Convite a repensar a Educação. Por George Monbiot

Há séculos, ensino ocidental prepara para competir, quando precisamos de cooperação; e privilegia saberes que nos distanciam da natureza, o que é alienante e trágico. Agora, a paralisação das aulas pode estimular uma mudança profunda

Tradução de Antonio Martins, em Outras Palavras

Imagine mencionar William Shakespeare para um estudante universitário e descobrir que ele nunca ouviu falar a respeito. Você não acreditaria. Mas é comum e aceitável não saber o que é um artrópode, um vertebrado, ou ser incapaz de explicar a diferença entre um inseto e uma aranha. Ninguém fica embaçado quando uma pessoa “bem formada” não pode oferecer nem uma explicação primária sobre o efeito-estufa, o ciclo do carbono ou o da água, ou sobre como se formam os solos.

Todo este conhecimento é básico, assim como saber que Shakespeare foi um dramaturgo. Mas a ignorância sobre temas terrenos parece às vezes passar como um signo de sofisticação. Amo Shakespeare, e acredito que o mundo seria mais pobre a mais triste sem ele. Mas sobreviveríamos. Os temas a respeito dos quais a maior parte das pessoas permanece ignorante são, ao contrário, assuntos de vida e morte.

Não culpo ninguém por não saber. É uma falha coletiva: um lapso gravíssimo na Educação, concebida para um mundo em que não vivemos mais. A forma como somos educados nos engana sobre quem somos e onde pisamos. A Economia ortodoxa, por exemplo, coloca a humanidade no centro da universo, e os limites do mundo natural ou são invisíveis, ou marginais, para os modelos.

Numa época em que precisamos urgentemente cooperar, somos educados para o sucesso individual contra os outros. Os governos nos dizem que o propósito da Educação é passar à frente dos demais, ou, coletivamente, das outras nações. O sucesso das universidades é medido, em parte, pelos salários iniciais de seus graduados. Mas ninguém vence a corrida humana. O que somos induzidos a ver como sucesso econômico equivale à ruína do planeta.

Um número cada vez maior de pessoas rejeita, agora, esta abordagem sobre o ensino e sobre a vida. Uma pesquisa divulgada esta semana sugere que, na Inglaterra, seis entre cada dez pessoas gostariam que o governo priorizasse a Saúde e o Bem-Estar, em vez do Crescimento, quando superarmos as pandemia. Este é um dos resultados mais animadores de que tive notícia, nos últimos anos.

Penso que a Educação deveria abrir-se para fora, se quiser voltar-se para nossos principais desafios e objetivos. Não significa que possamos esquecer Shakespeare, ou abandonara as especulações sobre arte e cultura, mas que os temas cruciais para nossa sobrevivência precisam receber o peso merecido. Durante a quarentena, tenho feito algo com o que sonhei, por muito tempo: viver uma educação ecológica.

Não posso dizer que tenha sido fácil, ou que tudo tenha ido bem. Como milhões de pais já descobriram, há uma razão para que as pessoas passem por anos de educação especializada e treinamento, antes de se tornarem professores. Persuadir os filhos para que nos vejam num momento como pai e no instante seguinte como professor é um enorme desafio. Mas, ao trabalhar com crianças de oito e nove anos (minha filha mais nova e seu melhor amigo), comecei a descobrir que meu sonho não é inteiramente ridículo.

Não me refiro a ensinar ecologia como um tema isolado, mas sobre algo mais fundamental: colocar o ambiente e os sistemas da Terra no centro do aprendizado – assim como eles já estão no centro da vida. Fizemos um experimento com aprendizado a partir de projetos, tendo como centro o mundo vivo. Começamos construindo uma pintura gigante, composta de 15 painéis de formato A4. Cada um deles introduz um habitat distinto – dos cumes de montanhas ao oceano mais profundo e à cobertura florestal do solo, sobre os quais espetamos fotos de vida selvagem.

A pintura torna-se uma plataforma para explorar os processos e relações em cada ecossistema e as que atravessam o sistema terrestre como um todo. Estas, por sua vez, são chaves que abrem outras portas Por exemplo, a ecologia das florestas tropicais conduz à fotossíntese, que conduz à química orgânica, aos átomos e moléculas, ao ciclo do carbono, aos combustíveis fósseis, à energia e eletricidade. As lontras marinhas conduzem às cadeias alimentares, às espécies cruciais a seus ecossistemas e aos desequilíbrios ecológicos.

Fizemos algum trabalho de campo sobre a ecologia dos solos, um tema extraordinário porém negligenciado, do qual toda a vida humana depende. È possível estudá-lo num quintal ou num parque. Ele abre as portas para princípios científicos básicos e design experimental, e conduz a vários aspectos de matemática e redação de textos.

Estamos agora construindo um cenário-modelo, para simular o ciclo da água, a dinâmica dos rios, a estratigrafia [estudo geológico das camadas de rochas], a erosão, a formação dos solos e os gradientes de temperatura. Estou deixando que, tanto quanto possível, as crianças dirijam o processo. Mas, devido á natureza circular dos sistemas terrestres, não importa de onde você comece: ao fim, você percorrerá todo o caminho. Como em muitas ocasiões anteriores, surpreendo-me pela afinidade natural entre a infância e o mundo vivo. As histórias que ele conta são fascinantes por si mesmas.

Não há nada de radical sobre o que estamos aprendendo. É uma questão de ênfase, mais que de conteúdo – de colocar no centro o que é mais importante. Talvez agora, em face da pandemia, tenhamos a oportunidade de repensar toda a base da Educação. Como autoridades locais já apontaram, em países como a Escócia, o aprendizado em áreas abertas pode ser a melhor forma de retomar as atividades educacionais, por permitir distanciamento físico. Ele conduz por si mesmo a um novo envolvimento com a natureza. Mas, apesar de anos de pesquisa demonstraram seus muitos benefícios, o financiamento para a educação em áreas abertas e o aprendizado peripatético é quase nulo.

É hora de um Grande Reset. Vamos usá-lo para um novo olhar sobre nós mesmos e nosso lugar na Terra. O conservacionista Aldo Leopold escreveu que “uma descobertas penosas de uma educação ecológica é que vivemos sozinhos num mundo ferido. Muitos dos danos infligidos à natureza são invisíveis para os leigos”. Mas se todos tiverem acesso à educação ecológica, não viveremos sozinhos, e este não será um mundo ferido.

O painel de Monbiot e crianças. Reprodução Twitter

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