Paraguai: juventude protesta contra política de morte

Milhares de jovens protestam contra a omissão do governo paraguaio no combate à pandemia. Denunciam o colapso social, os hospitais lotados e a falta de vacina. Movimento pelo impeachment toma força – e pode trazer preciosas lições ao Brasil

Por Adolfo Giménez | Tradução: Rôney Rodrigues, em Outras Palavras

Uma massa estimada entre 30 a 40 mil jovens decidiu colocar ponto final à paciência e à impotência frente a grave crise sanitária, dado o colapso dos hospitais e as reiteradas denúncias de corrupção no país. Nos últimos dias intensificaram as denúncias de especulação e venda de medicamentos e insumos no mercado ilegal.

A concentração foi realizada na sexta-feira, 5 de março, ao entardecer de praças localizadas em frente ao Congresso, em Assunção, capital do Paraguai, com o grito principal de “fora Mario Abdo”.

As primeiras horas transcorreram de forma pacífica, mas logo começaram os incidentes com a polícia, que reprimiu os manifestantes com balas de borracha e gás lacrimogêneo para impedir que uma multidão marchasse em frente ao Palácio do Governo. Os enfrentamentos se estenderam a vários outros pontos do microcentro de Assunção – até que a polícia tirou a “bandeira branca”, se deu por vencida e, sem poder dispersar a multidão, pediu trégua. Os jovens voltaram às praças em frente ao Congresso e iniciaram uma vigília que pode se prorrogar por mais alguns dias.

O governo de Mario Abdo entrou em uma crise profunda em decorrência de sua incapacidade de gerir os efeitos sanitários, humanitários e sociais da pandemia; além disso, sempre esteve assombrado por denúncias de corrupção a sua volta, assim como por sua responsabilidade pessoal e política neste momento de muita tensão.

O principal partido de oposição, o Liberal Radical Autêntico (PLRA) unificou suas bancadas na Câmara de Deputados e anunciou que solicitará o julgamento político [impeachment], algo que meses atrás a coalização de centro-esquerda Frente Guasu, liderada pelo ex-presidente Fernando Lugo (2008-2012), já havia propostos.

Só resta que no interior do governamental Partido Colorado, setor liderado pelo ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), que tem maioria na Câmara dos Deputados, “solte a mão de Marito” para que o destino do presidente esteja selado e não haja outra saída além da renúncia – ou, então, se submeter a um julgamento pelo mal desempenho de suas funções.

O ministro do Interior Arnaldo Giuzzio e o comandante da Polícia Nacional, Francisco Resquín, denunciam que, entre os manifestantes, havia grupos infiltrados que provocaram os atos de violência, destacando o uso de rojões 12×1. (1)

Horas após os incidentes terminarem, o presidente Mario Abdo anunciou que todos os ministros devem colocar seus cargos à disposição como primeira resposta à crise.

Horas antes de começar a manifestação dos jovens – de diversos estratos sociais que atendiam convocatórias feitas através das redes sociais por dirigentes e organizações sociais, culturais e políticas de todas as tendências – Mario Abdo havia destituído o ministro da Saúde Pública, Julio Mazzoleni, um dos mais criticados pelos efeitos da pandemia na maioria da população.

As cifras de feridos nos enfrentamentos é de 21 manifestantes e quatro policiais. Os canais de televisão haviam mostrado imagens de vários jovens que foram presos e espancados, mas não existe informação oficial a respeito.

Os próximos dias serão decisivos para este governo que tem pouco espaço para manobras e pouco tempo [no poder. Tomou posse em 2019, para um mandato de 5 anos, até o fim de 2023]. A possibilidade de novas mobilizações se mantém e poderiam se estender a outras cidades importantes do país.

O poder do Estado cambaleia porque não pode explicar como que, havendo outorgado fundos suficientes para combater a pandemia, os hospitais estão colapsados e desabastecidos, os pacientes precisam comprar os remédios e a possibilidade de obter vacinas a curtos prazo está distante.

A quantidade de contagiados pela covid-19 ultrapassa os 166 mil casos e a cifra de mortos é de 3.278, mas dirigentes de conselhos de medicina apontam que essas cifras são subnotificadas e os números devem ser multiplicados por três ou por cinco – isto em um país com uma população de 7,5 milhões de pessoas.

Os gritos das últimas manifestações alcançaram também a chamada “classe política” e os parlamentares, com baixo prestígio na sociedade.

O governo de Mario Abdo perdeu o consenso e está isolado em nível nacional. Uma das únicas esperanças que tem para se manter no poder é que a possibilidade de uma mudança presidencial (2) tampouco gera muito otimismo às massas de pessoas cansadas e esgotadas pela pandemia, ainda que também cansada e esgotada do governos e de seus operadores.


1-O 12×1 é um rojão usado no Paraguai em todos os comícios políticos, eventos sociais, religiosos, esportivos, manifestações de rua. Para gerar estrondo, ele é lançado ao ar, mas quando há enfrentamentos, ele é lançado diretamente na polícia.

2-Em caso de renúncia ou julgamento político, assume o vice-presidente e, se por algum motivo isso não ocorra, deve assumir o presidente do Senado.

Imagem: REUTERS/Cesar Olmedo

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