cultura de cada povo pode construir pontes

Sucena Shkrada Resk, da 350.org no Brasil

Da Amazônia à região Sudeste do Brasil, não importa a região geográfica, diferentes povos indígenas têm uma riqueza cultural que constroi pontes, que levam à defesa da cultura ancestral e do meio ambiente. Esta é a conclusão da jovem Ricarda Wapichana, do Território Indígena Manoá-Serra da lua, em Roraima, que é recém-formada em Pedagogia, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mas sua ligação com a educação indígena vem há muitos anos. 

“Meu principal trabalho, desde mais nova, é com a culinária tradicional indígena, a arte e cultura com grafismos e pinturas realizados com crianças e adultos. É uma forma que tenho de falar de meu povo e dos direitos indígenas e do meio ambiente como um todo”. Um dos resultados dessa sensibilização é a troca de experiências que faz no grupo de cerca de 300 participantes do Coletivo de Mulheres Indígenas do Estado de São Paulo, que congrega diferentes povos do Brasil. “Por eles e por todos (indígenas), nenhum direito a menos”, este é o nosso lema.

Com este propósito, Ricarda Wapichana, foi uma das organizadoras do Encontro de Mulheres Indígenas de São Paulo, no ano passado, que ocorreu na Aldeia do povo guarani, no Jaraguá, reunindo aproximadamente 200 indígenas de diferentes povos, inclusive, da Bolívia. Elas chegaram a realizar uma marcha até o centro da capital paulista. 

“Nós, mulheres indígenas unidas, não tem como nos derrubar. Nossas principais preocupações são direcionadas à demarcação de terras. Nossos parentes em São Paulo foram praticamente engolidos pelas rodovias e outra preocupação é a invisibilidade. Os parentes aldeados ou não aldeados precisam ser respeitados. Todos merecem uma vida sadia. Quem está nas grandes cidades são ‘pássaros’ que sobrevivem bravamente nestas florestas cinzentas. Somos 375 povos e 274 línguas faladas. Nessa diversidade cultural, existem especificidades. Acreditamos em um conhecimento que seja transmitido pelos indígenas, sendo os próprios protagonistas”, destaca Ricarda Wapichana à 350.org Brasil. 

“Será que no futuro, veremos esta natureza só na capa de revistas e em desenhos?”, questiona. Com os incêndios e queimadas que estão destruindo a Amazônia, nossa fauna e flora está morrendo e são essenciais para nossos povos. Tentamos alertar sobre isso, fazendo também o artesanato sustentável. Nós lidamos com a fibra do buriti. Aqui, em São Paulo, o povo guarani utiliza também a taquara, ressaltando que devem ser conservadas”, exemplifica. 

As mudanças climáticas são analisadas com preocupação pela indígena. “Os nossos rios, em Roraima, nunca secavam. O rio Branco, perto de minha aldeia, tem seu leito quase apartado. Virou um córrego. As mudanças climáticas interferem lá. É muito chocante. Os animais começam a morrer. Toda a sociedade é afetada, a gente sem água não consegue sobreviver”, diz. Os Wapichana vivem entre Roraima e a Guiana e hoje são mais de 13 mil indivíduos.

Entre a força da determinação pela defesa dos direitos e a delicadeza na culinária, quem experimenta o “beiju”, com mandioca ralada e tucupi no peixe, preparados pela jovem Wapichana, ingressa na história de seus ancestrais e consegue, de alguma forma, vislumbrar a riqueza ambiental amazônica que defende.

 “Assim é uma forma de também introduzir nossos desafios. A Amazônia ainda é muito romantizada e muitos parentes estão doentes, e precisam de apoio. A sociedade, como um todo, precisa rever a forma de produzir e do manejo da terra”, diz. Uma de suas principais preocupações é com os efeitos de grandes obras, como a BR-174 (Manaus-Boa Vista), na Amazônia, que exercem pressões em diferentes povos, como os Waimiri-Atroari e Yanomami. 

“Cada povo tem sua forma de se organizar na sociedade e isso deve ser respeitado. Na região da Serra da Lua, convivemos com animais e temos uma forma respeitosa de lidar com o meio ambiente, do qual fazemos parte. A Samaúma, por exemplo, é uma árvore sagrada para nós e está em extinção. Nossa luta é por viver em harmonia, sem excluir nenhum povo, nestes tempos de pressões em que estamos”, conclui.

Ricarda Wapichana foi uma das convidadas do Diálogos Envolverde, neste mês, que tratou do tema “Um olhar sobre a Amazônia”.

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