Os dados de Israel e uma pergunta: a variante Delta escapa da vacinação?

por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

PIFZER CONTRA DELTA

O Ministério da Saúde de Israel divulgou ontem a informação de que houve uma queda muito brusca da efetividade da vacina da Pfizer diante da variante Delta: a proteção contra covid-19 sintomática caiu de 94,3% em maio para 64% em junho. No fim de maio, a Delta era responsável por 9,3% das infecções no país, mas nas últimas semanas sua prevalência deu um salto, chegando a quase 60% em meados de junho, segundo a plataforma Our World in Data, e a 90% agora, de acordo com o Times of Israel.

Porém, os dados também mostram que a vacina continua altamente eficaz na prevenção de sintomas graves e hospitalizações; nesse caso, a proteção caiu muito menos, de 98,2% para 93%. Os dados relacionados a isso são animadores: 2,5% dos infectados tiveram covid-19 grave nas ondas anteriores, contra 0,5% agora. Isso leva a crer que o impacto na curva de óbitos deve ser baixo. Por enquanto, elas estão zeradas, mas, como os novos casos começaram a aumentar em meados de junho, ainda é preciso ver o que acontece com o tempo.

No geral, faltam algumas informações para compreender o que está acontecendo, até porque os percentuais de proteção foram divulgados isoladamente, sem nenhum dado adicional. Segundo Ran Balicer, presidente do Painel Nacional de especialistas de Israel sobre a doença, há poucos casos entre pessoas totalmente vacinadas, e eles não estão uniformemente distribuídos entre a população, o que torna difícil avaliar o quanto as infecções estão de fato relacionadas à falhas da vacina. Embora Israel tenha sido um dos países a vacinar mais rápido no começo das campanhas pelo mundo, o número de pessoas totalmente imunizadas estacionou em 55%-60% da população no fim de março.

Além disso, a alta nas infecções coincide com o relaxamento total das medidas restritivas, o que pode ter ajudado o vírus a se propagar entre não-vacinados. De todo modo, o governo vai promover dois estudos para avaliar a eficácia da vacina e seu desgaste ao longo do tempo. 

A MAIOR PREOCUPAÇÃO

Vale lembrar que dados do Reino Unido – onde a taxa de vacinação é ligeiramente menor que a de Israel e onde hoje mais de 97% das infecções são provocadas pela Delta – mostraram que as vacinas da Pfizer de de Oxford/AstraZeneca são extremamente efetivas para evitar hospitalizações relacionadas a essa variante, ambas oferecendo mais de 90% de proteção após duas doses. Os casos estão crescendo por lá, mas as internações permanecem estáveis. E ainda não há evidências de que a Delta seja mais mortal do que outras cepas. 

Até agora, os ensaios com os imunizantes disponíveis têm indicado que eles são muito bons em evitar internações e mortes, contra todas as cepas já identificadas. Isso indica, que, muito mais do que a Delta, neste momento o maior problema do mundo é não haver vacina para todos. 

Hoje, quando se olha para os dez países com maior taxa de novos óbitos por milhão de habitantes, em nenhum deles a Delta é dominante, até onde se sabe. E todos, exceto o Uruguai, têm menos de 15% da população totalmente vacinada. Dois países africanos que até pouco tempo atrás despertavam pouca atenção na pandemia – Namíbia e Tunísia – estão hoje no topo do ranking das novas mortes. No geral, o mapa de óbitos recentes no mundo aponta para dois focos claros de preocupação: a América do Sul e parte do continente africano.

Se levarmos em conta que praticamente todos os patógenos contra os quais existe vacina continuam circulando entre nós, talvez seja seja demais esperar que os imunizantes nos levem a um cenário de erradicação do coronavírus no curto prazo. Mas dá para acabar com o horror da pandemia mesmo assim – desde que os esforços para isso alcancem toda parte.

PRIMEIRO EM SP

A cidade de São Paulo informou ontem que detectou primeiro caso da Delta. O paciente é um homem de 45 anos que não tem histórico de viagem. Lembramos que, recentemente, a primeira pessoa com infecção confirmada por essa cepa desembarcou em São Paulo, mas não foi isolada e foi para o Rio de Janeiro, onde circulou livremente por um tempo.

No Rio, por sinaldois municípios confirmaram infecções pela variante: Seropédica e São João de Meriti, ambos na Baixada Fluminense.

NOME NO CELULAR

O PM Luiz Paulo Dominguetti disse a um interlocutor, em março deste ano, que Jair Bolsonaro estava a par das negociações entre o Ministério da Saúde e a Davati Medical Supply pela compra da vacina de Oxford/AstraZeneca – aquelas tratativas em que, de acordo com ele, houve pedido de propina de US$ 1 por dose.

