Delírio golpista esconde um presidente em agonia

Isolado, o presidente busca sobrevida. Aventa dois caminhos: intensificar fantasia golpista, já sem apoio das elites e militares, ou afrouxar a austeridade neoliberal, entrando em choque com Guedes – o superministro dos rentistas…

por Paulo Kliass*, em Outras Palavras

Bolsonaro está realizando uma opção bastante arriscada para seu próprio intento de permanecer no poder. Ao perceber que suas chances de vencer as eleições em outubro do ano que vem em um ambiente de normalidade institucional estão bastante reduzidas, ele resolveu apostar suas fichas no “tudo ou nada”. Esse é a estratégia que o levou a se empenhar pessoalmente na convocação e presença nas manifestações de 7 de setembro, com uma pauta difusa e golpista contra o Supremo Tribunal Federal, contra a imprensa e os partidos de uma forma geral.

O presidente começa a deixar transparecer em atos e falas seu receio de ser preso após a derrota no pleito. A coleção de crimes cometidos por ele aumenta a cada dia e seus filhos também sentem a aproximação paulatina do momento de prestação de contas junto à Justiça. Tal qual fera acuada, o chefe da família parece reagir com seu lado emocional, movido pelo desespero do isolamento e pela falta de perspectivas de solucionar sua situação dentro da institucionalidade da democracia republicana.

Ao esticar a corda na direção da ruptura das regras atuais pela via do golpe, Bolsonaro perde o apoio e a simpatia de antigos aliados, que o ajudaram a vencer as eleições em 2018 e que até mesmo chegaram a participar, até pouco tempo atrás, da sua equipe de governo. As possibilidades de contar com apoio institucional das Forças Armadas para sua aventura ditatorial parecem também pouco efetivas. Apesar de não ser recomendável na análise do xadrez político atual subestimar sua capacidade de mobilizar as casernas, o fato é que nas urnas suas chances são bastante diminutas.

Austericídio e popularidade em queda

Na cadência do jogo a que assistimos e do qual participamos, os 14 meses que nos separam das eleições são quase uma eternidade. É muito difícil estabelecer com clareza ou alguma certeza as alternativas todas colocadas até o momento. Na verdade, todas as opções estão dadas e nenhuma delas pode ser descartada a priori com segurança. No entanto, se Bolsonaro ainda pretende disputar sua reeleição com alguma chance de vitória, a conjuntura econômica e a crise social não oferecem elementos que atuem como impulsionadores a seu favor. Muito pelo contrário.

O aprofundamento da crise institucional que ele tem provocado ao longo das últimas semanas até coloca uma nuvem de fumaça nas informações relativas à dinâmica da economia. Os indicadores tendem a piorar a cada novo dia e a maioria da população termina por sentir seus efeitos no bolso, no concreto de suas vidas, no esforço hercúleo de buscar o milagre da sobrevivência a cada mês sob tal quadro trágico. Para além das dificuldades todas experimentadas com a política do genocídio, os setores da base da nossa pirâmide da desigualdade não vislumbram alternativas de superação da profundidade da crise que atravessamos.

Como se não bastassem as mais de 584 mil mortes, em grande parte provocadas pela irresponsabilidade criminosa de Bolsonaro no trato da covid-19, vivemos agora a agonia antecipada pelo desconhecimento dos efeitos da chamada variante delta. Ainda que a vacinação tenha avançado, contra os desejos do núcleo duro do governo, o fato é que medidas de liberalização já são sentidas por todo o território nacional e podemos viver proximamente as dificuldades de países que fizeram esse mesmo percurso de flexibilização antecipada das regras de prevenção e isolamento.

Paulo Guedes tem sua bússola voltada apenas e tão somente para o atendimento dos interesses do povo do financismo. Para esse pessoal, a situação vai muito bem, obrigado. A privatização de algumas empresas estatais foi encaminhada e as reformas estruturais que destroem o Estado e promovem o desmonte das políticas públicas também andou um pouco desde janeiro de 2019. Essas parcelas das elites podem até ficar um pouco desconfortáveis, quando o ex-capitão carrega nas tintas de seu espírito da barbárie. Mas logo em seguida tudo se ajeita e seguem juntos na espoliação do patrimônio público. Porém, para ganhar uma eventual eleição, Bolsonaro precisa conquistar votos no conjunto da população. Ou seja, precisa apresentar fatos que ajudem a reverter a queda severa que em sua popularidade, tal como aferida pelas pesquisas de opinião de todos os institutos.

