No caso Erisvan Guajajara, Polícia do Maranhão prende inocentes, acusa adolescente e não mostra provas

O homem que morreu junto com o jovem indígena “furtou galinhas”, diz delegacia. Portanto, não foi o tráfico de drogas o motivo das mortes. A fotografia é do sepultamento de Erisvan na Terra Indígena Arariboia (Foto cedida pela família)

Por Kátia Brasil, no Amazônia Real

Manaus (AM) – Há 11 dias a Polícia Civil do Maranhão se esforça para dar um esclarecimento à sociedade sobre a morte de Erisvan Soares Guajajara, de 15 anos. Seria o primeiro assassinato elucidado de um dos quatro indígenas da etnia mortos em menos de dois meses no sudoeste do estado. Neste período, um policial militar acusou o indígena de suposto envolvimento com o tráfico de drogas e descartou crime de ódio ou conflito territorial para seu assassinato. O mesmo militar prendeu quatro homens,  que foram fotografados e apresentados à imprensa, como sendo os suspeitos da morte do jovem, mas agora seriam inocentes. No fim de semana, a Delegacia Regional de Imperatriz anunciou que apreendeu um adolescente e diz que ele confessou ter matado Erisvan, mas suspeita que o garoto não estava sozinho na cena do crime.

O motivo para o adolescente ter matado o indígena, segundo a polícia, é que Erisvan Guajajara presenciou o assassinato de José Roberto do Nascimento Silva, de 23 anos. Portanto, seria a execução da testemunha, mas não foi apresentada a arma usada no crime e não foi divulgado o laudo do Instituto Médico Legal (IML). Todas as perguntas enviadas pela reportagem ao Governo do Maranhão sobre o adolescente não foram respondidas até o momento.

Para a família o motivo da morte de Erisvan foi o ódio. “Cortaram ele no rosto, na garganta e deram um tiro nas costas. Ele está todo batido. Isso nunca aconteceu antes em Amarante. Queremos que as autoridades vejam isso”, afirmou o irmão do indígena, Luiz Carlos Guajajara, 32 anos, em entrevista à Amazônia Real.

A polícia não confirma se houve disparo de arma de fogo contra o indígena. Conforme as investigações, os corpos de Erisvan Soares Guajajara e José Roberto do Nascimento Silva foram encontrados com requinte de crueldade: “com sinais de mutilação, provocados provavelmente, por arma branca”, na manhã do dia 13 de dezembro, próximo ao campo de futebol do bairro Vila Industrial, do município de Amarante do Maranhão, distante a 40 quilômetros da Terra Indígena Arariboia.

No sábado (21), a Polícia Civil informou à imprensa que apreendeu um adolescente e que ele confessou ter matado Erisvan Soares Guajajara,  segundo o site G1 Maranhão. “Pelas circunstâncias do fato há motivos para acreditar que pode ter um segundo envolvido”, disse o delegado Erich Gomes, da Delegacia em Imperatriz.

A polícia não informou a idade do adolescente, se ele é indígena ou não. Mas anunciou que o motivo não é o tráfico de drogas, como a Polícia Militar havia anunciado antes, e sim uma discussão desse menino com José Roberto. “Erisvan Guajajara teria presenciado o crime e por isso, também foi morto”, disse à polícia. “O adolescente está internado na unidade da Fundação da Criança e do Adolescente (Funac), em Imperatriz”.

Na entrevista à reportagem, o lavrador Luiz Carlos Guajajara clamou por Justiça. Ele disse que a família soube nesta segunda-feira (23) do suposto envolvimento do adolescente na morte do irmão, mas acredita que outras pessoas participaram do crime.  “Nós estamos esperando a investigação encontrar a pessoa ou as pessoas certas, porque não podem deixar suspeitos soltos. Quem matou merece pagar o que fez”, disse.

Para Luiz Carlos Guajajara, o que aconteceu com Erisvan foi “uma tragédia na nossa família”. “Arrancaram um pedaço do nosso coração. A gente sente essa dor, parece que o mundo vai se acabar. Toda família sente isso”, disse ele, sobre a repercussão da morte do jovem na Terra Indígena Arariboia.

