UFPB e povos indígenas se unem para superar subnotificação dos dados oficiais e evitar contaminação
por Nanda Barreto, em Cimi
A discrepância entre os dados oficiais sobre a contaminação dos povos Potiguara, Tabajara e Warao pelo novo coronavírus logo acendeu um alerta entre pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Na busca por superar a subnotificação, eles decidiram se debruçar sobre diferentes fontes de informação e sistematizar balanços semanais. O trabalho é realizado desde maio em parceria com lideranças indígenas.
Os dados mais recentes, divulgados nesta quarta-feira (15), indicam que o vírus já atingiu 320 indígenas. São três os casos de óbitos confirmados. De acordo com o professor Estevão Palitot, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA), a iniciativa visa oferecer um panorama mais completo à sociedade. “Os levantamentos do governo federal, por exemplo, não consideram os indígenas em contexto urbano. No entanto, muitas vezes, o limite entre a aldeia e a cidade é apenas uma estrada”, salienta.
“O poder público faz recortes territoriais arbitrários, desconsiderando as próprias características do vírus, que desconhece fronteiras e se espalha pelo ar”.
Outro limite dos dados oficiais, pontua Estevão, é não contabilizar a infecção de não-indígenas que moram nas aldeias. “Só nas aldeias Potiguara, contamos 146 não-indígenas residentes que foram infectados. O nosso objetivo com os boletins é superar os limites auto impostos por cada nível de governo. O poder público faz recortes territoriais arbitrários, desconsiderando as próprias características do vírus, que desconhece fronteiras e se espalha pelo ar. Somente por meio da comparação podemos ter um quadro mais confiável”.
Os dados informados pelo Observatório Antropológico do PPGA são coletados junto aos boletins informados pelas prefeituras de Marcação, Rio Tinto e Baía da Traição, também do boletim do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), além de informações repassadas diretamente dos territórios. “Estamos em contato com os caciques e outras lideranças. Temos utilizado muito o WhatsApp para nos atualizarmos”, explica Estêvão.
Direto da aldeia
O engenheiro florestal Poran Potiguara é um dos principais colaboradores no mapeamento de casos: ele monitora cotidianamente os dados das 32 aldeias Potiguara no Estado. “Esta é minha forma de trazer uma devolutiva para o povo de tudo que eu aprendi na academia”, afirma a liderança, que voltou à Terra Indígena Potiguara de São Miguel no início da pandemia, em março, após concluir a graduação na Universidade de Brasília (UnB).
“Com a flexibilização do isolamento por parte dos municípios, as barricadas sanitárias para frear a entrada do vírus nos nossos territórios acabaram ficando enfraquecidas. Estamos cansados e a situação está descontrolada”.
Na avaliação de Poran, infelizmente, os povos indígenas da Paraíba estão experimentando o pior dos cenários apontados pelas previsões estatísticas. “Estamos indo por um mal caminho. Durante os três primeiros meses, organizamos barreiras sanitárias 24 horas por dia, impedindo acesso aos nossos territórios. Infelizmente, com a flexibilização do isolamento por parte dos municípios, as barricadas ficaram enfraquecidas. Estamos cansados e a situação está descontrolada”.
Diagnóstico
Além dos boletins regulares, um grupo formado por pessoas indígenas e não indígenas que integram o Laboratório de
Antropologia, Política e Comunicação (Lapa) e o Programa de Educação Tutorial (Pet) Indígena Potiguara está aplicando questionários on-line para elaborar um diagnóstico detalhado sobre coronavírus entre indígenas no Estado.
A antropóloga Kelly Oliveira conta que o estudo considera questões como ocupação idade, renda mensal, acesso à informação sobre prevenção ao vírus e impactos do distanciamento social sobre os hábitos individuais e coletivos. “Até agosto, queremos ter dados consolidados para apresentar à população e aos governos. Até agora, tivemos 145 respostas. Estamos contando com uma ampla rede de contatos entre indígenas para incentivar o preenchimento”, explica a professora.
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CONFIRA O BALANÇO “POVOS INDÍGENAS E COVID-19 PB” MAIS ATUALIZADO:
BOLETIM #08 – 15/07/2020
Povo Potiguara – São 243 Potiguara confirmados (201 nas aldeias e 42 nas áreas urbanas). Além desses existem mais 146 não-indígenas residentes nas aldeias confirmados (a maior parte na aldeia Monte-Mór). Assim, dentro das terras Potiguara são 347 casos confirmados acumulados. Óbito de 02 indígenas (uma mulher Potiguara e um homem Xukuru) e 02 não-indígenas. Nas aldeias registram-se 65 recuperados.
Fontes: Boletins das Prefeituras de Marcação, Rio Tinto e Baía da Traição (até 10/07/2020); Boletim DSEI Potiguara (10/07/2020); Informativo Potiguara Covid-19 (12/07/2020).
Povo Tabajara – Existe grande dificuldade em confirmar os casos entre os Tabajara. São 10 casos notificados no Conde, com testagem positiva para metade desses e 01 óbito de uma senhora idosa identificado após o falecimento da mesma. Somam-se 03 casos confirmados com mais 01 suspeito em João Pessoa e 02 suspeitos em Bayeux. Os casos suspeitos mais antigos encontram-se recuperados, sem que tenham sido testados.
Fontes: lideranças indígenas até 13/07/2020.
Povo Warao – Em João Pessoa é de 68 o número de Warao que tiveram confirmação clínica e encontram-se recuperados. Em Campina Grande foi registrado o primeiro caso. Nesta cidade vivem hoje 57 Warao.
Fontes: Rede Povos da Terra e Observantropologia-UFPB (13/07/2020).
Panorama nacional
Levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) mostra que o número de mortes por Covid-19 entre os povos indígenas chegou a 517 esta semana. A organização aponta que 129 povos já foram atingidos pela pandemia, com 15.180 indígenas contaminados em todo o Brasil. Os números da Apib indicam uma mortalidade e uma incidência muito maior da covid-19 entre os povos indígenas do que entre a população brasileira em geral. Os dados oficiais da Sesai registra 10.517 casos de covid-19 entre indígenas e 216 mortes.
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Boletim semanal é organizado por pesquisadores da UFPB em conjunto com lideranças indígenas