Guedes e o abraço de afogado

A verdade é que a carta branca que ele concedeu ao superministro da economia não está mais lhe sendo útil para o intento de permanecer no poder pela via do voto. A gravidade da crise social e econômica não tem sido enfrentada como deveria para atenuar o drama dos mais pobres e buscar a retomada do crescimento das atividades. Guedes segue com seu discurso monocórdico em favor da austeridade fiscal cega e burra, enquanto na sociedade se constrói um consenso cada vez mais amplo no caminho de que a iniciativa prioritária do governo deveria ser pela via do aumento das despesas públicas no quadro atual de recessão.

Enquanto não tocar nessas teclas, Bolsonaro continuará remoendo no lamaçal da impopularidade e correndo até mesmo o risco de nem chegar ao segundo turno do pleito de 2022. O discurso dirigido apenas às elites não resolve seu problema de reconquistar setores que se frustraram e deixaram de apoiar o governo. Por isso, a insistência com a pauta de costumes, contra “tudo o que está aí”, contra o Judiciário, pelo voto impresso, dentre tantos assuntos que cumpram com a missão de retirar da agenda política o drama da fome e da miséria.

A inflação, por exemplo, voltou com força nos últimos tempos. O processo atinge a economia de forma geral, mas com destaque especial para um crescimento exagerado dos preços dos produtos que compõem a cesta de consumo dos segmentos de mais baixa renda. Além de terem sua renda monetária reduzida em função do desemprego e da informalidade no mercado de trabalho, encontram ainda maior dificuldade de sobreviver em razão do encarecimento dos produtos. Esse é caso dos alimentos, dos transportes, da energia elétrica e do gás de cozinha, entre outros.

O desemprego também não recebeu atenção especial por parte do governo desde o início. A crença dogmática da equipe de Guedes nas soluções deixadas apenas ao “mercado” só aumentaram o número de pessoas sem trabalho e os chamados desalentados. Na verdade, os “especialistas” patrocinaram mudanças ainda mais agudas na legislação trabalhista, com o conhecido discurso chantagista de que seria melhor um posto de trabalho mal remunerado e extenuante do que o desemprego. Felizmente o Senado Federal derrotou a Medida Provisória 1.045, que retirava ainda mais direitos dos trabalhadores, como 13º salário, férias e FGTS, dentre outras aberrações semiescravagistas.

Mas ainda assim, o desemprego segue batendo recordes sucessivos, a cada nova pesquisa realizada pelo IBGE. E isso significa, obviamente, ainda mais péssimas notícias para popularidade do presidente.

Finalmente, temos as consequências políticas daquilo que vem ocorrendo com os preços dos combustíveis. A estratégia de Paulo Guedes sempre foi a de manter inalterada a política de preços que herdou ainda da dupla Michel Temer e Henrique Meirelles. E isso significa atrelar os preços da Petrobrás às oscilações observadas nos preços do petróleo no mercado internacional. Um misto de loucura e irresponsabilidade. A opção suicida foi de reduzir deliberadamente a capacidade de refino da empresa estatal e passar a exportar óleo bruto e importar cada vez mais os derivados. Insanidade total!

Assim, o efeito sobre os preços internos de gasolina e diesel, por exemplo, foi imediato. Com os preços da OPEP subindo e com a desvalorização do real frente ao dólar, os preços dos derivados também continuaram sendo majorados na mesma proporção. Tendo em vista a dependência de nosso sistema econômico em relação ao petróleo, essa política de preços tem um efeito horizontal e generalizado sobre todos os ramos. E também ajuda a explicar o naufrágio da popularidade de Bolsonaro.

Frente a um quadro como esse, as alternativas colocadas para o presidente não são muitas. Ele pode seguir insistindo na via golpista, pois não dependeria de votos para permanecer no poder e, assim, evitar o temor maior de ser preso. Caso o caminho seja o de permanecer no jogo institucional, será necessário fazer uma grande mudança no comando da economia. O teto de gastos, por exemplo, deverá ser flexibilizado e a obsessão de Guedes pela austeridade fiscal deverá ser substituída por alguma estratégia que envolva a temida “gastança”, termo pejorativo criado pelo financismo para designar a adoção necessária de programas sociais urgentes e necessários com recursos orçamentários.

Em suma, o projeto Bolsonaro está sob ataque de várias frentes. No campo da economia, a continuidade das propostas de Paulo Guedes será o caminho certo e seguro para que seu governo afunde ainda mais no pântano em que está metido.

*Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

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