Erisvan é o quarto indígena Guajajara assassinado na região em menos de dois meses. Paulo Paulino Guajajara, Guardião da Floresta, também da Terra Indígena Arariboia, foi morto em uma emboscada de madeireiros no dia 1º de novembro. Os caciques Raimundo Benício Guajajara e Firmino Prexede Guajajara foram atacados a tiros, em 7 de dezembro, na rodovia BR-226 no trecho próximo à Terra Indígena Cana Brava.

Homens da Força Nacional de Segurança foram enviados à região, mas o ministro da Justiça Sérgio Moro não autorizou a segurança na TI Arariboia, deixando este território mais vulnerável em relação à segurança das lideranças. A Polícia Federal, que investiga as mortes de Paulino, Raimundo e Firmino, não apresentou até o momento os autores dos assassinatos.

Após as mortes dos caciques Raimundo e Firmino, populares da região dispararam nas redes sociais, no dia 8 de dezembro, mensagens de ódio contra as lideranças indígenas Guajajara da Terra Indígena Cana Brava, entre os municípios de Barra do Corda e Grajaú, no oeste do Maranhão.

“O Bolsonaro era para soltar o Exército no meio da mata, umas 50 carradas da PM, Civil, Exército, para matar tudo quanto era índio. Não era para ter nenhum índio da face da terra. Era para matar tudo”, diz uma voz masculina, sem se identificar. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal do Maranhão.  (Ouça os áudios aqui)

Acusações do tenente

Ao iniciar as investigações em Amarante do Maranhão no dia 13 de dezembro, o comandante do 34º Batalhão da Polícia Militar tenente-coronel Jorge Araújo Junior disse que suspeitava que o tráfico de drogas seria a motivação das mortes de Erisvan e José Roberto. O militar descartou o crime de ódio, a disputa por madeira ou por terras como prováveis causas dos assassinatos. Com essa declaração, tanto a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, como a Superintendência da Polícia Federal no Maranhão seguiram o mesmo caminho para a motivação do assassinato de Erisvan Soares Guajajara.

A família de Erisvan rebateu as acusações do militar. Segundo Célia Soares Guajajara, seu irmão foi visto pela última vez por volta das 21h do dia 12 de dezembro quando saiu da casa de Luiz Carlos para ir numa festa no Clube Flamboeira. “Algumas pessoas disseram que ele estava andando num carro, mas não sabemos de quem é esse carro”, disse ela à reportagem. “A polícia não procurou saber que carro foi esse”, completou.

Segundo Luiz Carlos Guajajara, Erisvan morava em sua casa havia três anos, depois que o pai Luizinho se separou da mãe, Lucélia Soares Guajajara. “Mora eu, minha esposa e mais meu pai, que é largado (separado da mãe). Está com uns três anos que meu pai e ele moram comigo”, disse.

Ao descrever como era o adolescente Erisvan, Luiz descarta o envolvimento dele com o tráfico de drogas. “O meu irmão era do jeito dele. Sou uma pessoa que dava conselho, chamava ele para ir na igreja. Somos evangélicos, e ele não. Ele era um solteiro, sabe como é a vida é. Ele era alto, mas não era muito adulto”. Luiz contou também que o único documento que Erisvan tinha era a certidão do nascimento e não gostava de tirar fotografias.  

Sobre as informações da PM de que Erisvan praticava “furtos”, Luiz refuta. “Essa notícia, quando vi o policial falando essa informação, eu fiquei triste. Ele levantou uma suspeita de uma pessoa sem provas. Minha família, meus pais, meus irmãos estão tristes. Essa situação é mentira, isso daí são coisas que não podiam ter feito isso. Se tivesse acontecido com a família [do policial], eles também não achariam bom”.

Expondo os suspeitos

No dia 14 de dezembro, o comandante do 34º Batalhão da Polícia Militar em Amarante do Maranhão, tenente-coronel Jorge Araújo Junior disse à imprensa que prendeu quatro homens suspeitos dos crimes e que suspeitava que eles tinham “ligação com desavenças das vítimas (Erisvan e José Roberto) com outros criminosos”.

