Via Campanha Nacional Em Defesa do Cerrado / CPT
O Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo, chegando a abrigar cerca de 5% da diversidade biológica do planeta. Ao mesmo tempo, os primeiros habitantes dessa imensa região ecológica, os povos da Tradição Itaparica, remontam a entre 15.000 a 12.000 anos antes do presente e já transitavam e se adaptavam aos dois principais componentes da paisagem do Cerrado – as chapadas e os vales. Os povos indígenas e tradicionais, com seu saber-fazer enraizado nas paisagens cerradeiras, são herdeiros dos saberes tradicionais que guiam, há inúmeras gerações, o manejo das matas e paisagens.
São esses povos que fazem do pequi, do babaçu, do buriti e tantos outros frutos do Cerrado a base de alimentos e geração de renda. Que usam a palha do babaçual e do buritizal, o capim dourado, as flores sempre-vivas e tantos outros elementos na feitura de belos artesanatos. Que conhecem as plantas medicinais e realizam diversos ofícios de cura e benzimento. Que sabem realizar a pesca e a roça no ritmo das cheias e vazantes dos rios. Que sabem o manejo e a roça apropriada para cada agroecossistema. Que sabem manejar os pastos naturais com gado criado entre os vales e os gerais. Que cuidam dos lugares sagrados de morada dos Encantados. E é com o protagonismo desses povos que a Campanha se fortalece e se enraíza nos chãos dos sertões.
Assim, as paisagens onde a biodiversidade do Cerrado vibra patrimônios históricos e socioculturais, fruto da convivência e cuidado dos povos com o Cerrado.
Águas do Cerrado
Nas chapadas e planaltos do Brasil Central, as raízes profundas da vegetação dominante típica do Cerrado promovem a infiltração das águas das chuvas, constituindo a mais importante área de recarga hídrica do país, o que lhe valeu o apelido de “caixa d’água do Brasil”. Como resultado, sob o Cerrado se encontram os dois principais aquíferos do país – o Guarani e o Urucuia-Bambuí. Nesse Cerrado berço das águas também nascem importantes rios do Brasil e do continente sul-americano – o Paraguai e seus formadores (entre eles o Cuiabá, o São Lourenço e o Taquari); o Paraná e seus formadores (entre eles o Paranaíba); o São Francisco, o Doce, o Jequitinhonha, o Parnaíba, o Itapecuru, o Tocantins, o Araguaia, o Tapajós, o Xingu, além de vários afluentes do rio Madeira. As duas maiores extensões de terras continentais alagadas do planeta – o Pantanal e os “varjões” do Araguaia – têm também sua dinâmica hidrológica relacionada aos Cerrados e suas chapadas.
O desmatamento das chapadas para dar lugar a monocultivos de soja tem destruído esse sistema hidrológico, com consequências dramáticas. Ao mesmo tempo, em diversas partes do Cerrado e suas zonas de transição, os povos e comunidades enfrentam a apropriação, contaminação, exaustão, assoreamento e barramento dos rios e águas pelos grandes projetos da mineração, agronegócio, portos e outros empreendimentos logísticos, usinas hidrelétricas e aquicultura.
Na Campanha, um importante lema é “Sem Cerrado, sem água, sem vida”, um dizer que carrega a ideia-força de que a conservação do Cerrado é sinônimo de vida, tanto dos povos indígenas e comunidades tradicionais que ali habitam, quanto pelas conexões que permitem que as águas aí nascidas possam saciar a sede e garantir produção de alimentos livres de agrotóxicos, transgênicos e conflitos socioambientais no próprio Cerrado e em outras regiões e cidades banhadas por suas águas. Defender o Cerrado é defender suas águas, uma luta urgente e fundamental.
Fonte:
Carlos Walter Porto-Gonçalves. Dos Cerrados e de suas riquezas: de saberes vernaculares e de conhecimento científico. Rio de Janeiro e Goiânia: FASE e CPT, 2019.
Diana Aguiar e Helena Lopes (Orgs.). Saberes dos Povos do Cerrado e Biodiversidade. Rio de Janeiro: Campanha em Defesa do Cerrado e Action Aid Brasil, 2020.
Altair Sales Barbosa. Andarilhos da Claridade: os primeiros habitantes do Cerrado. Goiânia: Universidade Católica de Goiás. Instituto do Trópico Subúmido, 2002. 416 p.
Foto do destaque: João Zinclar