A conversa está no celular de Dominguetti, apreendido pela CPI, e apareceu ontem no Jornal Nacional: “Já houve três reuniões. Na última sexta-feira com o secretário Franco [Élcio Franco, então secretário-executivo da Saúde] e um coronel. O dono da Davati enviou o e-mail pessoalmente. Segundo informações, o próprio presidente Bolsonaro já foi informado das vacinas”, diz o PM, em um dos áudios. 

E uma troca de mensagens de WhatsApp obtida pela Folha mostra que as negociações com a Davati começaram, informalmente, antes de a empresa apresentar uma proposta oficial ao governo. Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, procurou Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, pela primeira vez em 3 de fevereiro. O pedido de propina, segundo Dominguetti, aconteceu no dia 25, e o e-mail da Davati com a proposta de venda veio no dia 26.

Em tempo: hoje a CPI ouve Regina Célia Silva Oliveira, apontada como fiscal do contrato para a aquisição da Covaxin e mencionada pelo servidor Luís Ricardo Miranda em seu depoimento. Os senadores devem votar ainda a convocação de Cristiano Carvalho. 

MAIS TRÊS MESES

O governo federal declarou ontem que vai prorrogar o auxílio emergencial por mais três meses, mantendo-o até outubro. O valor deve continuar baixo, variando de R$ 150 para quem vive sozinho a R$ 375 para mães chefes de família.

Como nota o Valor, o anúncio vem em um dia de más notícias para Jair Bolsonaro. A mais grave delas é a denúncia no UOL do envolvimento direto do presidente em esquema de rachadinha. Mas teve também a divulgação da pesquisa CNT/MDA mosrando que a avaliação positiva do governo caiu de 33% no início do ano passado para 27,5% em julho deste ano. O patamar atual é o pior desde o começo da gestão, em janeiro de 2019.

NEM DEVERIA TER SAÍDO

O periódico suíço Vaccines retratou ontem um artigo publicado em junho que – por razões óbvias – havia caído nas graças do movimento antivacina. O texto levantava preocupações quanto à segurança dos imunizantes contra a covid-19 e, por meio do mau uso dos dados de farmacovigilância da Holanda, concluía que “para três mortes evitadas pela vacinação, temos que aceitar duas causadas por ela”. O próprio diretor de ciência e pesquisa do Lareb (o centro de farmacovigilância holandês) escreveu ao jornal e pediu uma retratação, porque os argumentos eram frouxos – qualquer pessoa pode incluir um evento adverso ou morte naquele banco de dados, sem verificação médica e, evidentemente, sem que os eventos tenham a ver com a vacina. 

O conselho editorial da revista emitiu logo uma ‘expressão de preocupação‘, sinalizando que “sérias preocupações foram levantadas sobre a interpretação incorreta dos dados e das conclusões” dos autores – nenhum dos quais é especializado em imunologia, infectologia ou epidemiologia. E, como observa o Health Policy Watch, um deles, o psicólogo alemão Harald Walach, já recebeu o “prêmio”  Goldene Brett vorm Kopf por promover pseudociência.

Seis membros do conselho editorial renunciaram na semana passada. 

Antes da retratação, o artigo obviamente circulou um bocado nas redes sociais. E ainda pode continuar circulando por muito tempo, se seguir a trilha daquele que originou a fake news sobre vacinas e autismo… 

CONTRA OS ‘PUROS’?

Ontem criticamos aqui o erro da Folha ao apontar que 26 mil doses de vacina vencida haviam sido aplicadas em brasileiros, e comentamos que o jornal não havia reconhecido sua falha.

O mea culpa ainda não veio. Em vez disso, foi publicado ontem um artigo de Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência – e que tem sido uma voz muito conhecida contra a (falta de) atuação do governo brasileiro na pandemia – e Carlos Orsi, jornalista do mesmo Instituto. De acordo com eles, errado está quem aponta os enganos da reportagem, pois o problema não estaria nela, e sim nos sistemas de informação do país. Por aqui, seguimos sustentando que não é assim que funciona: a responsabilidade dos repórteres é checar os dados, especialmente quando se trata de uma manchete bombástica. 

Os autores dizem também a preocupação em relação a como a notícia foi recebida pela população é exagerada: “onde está o pânico? Alguém acompanhou e mensurou essa suposta reação desesperada de grande parte de população? Ou o tal pânico está nas mídias sociais dos ‘puros’?”, questionam, referindo-se aos críticos.

Quanto a isso, uma boa pista é notar que a reportagem continua entre as mais lidas da Folha, quatro dias após a publicação. Todas as outras matérias do ‘top 5’ do site são frescas, publicadas ontem. 

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