Ultracapitalismo sem Bolsonaro — o plano da Globo

Alinhada à agenda neoliberal de Guedes, emissora não deseja o impeachment — aliás, até blinda o governo de ataques. Estratégia é criticar apenas a pessoa do presidente — e, assim, destruí-lo até o pleito de 2022, enquanto projeta Huck ou Moro

Por Maurício Abdalla*, em Outras Palavras

É claro e visível que Rede Globo assumiu uma linha editorial de oposição a Jair Bolsonaro. Ilude-se, porém, quem pensa que se trata de uma oposição ao “Governo”, como foi com relação aos governos do PT.

O núcleo do governo real está nas mãos do Ministro da Economia Paulo Guedes. Todas suas medidas e propostas agradam as grandes empresas privadas (como a Globo), os banqueiros e outros setores do capital que, além de comporem a mesma classe social dos proprietários das Organizações Globo, são seus patrocinadores e sócios em diversos outros negócios em que o grupo Marinho também investe seu capital.

Por isso, todos os ataques da Globo são à pessoa do presidente (que, a propósito, ela ajudou a eleger) e à sua família, mas não desestabilizam o Governo a ponto de criar as condições para um impeachment. Sua intenção é destruir a imagem pessoal de Jair Bolsonaro, dificultando sua reeleição em 22, a fim de emplacar um candidato que o substitua e seja mais de seu agrado, como Moro, Luciano Huck ou mesmo João Dória.

Se a Rede Globo, como potência comunicacional e econômica, quisesse realmente fazer oposição ao Governo e criar as condições para sua queda, usaria as armas que bem sabe usar e das quais lançou mão, sem nenhum limite, para criar o contexto que resultou no Golpe de 2016.

Por exemplo, os veículos de comunicação da Globo poderiam fazer matérias que transformassem as entregas dos diversos pedidos de impeachment de várias entidades a Rodrigo Maia em eventos merecedores de primeiras páginas em jornais e destaques nas rádios e telejornais. Poderiam transmitir esses eventos ao vivo, com tom de gravidade na fala dos narradores e comentaristas, induzindo a opinião pública a pressionar seus deputados e o Congresso para que os pedidos fossem colocados em pauta.

Também seria possível para ela relacionar os absurdos ditos e feitos pelo presidente à situação de instabilidade política e econômica do país, e não apenas atribuí-los a um delírio pessoal do chefe do Executivo. Adicionalmente, poderia concentrar sua cobertura política na responsabilidade do Congresso Nacional e do STF, que permitem a continuidade da barbárie que esse Governo representa, embora tenham o poder e a obrigação de agir como Poderes independentes que fiscalizam e limitam o Executivo dentro do ordenamento jurídico constituído.

A cobertura jornalística dos veículos das Organizações Globo poderia vincular os casos de corrupção e envolvimento com milícias da família e aliados do presidente aos partidos que sustentam o Governo no Congresso Nacional. Em nenhum momento foi explorado ou comentado, por exemplo, o fato de que o senador Chico Rodrigues, do episódio do dinheiro na cueca, além de ser vice-líder do Governo e amigo íntimo da família de Bolsonaro, era do DEM, mesmo partido do presidente da Câmara dos Deputados Federais Rodrigo Maia.

Além disso, seria fácil para a empresa articular com seu grupo social e econômico eventos de protesto e criar na opinião pública a ideia de insustentabilidade política do Governo, dando voz aos grupos de oposição – mesmo àqueles sem representatividade, como eram os “movimentos” criados do nada a partir de 2013 e que, depois, conseguiram até eleger parlamentares em vários níveis da Federação com quantidades expressivas de votos.

A indução da opinião pública (que a Globo sabe fazer com profissionalismo e competência inigualáveis) se refletiria nas redes sociais e o movimento pelo impeachment ganharia amplificação e vida própria. Todo esse clima chegaria aos deputados, que teriam vergonha ou preocupação com seu futuro político caso revelassem publicamente seu apoio ao Governo Bolsonaro.

As condições para um impeachment estariam criadas. Erradamente, diga-se de passagem, pois, no presidencialismo e pela Constituição brasileira, a destituição do chefe de governo não deve depender da vontade do parlamento – e nem sequer da população. A condição necessária e suficiente para isso deveria ser o cometimento de crime de responsabilidade, coisa que este Governo faz de sobra e que Dilma não fez, embora tenha perdido o cargo.

Mas, de qualquer forma, se as Organizações Globo estivessem mesmo preocupadas com a perpetuação da barbárie que Bolsonaro representa – e que seus jornalistas e comentaristas têm criticado insistentemente –, saberia como agir, pois já fez isso, sem nenhum escrúpulo, com os governos petistas. E o resultado foi a eleição da figura abjeta cuja imagem a empresa tenta, hoje, destruir.

Portanto, mesmo que libere seus jornalistas para denunciar as aberrações políticas da pessoa de Jair Bolsonaro e aparente estar do lado dos valores civilizatórios básicos que mantêm o tecido social – ainda que seja o da sociedade injusta, desigual e excludente que emerge do capitalismo –, a Rede Globo continua cúmplice da barbárie e do irracionalismo político. E mostra não se importar em tolerar esse Governo até que um próximo candidato que caia em suas graças possa se apresentar como alternativa viável para 2022.

*Filósofo e doutor em Educação, professor do departamento de filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Também é membro da Rede Nacional de Assessores do Centro de Fé e Política Dom Helder Câmara (CEFEP/CNBB) e do Projeto Novos Paradigmas de Desenvolvimento (ABONG/ISER Assessoria).

Imagem: Aroeira

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