Seis pontos que reafirmam o lugar de Paulo Freire na educação

O educador pernambucano segue sendo alvo de ataques pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro Abraham Weintraub

Por Ana Luiza Basilio, na Carta Capital

Entra ano, sai ano e o educador Paulo Freire segue sob ataque de integrantes do governo Bolsonaro. Ao longo de 2019, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da educação Abraham Weintraub vincularam inúmeras vezes a baixa qualidade da educação brasileira ao pernambucano, e se esforçaram (muito!) em manchar a memória do educador. “Energúmeno” e “vodu, sem comprovação científica” são apenas alguns dos baixos predicados atrelados ao educador pela dupla bolsonarista.

Mentiras à parte, Freire segue com seu legado intacto e suas ideias seguem inspirando estudantes, professores e toda a comunidade educacional ao redor do mundo. Todos entendem a educação como política, não a partidária, mas aquela que emancipa e é capaz de formar cidadãos cientes de seus direitos e capazes de fazer uma leitura crítica do mundo. Para celebrar Paulo Freire, selecionamos alguns pontos da trajetória do educador que o solidificam como pensador que, de fato, contribuiu para a educação. Confira:

1. Alfabetização em Angicos (RN)

Em 1963, Paulo Freire supervisionou um trabalho de alfabetização de adultos na pequena cidade de Angicos, na região central do Rio Grande do Norte, a 170 km de Natal. Inédita no Brasil, a experiência tinha a ousada meta de alfabetizar cerca de 300 angicanos em 40 horas. Os estudantes eram, em maioria, trabalhadores rurais analfabetos e sem acesso à escola. Deu certo e a iniciativa ficou conhecida como “40 Horas de Angicos”.

Mais do que o letramento, o educador despertava nos estudantes o senso crítico, a partir das experiências de vida que tinham. Em vez de alfabetizar por meio de cartilhas e ensinar, por exemplo, “o boi baba” e “vovó viu a uva”, ele trabalhava as chamadas “palavras geradoras” a partir da realidade do cidadão. Por exemplo, um trabalhador de fábrica podia aprender “tijolo”, “cimento”, um agricultor aprenderia “cana”, “enxada”, “terra”, “colheita” etc.

O aprendizado se dava em três etapas. Na primeira, a da investigação, o educador levantava um universo vocabular com base na vida e na sociedade ao qual pertencia o aluno. Na segunda, a de tematização, os estudantes codificavam e decodificavam esses temas, buscando o seu significado social, tomando assim consciência do mundo vivido. Por fim, ocorria a fase da problematização, quando os estudantes buscavam superar uma primeira visão mágica por uma visão crítica do mundo, partindo para a transformação do contexto vivido.

2. Patrono da educação brasileira

Freire passou a ser reconhecido como patrono da educação brasileira em 2012, pela lei 12.612, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. A homenagem foi proposta pela deputada federal Luiza Erundina, que, quando prefeita de São Paulo (1989-1993), o nomeou secretário de Educação. “O título de Freire como patrono da educação é para nós, brasileiros, uma forma de homenagearmos o grande educador, mestre que foi. Ele não precisava de título para oferecer ao mundo o que fez”, declarou Erundina à CartaCapital.

3. Secretário de Educação em São Paulo

Paulo Freire foi Secretário de Educação em São Paulo durante o governo de Luiza Erundina, de 1989 a 1992. Na cidade, ajudou a construir uma política de educação marcante, com legados memoráveis como o Estatuto do Magistério, importante não só aos docentes como a todos os profissionais da educação.

“Foi a fase que a política de educação na cidade de São Paulo mais avançou, nos índices de aprovação, na redução dos índices de desistência e de qualidade reconhecida não só internamente no País, mas fora. Há estudos e análises da experiência de educação de Paulo Freire em São Paulo em teses de doutorado, pós doutorado…”, lembrou a ex-prefeita.

4. Construção de organizações e movimentos de massa

Paulo Freire influenciou diversas organizações e movimentos sociais, caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A ideia de uma educação feita com base na vivência das pessoas influenciou positivamente o movimento, que passou a repensar o tipo de abordagem educacional ofertada. O educador ainda mostrou que era preciso reconhecer a trajetória das crianças dos movimentos sociais, protegendo-as de estigmas que criminalizavam sua existência.

5. Reconhecimento por suas obras dentro e fora do país

Paulo Freire foi agraciado com 48 títulos, entre doutorados honoris causa e outras honrarias de universidades e organizações brasileiras e do exterior. É considerado o brasileiro com mais títulos de doutorados honoris causa e é o escritor da terceira obra mais citada em trabalhos de ciências humanas do mundo, Pedagogia do Oprimido. O educador é estudado em universidades americanas, homenageado com escultura na Suécia, nome de centro de estudos na Finlândia e inspiração para cientistas em Kosovo.

6. Autor de obras importantes, como Pedagogia do Oprimido

Publicada há 51 anos, Pedagogia do Oprimido continua sendo o principal marco do pensamento freiriano, condensando boa parte das ideias do educador.  O livro propõe uma pedagogia dialógica como base de uma nova forma de relacionamento entre professor, estudante, e sociedade, ao passo que critica os pressupostos da educação bancária como instrumento de opressão. Segundo um levantamento do pesquisador Elliott Green, professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, na Inglaterra, o livro é o terceiro mais citado em trabalhos acadêmicos na área de humanidades em todo o mundo.

Em “Educação como Prática de Liberdade” (1967), Freire fala sobre a palavra como instrumento de transformação do homem e da sociedade. Ele reforça o papel da escola de ensinar o aluno a ler o mundo e nele intervir positivamente. Na obra Pedagogia da Autonomia (1996), o educador reforça os princípios da ética, do respeito à dignidade e do estímulo à autonomia dos estudantes como base para uma educação emancipadora.

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