Paulo Freire: o aniversariante (in)oportuno

Por Ângelo Oliveira*

É bem verdade que aqueles que detêm o poder se incomodam com os processos educativos que, de algum modo, aguçam o senso crítico. Já é consenso que a Educação é necessária e não é raro representantes do projeto neoliberal saírem em defesa de uma educação salvadora, como um remédio para todos os problemas da humanidade. 

Mas essa educação estruturante do projeto liberal burguês não pode ultrapassar os limites da apropriação de competências técnicas e habilidades comportamentais que façam a máquina do mercado girar sem questionar o fim último da produção e o lugar do trabalhador assalariado nesse processo de geração de riquezas.

Mas por que o “velho de barba” com sotaque nordestino continua incomodando mesmo após sua morte? Em primeiro lugar, Paulo Freire traz para o centro da discussão um processo histórico que é a disputa pela narrativa educativa. Ou seja, que narrativa será contada no processo de transmissão do conhecimento, visto que a realidade é produzida por construções discursivas ao mesmo tempo em que tais construtos são determinados historicamente. Com isso, vemos que não há neutralidade ou imparcialidade nos processos educativos. 

Nessa direção, Paulo Freire nos chama a atenção para o modo como o terreno educativo é atravessado pelas disputas de classe e dentro disso tem-se, objetivamente, a presença do oprimido e do opressor como expressão da dialética composta por uma sociedade de classes.

Assim, Paulo Freire nos convida a uma educação que nos auxilie no processo de emancipação do jugo do opressor. Essa Educação é aquela que vem sempre acompanhada da consciência política. Daí a indissociabilidade do conhecimento técnico de sua dimensão social e política. A esse respeito, Freire nos mostrou em seus escritos e em suas experiências que é possível alfabetizar-se a partir do universo vocabular que compõe o campo experiencial do sujeito. Que é necessário considerar a carga vivencial do sujeito; afinal, “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”.

Consciente dos grilhões do opressor que afetam, inclusive, a constituição subjetiva do oprimido, o autor pernambucano nos admoesta na obra “Pedagogia do oprimido” que “o grande problema está em como os oprimidos, que ‘hospedam’ o opressor em si, participam da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram  “hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com opressor, é impossível fazê-lo.”

Portanto, Paulo Freire foi e será alvo de ataques em qualquer tempo em que as relações de opressão estiverem mais propensas à hegemonia do opressor! Por isso, é tão importante superarmos a visão mágica que nos leva a acreditar, ingenuamente, num despertar espontâneo do opressor no sentido de reconhecer a violência que o mantém no poder. Isto porque o opressor se percebe generoso. Somente por meio da construção coletiva da consciência revolucionária que homens e mulheres oprimidos poderão superar os ciclos de opressão. Por isso, “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

Ângelo Oliveira é professor do IFCE/Campus Quixadá.

Foto: Arquivo Instituto Paulo Freire

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