Os quatro homens foram conduzidos para interrogatório na Delegacia Regional de Imperatriz. Eles tiveram seus nomes e fotografias divulgados amplamente pela polícia em jornais e sites de notícias do país. Depois desses fatos, o tenente-coronel Jorge Araújo Junior não atendeu as ligações da reportagem.

Ao ser questionada pela agência Amazônia Real sobre a versão dos quatro acusados do crime e em qual presídio eles estavam, a Polícia Civil do Maranhão respondeu na quarta-feira (18): “eles estão em liberdade, uma vez que, até a presente data, não há acusação formal contra eles”. A assessoria de imprensa não informou a data na qual os quatro homens foram soltos e se eles são considerados inocentes.

“Ladrão de galinha”

Amazônia Real também enviou perguntas à Polícia Civil do Maranhão sobre qual crime o adolescente Erisvan Guajajara era acusado, como informou a Polícia Miliar. A secretaria respondeu apenas sobre a situação judicial de José Roberto, dizendo que ele “furtou galinhas”.

“A Polícia Civil esclarece haver interrogatório formal, na Delegacia de Amarante do Maranhão, no qual José Roberto do Nascimento Silva confessou a prática de furto de galinhas”.

Em outro ponto da nota, a Polícia Civil reiterou que o inquérito sobre as mortes de Erisvan Guajajara e José Roberto ainda não foi concluído e a investigação segue em andamento. Destacou que a Delegacia de Amarante do Maranhão, responsável pelo inquérito, ainda não recebeu o laudo do IML.

A reportagem procurou ao IML de Imperatriz, que informou que o laudo já foi emitido, mas não poderia divulgá-lo à imprensa.

Família insiste em ameaças

O irmão de Erisvan, o lavrador Luiz Carlos Guajajara, revela que o jovem escapou da morte em 2016. “Ele falava para mim (sobre ameaças). Eu falava para ele não andar na rua fora de hora. O povo fala que estão perseguindo ele. O povo ameaçava ele de morte. Tentaram matar uma vez ele. Bateram nele e deixaram todo roxo, está com bem dois anos, ele tinha 13 anos. Nesse tempo a gente não sabia o direito que a gente tinha de direitos, aí não procuramos a autoridade”.

Luiz afirmou que agora os Guajajara não vão ficar de braços cruzados e querem justiça.  “Onde estiverem essas pessoas que fizeram isso com ele, vão ter que pagar o que fizeram. Deus me perdoe dizer isso, mas não vão trazer mais o nosso irmão”. 

Em relação às ameaças contra Erisvan, a Polícia Civil do Maranhão disse que “não há registro de ocorrência desta natureza (ameaça de morte) ”. “A família do índio vítima do homicídio não compareceu à delegacia para registrar a ocorrência em questão”, informou uma nota enviada à reportagem.

Segundo Luiz Guajajara, a morte de Erisvan atingiu todos da TI Arariboia, que já estavam em luto pela morte do primo, Paulo Paulino. “Tem que ter justiça esses acontecimentos. A terra indígena é toda a nossa família. Todos nós temos o direito de saber e correr atrás da verdade. Toda nação tem, todo branco tem, todo Guajajara tem”.

Direitos Humanos

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) divulgou que o assessor jurídico da instituição, Luiz Eloy Terena, elabora uma ação cautelar contra o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O documento irá listar as providências necessárias para garantir a segurança dos territórios indígenas no estado do Maranhão.

“Os assassinatos são reflexo de tensões étnicas antigas, e da omissão do governo em garantir a segurança dessas regiões: as TIs são território da União, mas o governo falha em fiscalizá-las. Os indígenas estão defendendo, com suas próprias vidas, um bem público”, afirma a APIB. (Colaborou Izabel Santos)

Sepultamento de Erisvan na Terra Indígena Arariboia. Foto cedida pela família

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