Risco de despejo atinge cerca de 200 famílias que vivem há cerca de 20 anos no complexo de Fazendas Cajati, em Cascavel
Por Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Na mesma cidade que marca a origem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), famílias acampadas fazem mobilização inédita em defesa das terras onde vivem e produzem há cerca de duas décadas. Em Cascavel, região Oeste do Paraná, cerca de 300 agricultoras e agricultores Sem Terra deram início, neste sábado (28), à “Vigília Resistência Camponesa: por terra, vida e dignidade”, para denunciar as ameaças de despejos autorizados pelo governador Ratinho Junior (PSD). A ação ocorre às margens da rodovia BR 277, km 557, onde fica o acampamento Resistência Camponesa.
As três principais comunidades ameaçadas de despejo são Resistência Camponesa, Dorcelina Folador e 1º de Agosto, todas localizadas em Cascavel, no complexo de fazendas Cajati. Ao todo são 213 famílias, cerca de 800 pessoas, sendo 250 crianças e 80 idosos.
A atividade busca denunciar o “desgoverno do Ratinho, que é contra a reforma agrária”, conforme explica Angela Lisboa Gonçalves, integrante da direção do acampamento Resistência Camponesa. “Aqui é o lugar onde produzimos a vida e o alimento, é onde trabalhamos. Se tirar a terra da gente, além da nossa moradia, vão tirar o nosso trabalho e a nossa vida digna. Estamos denunciando isso e essa é uma Vigília de resistência”, enfatiza, garantindo que a ação só terminará quando a área for desapropriada e destinada à reforma agrária.
A Vigília será mantida entre as 10h e as 15h, com revezamento de camponesas e camponeses moradores de acampamentos e assentamentos da região. As famílias acampadas cobram o fim da violência e dos despejos no campo, querem continuar o desenvolvimento de suas comunidades camponesas e o apoio do Estado para a efetivação da reforma agrária, prevista na Constituição Federal de 1988.
Ireno Prochnow, da direção estadual do MST, apresenta a ação como um compromisso estadual e nacional do Movimento, que em janeiro completa 36 anos. “Se essa organização foi fundada aqui em Cascavel, é aqui que nós precisamos dizer que vamos enfrentar aquilo que eles quiserem. Vamos defender aquilo que é nosso”, afirmou.
Apoio religioso e político
Luiz Carlos Gabas, reverendo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, esteve no ato e enviou uma mensagem direta ao governador: “Nós apelamos para o governador Ratinho, para o governo do Estado, para que preste atenção na vida desses nossos irmão e irmãs, e dê a essas famílias acampadas o direito de acesso à terra. Reforma agrária é necessária e deve acontecer. Que o governo não dê privilégio aos ricos, mas que tenha um olhar para as pessoas pobres que moram neste Estado”. Para o religioso, o maior símbolo de resistência do país é a luta pela reforma agrária feita pelo MST.
Para o historiador Paulo Porto (PCdoB), vereador de Cascavel, a reforma agrária não se resolve com despejo: “Hoje vocês estão se organizando para dar um basta à violência do governo de Ratinho Junior, que lamentavelmente segue a mesma lógica do governo de Bolsonaro em nível federal. Já foram mais de 500 famílias despejadas e a luta agora é por nenhuma a mais. Vim aqui para prestar apoio e falar que vocês não estão sozinhos”.
Outra dezena de religiosos, militantes de movimentos sociais, partidos e sindicatos participaram do ato de abertura da Vigília, entre eles o padre Diego Pelizzari; a presidenta do Partido dos Trabalhadores de Cascavel, Glades Rossi; a professora Liliam Faria Porto Borges, presidente do Sindicato de Docentes da Unioeste (Adunioeste). Também estavam presentes agricultores e agricultoras assentadas e acampadas na região.
Direitos das crianças
Despejar essas famílias resultaria em um impacto psicológico muito negativo para as mais de 250 crianças moradoras das comunidades. É o que afirma Vera Lucia Marcondes, professora da Escola Municipal Zumbi dos Palmares, do Assentamento Valmir Mota. “Além da criança perder o seu lugar de viver, a sua casa, a sua morada, ela perde o seu lugar de brincar, os seus brinquedos, os seus animais de estimação, pois dificilmente eles vão ter como levar esses animais. Eles perdem também a sua escola, os seus amigos que estudavam, não sabem onde vão estudar”.
A professora conta que dois terços dos 146 educandos da escola municipal do Assentamento vêm das comunidades ameaçadas de despejo. Caso ele aconteça, a escola sofrerá um esvaziamento pela mudança forçada das crianças.
Contexto estadual dos conflitos agrários
Ratinho Junior autorizou nove despejos entre maio a dezembro de 2019, durante seu primeiro ano à frente do governo do Paraná. Ao todo, cerca de 500 famílias tiveram suas casas e produções destruídas, sem qualquer abertura para diálogo por parte das forças policiais. Desde o começo do ano as comunidades sofrem com sobrevoos de aeronaves e drones, uso de bala de borracha e bombas de efeito moral, que causam temor, especialmente às crianças.
A falta de diálogo, a violência crescente e os despejos ilegais, têm causado inquietação nas cerca de 7 mil famílias que vivem em acampamentos em todo o Paraná. São cerca de 80 ocupações, todas elas em áreas declaradas improdutivas, áreas confiscadas do tráfico de drogas, denunciadas por trabalho escravo ou de grandes sonegadores de impostos.
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Vigília acontece ao longo do dia, com revezamento entre as famílias. Foto: Diangela Menegazzi / MST