Justiça suspende efeitos de norma da Funai que liberou grilagem em terras indígenas na região de Tucuruí (PA)

É a sétima decisão da Justiça Federal no estado favorável ao MPF em processos sobre o tema

MPF / Amazônia Real

A Justiça Federal em Tucuruí (PA) suspendeu, nessa quarta-feira (13), os efeitos da Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que permitia o registro de propriedades privadas sobrepostas a terras indígenas não homologadas pelo governo brasileiro. A decisão judicial atende pedido do Ministério Público Federal (MPF), que demonstrou que, ao retirar terras indígenas cujo processo de demarcação ainda não foi concluído dos sistemas de gestão fundiária (Sigef) e de cadastro ambiental rural (Sicar), na prática a portaria liberava a grilagem de áreas e poderia intensificar conflitos agrários.

Com a liminar, todas as terras indígenas na região abrangida pela subseção judiciária de Tucuruí – que inclui os municípios de Breu Branco, Goianésia do Pará, Jacundá, Novo Repartimento, Pacajá, e Tailândia, além de Tucuruí – devem ser incluídas ou mantidas nos sistemas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) independentemente da etapa do processo de demarcação. Terras reivindicadas formalmente por grupos indígenas, em fase de estudo e identificação, delimitadas, declaradas e com portarias de restrição de uso agora terão que voltar aos cadastros e ficam proibidos os cadastros sobrepostos de particulares.

O juiz federal Rafael Ângelo Slomp, autor da decisão, destacou “(…) o fato de que as disposições da IN nº 09, ao deixar de considerar, na base de dados do Sigef, terras indígenas em processo de demarcação e regularização, permitiria, em tese, a particulares a expedição de Declaração de Reconhecimento de Limites, mesmo que sobrepostas a tais áreas, em afronta ao postulado da segurança jurídica e ao caráter originário do direito indígena às suas terras.”

“A probabilidade do direito resulta do próprio texto constitucional, o qual prevê que os direitos indígenas sobre as terras por eles tradicionalmente ocupadas têm natureza originária, nada obstante as terras em questão pertençam à União (art. 20, IX). Ainda, a Constituição prevê a nulidade de quaisquer atos relativos à posse, domínio e ocupação em tais áreas (§ 6º, art. 231). Dessa forma, a Instrução Normativa, ao oportunizar ao particular a possibilidade de expedição de Declaração de Reconhecimento de Limites sobre área que está sendo caracterizada, pelos estudos e procedimento demarcatório, como terra indígena, ocasiona insegurança jurídica em desfavor do particular, gerando a este expectativa de direito, que tende a ser frustrada pela posterior homologação da terra indígena, além de tornar tais áreas vulneráveis a grilagem, exploração de recursos naturais, conflitos fundiários e danos socioambientais”, complementou o juiz federal na decisão.

Outras ações– A ação judicial que tramita na Justiça Federal em Tucuruí é uma das oito ajuizadas pelo MPF em junho do ano passado no Pará para suspender os efeitos da instrução normativa. Além da Funai, o Incra também é réu nas ações do MPF. As ações judiciais pediram, em regime de urgência, que a Justiça obrigasse a Funai e o Incra a manter ou incluir no Sigef e no Sicar, além das terras indígenas homologadas, terras dominiais plenamente regularizadas, reservas indígenas e também todas as terras em processo de demarcação nas seguintes situações: área formalmente reivindicada por grupos indígenas; área em estudo de identificação e delimitação; terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela Funai); terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministro da Justiça); e terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados.

Pela instrução normativa da Funai, todas essas terras indígenas seriam ocultadas no Sigef, “permitindo que particulares obtenham declarações, realizem negócios jurídicos (sem qualquer menção à natureza da área e a sobreposição com terras indígenas) e coloquem em risco indígenas e o meio ambiente”, narra o MPF nas ações judiciais. Para os procuradores da República que atuam nos municípios de Santarém, Redenção, Altamira, Itaituba, Marabá, Tucuruí, Belém e Castanhal, se a portaria não for suspensa com urgência, haverá aumento dos conflitos fundiários e do risco de disseminação da covid-19 entre os indígenas.

Das oito ações movidas pelo MPF no Pará contra a IN 09, sete já têm decisões favoráveis, das quais seis são decisões liminares e uma é sentença. Além da liminar de Tucuruí, já haviam sido concedidas liminares em Altamira, Castanhal, Itaituba, Redenção, e em Marabá, onde a liminar foi negada pela Justiça na 1ª instância, mas concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com suspensão integral dos efeitos da normativa. A sentença favorável ao MPF foi proferida pela Justiça Federal em Santarém. O processo que segue aguardando decisão é o que tramita em Belém.

Em 2020, assim que houve a publicação da IN 09/2020 o MPF encaminhou recomendação à presidência da Funai para que a normativa fosse anulada e, ao Incra, para que não a cumprisse. A recomendação, assinada por 49 procuradores e procuradoras da República de 23 estados da Federação, não foi cumprida pela Funai. Diante do descumprimento da recomendação, o MPF teve que acionar a Justiça Federal. Além das ações ajuizadas no Pará, diversas outras ações foram ajuizadas pelo MPF no restante do país.

Processo nº 1001942-03.2020.4.01.3907 – Justiça Federal em Tucuruí (PA)

Íntegra da decisão

Arte: Secom/MPF

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