Fundação Renova anuncia rescisão unilateral de contrato com rede de pesquisa da Ufes

Conduta é “gravíssima” e coloca em risco os estudos futuros, avalia Defensoria Pública

Por Fernanda Couzemenco, Século Diário

“Entendo gravíssima a conduta da Fundação Renova, que não só coloca em risco os estudos futuros, como também a situação dos pesquisadores e pesquisadoras da rede. Já compartilhamos nossas preocupações com representantes do Ministério Público Federal [MPF], Estado e da CTBio [Câmara Técnica de Biodiversidade do Comitê Interfederativo] e iniciamos o levantamento de informações para tomar as medidas necessárias”. A afirmação é do defensor público estadual Rafael Portella, mediante a decisão unilateral da Fundação Renova de rescindir o Acordo de Cooperação Técnico-Científica firmado com a Fundação Espírito-santense de Tecnologia, vinculada à Universidade Federal do Espírito Santo (Fest-Ufes), para executar o Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), estabelecido na cláusula 165 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado pela Samarco, a Vale e a BHP Billiton em março de 2016 com a União, os estados do Espírito Santo e Minas Gerais, e órgãos ambientais federais e estaduais. 

O trabalho vem sendo feito por um conjunto de 28 instituições de pesquisa de todo o Brasil, incluindo várias universidades públicas federais, como a do Rio Grande (FURG), reunidas na Rede Rio Doce Mar (RRDM), e tem revelado dados importantes que subsidiam a luta dos atingidos e dos órgãos de justiça para a reparação plena dos danos advindos do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce em novembro de 2015.

“A Rede Rio Doce Mar foi uma construção dentro do sistema CIF [Comitê Iterfederativo], a partir de notas técnicas, deliberações e negociação direta com a Fundação Renova”, ressalta o defensor, ao reconhecer a importância estratégica de que esse monitoramento ambiental seja feito por instituições independentes e idôneas.

O comunicado foi feito pela Renova à Fest/Ufes nessa quarta-feira (30), dando prazo de trinta dias para que a entidade providencie a desmobilização de toda a equipe, cerca de 500 pesquisadores, entrega de relatório e banco de dados – prazo considerado insuficiente para a demanda.

Além da DPE-ES e do MPF-ES, a própria Fest-Ufes e a CTBio se mobilizam para entender os motivos alegados para rescisão e as possibilidades de reversão do caso.

“A CTBio não foi comunicada pela Renova nem informalmente, recebemos a informação pelo Iema [Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos]. Vamos nos reunir extraordinariamente na quarta-feira [7] pra avaliar a situação e tomar providências necessárias para garantir a continuidade do programa de monitoramento”, declarou o coordenador da CTBio e servidor do Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade (ICMBio), Frederico Martins. “O estado de Minas Gerais não tem pesquisa consolidada sobre o assunto e o Espírito Santo tem, devido à Rede Rio Doce Mar”, salientou.

Danos comprovados

A última nota técnica da CTBio, nº15, foi publicada no dia 31 de agosto passado, com base no relatório anual 2018/2019 da Rede. Na conclusão geral do documento, a Câmara afirma que, “de uma maneira geral, os três ambientes analisados (dulcícola, costeiro e marinho) apresentaram transformações negativas significativas em relação à situação do pré-rompimento da barragem de Fundão, nos diferentes compartimentos ambientais (sedimentos, água, biota associada). Foram relatados indícios/ou evidências de estresse ambiental nestes três compartimentos, alterações nas suas composições, bem como a prevalência de espécies oportunistas”. 
Os analistas afirmam ainda que “os índices de contaminação e/ou toxicidade ultrapassaram, nas diversas matrizes ambientais, os valores preconizados nas legislações específicas, em muitos pontos amostrais e períodos de avaliação, evidenciando importantes variações espaciais e temporais, que exigem um monitoramento constante, permanente e aprimorado”, sendo “extremamente necessária a continuação dos estudos do PMBA para acompanhamento da evolução espacial e temporal destes impactos identificados”, já que exigem que “medidas para conservação do ambiente estudado sejam tomadas a fim de melhorar a qualidade ambiental dos ecossistemas impactados”.

Nos bastidores, fontes que não podem se identificar afirmam que, assim como a Samarco e a Renova canalizam esforços permanentemente para que as decisões jurídicas relativas ao crime sejam todas direcionadas para a 12ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG, pela qual responde o juiz Mario de Paula Franco Junior, notabilizado por decisões sempre favoráveis às empresas criminosas, a Renova está empenhada em retirar da Rede Rio Doce Mar a execução do monitoramento ambiental para contratar empresas privadas, cujos estudos paralelos, feitos nos últimos anos, também destoam dos resultados apresentados pelas instituições públicas que trabalham por meio do Acordo de Cooperação Técnico-Científica.

Imagem: Peixes agonizando em meio aos resíduos de mineração / Instituto Ultimos Refugios

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