Diferentemente do que ocorria há um mês, quando quase todos os surtos se originaram em festas ou reuniões familiares, agora não há um padrão claro
Por Elena G. Sevillano, El País Brasil
Reuniões de amigos, reencontros familiares, asilos de idosos, hospitais, empresas agrícolas, frigoríficos e casos importados. Há uma dúzia de surtos de covid-19 ativos na Espanha, e eles não seguem um padrão. O coronavírus continua por aí e se aproveita de qualquer oportunidade para voltar a infectar. As sociedades médicas não estão vendo por enquanto nada que saia do roteiro previsto: sabiam que haveria surtos, e o crucial, dizem, é controlá-los a tempo. Mas mostram preocupação por certo relaxamento das medidas de prevenção por parte da população, que podem levar a um novo descontrole da epidemia.
Estes surtos se refletem nos dados epidemiológicos. O relatório desta quarta-feira do Ministério da Saúde mostra o maior número de novos positivos em três semanas: 196, sem somar os de Castela-La Mancha, que não puderam ser divulgados por problemas técnicos. É preciso recuar a 3 de junho para encontrar uma cifra pior: 219. Embora Madri, onde não se registrou nenhum foco, seja a região que mais notifica (50), foi em Aragão (49) que houve o maior repique, obrigando inclusive quatro comarcas da província de Huesca a retrocederem nos planos de reabertura.
“Os surtos são esperados sempre que forem controlados e limitados, algo que depende dos sistemas de saúde pública”, diz Rafael Manuel Ortí Lucas, presidente da Sociedade Espanhola de Medicina Preventiva, Saúde Pública e Higiene. “O que nos preocupa é que escape à comunidade por meio de festas, reuniões noturnas, eventos, agrupamentos sociais em bairros ou ambientes de veraneio, e não seja detectado pelos serviços de saúde pública, que estarão debilitados por causa do verão”, prossegue.
Neste momento, deixariam de ser simples surtos para se tornarem uma transmissão comunitária descontrolada, que é o que pode dar lugar a uma segunda onda da epidemia, como está ocorrendo na Coreia do Sul. Em outros lugares com picos de casos não se pode falar desse conceito, porque ainda estão imersos na primeira onda, segundo os especialistas.
Na opinião de Ortí, embora em geral a resposta da sociedade seja positiva, “estamos vendo relaxamentos”. “O risco da doença continua, e parece que às vezes se esquece”, acrescenta Pedro Gullón, da Sociedade Espanhola de Epidemiologia. Pedro Rascado, coordenador do Plano de Contingência contra a Covid-19 da Sociedade Espanhola de Medicina Intensiva, Crítica e de Unidades Coronarianas (Semicyuc), vê com preocupação alguns comportamentos: “Dá a sensação de que não soubemos transmitir a gravidade da situação”.
Surto: agrupamento de três ou mais casos
Um protocolo de 16 de junho do Ministério da Saúde espanhol define surto como “qualquer agrupação de três ou mais casos confirmados ou prováveis com infecção ativa, nos quais se estabeleceu um vínculo epidemiológico”. Apesar disso, as comunidades empregam diferentes termos para se referirem a esses agrupamentos. A Andaluzia, por exemplo, nega ter focos. Seu secretário de Saúde, Jesús Aguirre, os chama de “clusters” (agrupamentos, em inglês) embora se encaixem na definição do Governo central.
Com seus próprios critérios, são as regiões espanholas que decidem ou não tornar públicos os focos. O Ministério da Saúde oferece dados agregados em determinados dias, e sempre porque os jornalistas perguntam. O último foi anunciado na segunda-feira passada por Fernando Simón, diretor do Centro de Controle de Alertas e Emergências Sanitárias (CCAES). Havia então 12 focos ativos, dos 36 detectados desde o início da desescalada.
O EL PAÍS localizou 18 deles, que somam mais de 330 positivos. Da análise se conclui que, diferentemente do que ocorria há um mês, quando quase todos se originaram em festas ou reuniões familiares, agora não há um padrão claro. Há focos hospitalares, que as autoridades consideram “controlados”. Também surtos que supostamente começaram em reuniões familiares ou sociais.
No âmbito profissional também houve acúmulos de casos. O mais numeroso foi entre trabalhadores temporários do setor agrícola. Por trás de surtos desse tipo, como os ocorridos em abril e maio em frigoríficos, estão as condições profissionais e habitacionais desses trabalhadores, muitos deles migrantes. “As empresas devem investir em prevenção, em sistemas de transporte onde os empregados não viajem amontoados”, acrescenta Ildefonso Hernández, da Sociedade Espanhola de Saúde Pública (Sespas).
Embora os últimos surtos detectados não estejam diretamente associados aos jovens, estes também estão na mira de alguns epidemiologistas, após a divulgação de imagens de diversas festas e aglomerações em praças e ruas, sem respeito a medidas básicas de segurança.
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Imagem: Celebração espontânea da festa de San Juan em Ciutadella, em Menorca, que foi suspensa pelo Conselho da Cidade por causa das aglomerações.DAVID ARQUIMBAU SINTES / EFE