No Conjur
O Instituto dos Advogados Brasileiros repudiou neste sábado (21/12) denúncia contra o presidente da OAB Felipe Santa Cruz e manifestou “apoio irrestrito” ao advogado.
A denúncia contra Santa Cruz foi apresentada pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal nesta quarta-feira (18/12), por crime de calúnia em sua fala sobre o ministro da Justiça, Sergio Moro.
Santa Cruz comentou a operação “spoofing”, da Polícia Federal: “[Moro] usa o cargo, aniquila a independência da Polícia Federal e ainda banca o chefe da quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”.
Além da denúncia por calúnia, o MPF também solicitou o afastamento de Santa Cruz de suas funções no Conselho Federal da OAB como medida cautelar.
O IAB considerou o ato “surpreendente e inédito”, afirmando que faz parte de “outras iniciativas que buscam implantar o estado do terror e do medo, elementos comumente utilizados pelos devotos da tirania, do arbítrio e do desamor contumaz à democracia”.
Leia a nota abaixo:
O Instituto dos Advogados Brasileiros, a mais antiga instituição jurídica defensora das liberdades democráticas no País, tem sido frequentemente compelido a declarar publicamente sua solidariedade e irrestrito apoio ao presidente Felipe Santa Cruz, diante dos sucessivos e orquestrados ataques desferidos contra o Conselho Federal da OAB, decorrentes da sua intransigente atuação em defesa da Constituição e dos direitos humanos, civis, políticos e sociais nela amparados.
Surpreendente e inédito é o pedido de afastamento de Felipe Santa Cruz da presidência da OAB, expresso na estapafúrdia denúncia apresentada por membro da Procuradoria-Geral da República. À pretensão somam-se, ainda, outras iniciativas que buscam implantar o estado do terror e do medo, elementos comumente utilizados pelos devotos da tirania, do arbítrio e do desamor contumaz à democracia.
A denúncia da PGR tenta transmudar uma manifestação crítica do presidente da OAB, no exercício de suas funções legais e estatutárias (art. 44 da Lei 8.906/94), numa conduta pretensamente criminosa (crime de calúnia).
Fato é que a crítica se referia ao comportamento do ministro da Justiça e Segurança Pública, que acenou com a possibilidade de destruição de provas produzidas em inquérito policial instaurado no curso da “Operação Spoofing”, ferindo de morte o princípio constitucional do respeito ao devido processo legal. A operação policial buscava desmantelar uma suposta “organização criminosa de hackers disposta, segundo os agentes policiais, a invadir aplicativos de autoridades públicas, entre elas, o do próprio ministro.
O intuito de destruição de provas pelo ministro gerou, naquela ocasião, questionamentos não só do presidente Felipe, mas de inúmeros e expressivos segmentos da comunidade jurídica do País. Por sua vez, evidenciada a real possibilidade de concretização da medida (intimidação sutil das autoridades hackeadas e descumprimento dos preceitos processuais penais), foi deferida medida liminar pelo ministro do STF Luiz Fux, impedindo taxativamente a destruição das mensagens como elementos de prova.
Comportamentos parciais, atípicos e comprometedores por parte das autoridades públicas ficam estampados na sucessão de atos e de outras medidas do mesmo jaez. A pretensão deduzida pelo presidente da República à Procuradoria-Geral da República (PGR), no sentido de promover a investigação do presidente Felipe Santa Cruz por prática de supostos crimes de calúnia, injúria e difamação, decorreu, por exemplo, do seu requerimento de providências dirigido ao STF, em razão de declarações sobre a morte de seu pai, Fernando Santa Cruz, durante o período da ditadura militar.
Advogados criminalistas explicam que, quando o ânimo é de criticar, narrar ou relatar, não há a configuração do crime contra a honra. Os constitucionalistas, quando abordam o teor da inepta denúncia oferecida pela PGR e o esdrúxulo pedido cautelar de imediato afastamento do presidente de seu cargo e funções na OAB Nacional, destacam várias violações ao texto constitucional, como atentar contra o estado democrático de direito (art. 1º); constituir-se em perseguição pessoal ferindo o princípio da impessoalidade (art. 37, caput), entre outras.
Dizer que alguém “banca” o chefe de quadrilha é uma alegoria retórica evidente, cuja contundência é inconfundível com a literal imputação falsa de prática de conduta criminosa.
Não obstante, é absolutamente inimaginável e sem precedentes históricos, até mesmo nos amargos períodos ditatoriais, que um membro do Ministério Público aja sem qualquer pudor, prudência ou senso dos limites que lhe são impostos pela legislação e pela Constituição, quando procura atribuir aos pertinentes questionamentos do presidente da OAB o cometimento de crime, inserindo na denúncia pedido cautelar para emissão de ordem judicial de imediato afastamento do cargo.
Diante desse quadro de comportamento surreal por parte de agentes da administração pública, membros do Ministério Público e ministros de Estado, a “subida do tom” nas críticas é perfeitamente natural. Não estamos tratando de um simples desentendimento ocasional. Estamos tratando das garantias, princípios e direitos fundamentais conferidos à cidadania, previstos na CF, resguardando-os de atos de ódio, vingança e de retaliação por quem quer que seja. O presidente Felipe, portanto, tem o dever institucional de defender, em nome da OAB Federal, o estado democrático de direito.
Salta aos olhos que existe na denúncia uma indesejável e inaceitável motivação política, bem como a tentativa tosca de denegrir e desgastar a imagem do presidente da OAB, e com isto arrastar a opinião pública a se voltar contra uma instituição da sociedade civil historicamente imprescindível à construção e à defesa da democracia, exatamente num momento em que a OAB obtém excelente avaliação da sociedade, principalmente no quesito da confiabilidade. Essa situação fica muito bem gizada quando o procurador da República tenta confundir a figura do presidente, como representante e defensor intransigente da lei e da Constituição Federal, com a de um ofensivo militante político.Os agentes do governo estão indo longe demais. Ultrapassam os limites da Constituição, para tentar calar os que se posicionam politicamente em defesa da democracia e do Direito. Buscam testar, em cada movimento, a capacidade de reação e de resistência dos democratas. O alvo não é somente Felipe Santa Cruz, é a advocacia e a sociedade brasileira.
O momento é de tal forma grave que está por exigir do IAB, como centenária casa de cultura e educação jurídica que reúne notáveis e talentosos juristas brasileiros, uma manifestação que não só expresse a imprescindível solidariedade da classe ao presidente do CFOAB, mas a nossa indignação e vergonha.
Deve ser dito que o jogo político está ficando extremamente perigoso.
A sociedade brasileira infelizmente tolerou, nos últimos anos, que instituições do Estado fossem utilizadas como instrumento de criminalização, perseguição e até mesmo de disseminação de ódio. A politização da justiça tornou-se o modo operacional para atacar personalidades políticas que incomodam os que acreditam serem os “donos do poder”. O fenômeno não é novo. Vitor Nunes Leal dizia que as instituições estatais acabam sendo manobradas para perseguir os que se insurgem contra os abusos, contra o autoritarismo e, acima de tudo, os que lutam por justiça.
A necessária serenidade nas manifestações em defesa da democracia não pode se confundir com timidez na adoção de medidas proativas em defesa das liberdades e dos valores democráticos.
O IAB, fiel à sua vocação institucional, seguirá apoiando a OAB e o presidente Felipe Santa Cruz, convidando a advocacia brasileira a participar conosco desta luta”.
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Ilustração: Justificando