Como você ainda aguenta o Brasil?

Na Europa, hoje me perguntam três coisas sobre o Brasil: Bolsonaro e suas tendências autocráticas, a epidemia de covid e a destruição da Amazônia. A inveja que antes sentiam por eu viver no Rio deu lugar à pena.

por Philipp Lichterbeck, em DW

Atualmente estou na Europa. A imagem do Brasil que se tem a partir daqui é, naturalmente, diferente. Aqui se está menos exposto ao constante fluxo de informações (e desinformação); se está menos envolvido nas discussões diárias − muitas vezes esquecidas no dia seguinte. Inevitavelmente, veem-se menos detalhes a partir da Europa, mas tem-se uma ideia do panorama geral. A distância, diz-se, permite ter mais clareza.

Na Europa, geralmente me perguntam sobre três coisas: Jair Bolsonaro e sua guerra contra a razão e os bons costumes, a situação da epidemia de covid-19 no país e a destruição da Floresta Amazônica. Fica evidente como a imagem do Brasil no mundo mudou. Hoje, as pessoas olham com preocupação e incompreensão para a maior, mais populosa e mais forte economia da América Latina. E com frequência me perguntam como ainda consigo viver no Brasil. Muitos europeus não compreendem mais o país e estão decepcionados desde que ele passou a ser governado por um ultradireitista.

Quando cheguei ao Brasil, há quase dez anos, a percepção era diferente. Naquela época, o Brasil era considerado um país em plena ascensão econômica e mediador respeitado no cenário internacional. O Brasil tinha a imagem de país tolerante, e os brasileiros eram considerados pessoas de mente aberta, calorosas e generosas. E eu era invejado por poder viver e trabalhar no Rio nos anos seguintes. A inveja deu lugar à pena.

Raramente um país perdeu sua boa imagem no mundo de forma tão rápida e completa. O Brasil não levou nem dez anos para passar de mocinho a vilão.

Ninguém é mais responsável por este desgaste na imagem do Brasil do que o presidente Jair Bolsonaro. Na Europa, ele se tornou o símbolo do que é negativo e rejeitável no país. O que se nota aqui é que Bolsonaro está destruindo a floresta e faz de tudo para acabar com os povos indígenas. O desmatamento põe em perigo não só o futuro do Brasil, mas de todo o mundo. Através de sua política negligente e criminosa em relação ao coronavírus, ele está atrasando o fim da pandemia e aumentando o perigo de mutações do vírus. E ele enfraquece a jovem democracia brasileira com seus contínuos ataques e ameaças contra as instituições.

Naturalmente este panorama é bastante resumido, mas é o que muitas pessoas na Europa sabem hoje sobre o Brasil. São as temas sobre os quais sou questionado. O Brasil é visto como imprevisível e não é mais um parceiro confiável; não foi à toa que entrou na lista de países cujos cidadãos foram proibidos de entrar em nações da UE. 

Eu mesmo vejo daqui um país triste. O Brasil é um país injusto, que gasta grande parte de sua energia em conflitos sociais improdutivos. Um país que destrói sistematicamente seu meio ambiente, seja por meio do desmatamento ou do uso excessivo de pesticidas. É um país onde pessoas negativas e insignificantes como Roberto Jefferson, Daniel Silveira ou os filhos de Bolsonaro dominam as notícias. Um país politicamente paralisado pela permanente disputa entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, incapaz de se modernizar. Um país onde o presidente, que já foi eleito muitas vezes pela urnas eletrônicas, alega que estas mesmas urnas foram e serão manipuladas – e até tem pessoas que o levam a sério.

Na Alemanha, está em andamento a campanha eleitoral antes do pleito geral de 26 de setembro. A  questão mais importante é, de longe, a mudança climática. É a questão do século. O Brasil poderia desempenhar um papel fundamental para que se alcancem os objetivos climáticos ao proteger a Floresta Amazônica, impulsionar a expansão de energias alternativas ou ser pioneiro no desenvolvimento de uma agricultura mais sustentável e orgânica. Criaria assim numerosos empregos. O Brasil poderia ser estimado mundo afora. Em vez disso, as pessoas na Europa me perguntam: como você aguenta viver lá?

*Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano.

Protesto antigoverno em Santos, em 24 de julho

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