Agnotologia, uma nova ciência que estuda a ‘produção da ignorância’ de forma intencional

Por Por Susiana Drapeau, Carta Campinas

Em algumas universidades do mundo, incluindo algumas importantes na Europa, já está se consolidando um novo ramo da ciência chamado Agnotologia. O termo foi difundido pelo historiador americano Robert Proctor, da Universidade de Stanford, em diversas palestras que ministrou em 2005. As palestras depois se transformaram no livro “Agnotologia: a construção e a desconstrução da ignorância”.

Nos últimos 20 anos, não só Robert Proctor, mas outros historiadores da ciência como Londa Schiebinger, Peter Galison e Naomi Oreskes têm investigado e conceituando esse novo ramo científico. A produção da ignorância acontece tanto de forma intencional, com o objetivo de obter vantagens, como não intencional.

De acordo com os estudos que estão se consolidando, o conhecimento científico às vezes é bloqueado, sabotado ou prejudicado intencionalmente. E isso se torna mais grave no capitalismo avançado porque há um financiamento e grandes recursos para produção da ignorância em massa, como ocorreu com o tabaco. Intenções políticas, financeiras, segredos comerciais ou militares, mas também estratégias de longo prazo destinadas a lançar dúvidas constantes sobre o conhecimento e a realidade com objetivos ideológicos e financeiros. Todo o governo Bolsonaro e o próprio presidente do Brasil são exemplos de como a produção da ignorância em parte da população produz ganhos políticos, eleitorais e financeiros, além de manter privilégios de classes intocados. Isso ficou demonstrado pela CPI da Covid, realizada pelo Senado Federal, mas começou bem antes com o Kit Gay, mamadeira de piroca e outras barbaridades.

A produção intencional da ignorância foi percebida como um ramo importante a ser estudado no final dos anos 70, quando foi revelado um estudo secreto da indústria do tabaco. Nos anos 50, após pesquisadores comprovarem que o fumo era um agente causador de câncer, os fabricantes de cigarro se reuniram em um hotel em Nova York e, em forma de cartel, iniciaram ações e pesquisas para combater o conhecimento sobre o fumo.

Durante anos, eles contestaram a ciência e produziram conteúdo falsamente científico para espalhar desinformação e incerteza sobre o conhecimento dos pesquisadores sérios de universidades. A produção intencional da ignorância promovida pela indústria do tabaco foi descoberta quando uma universidade dos EUA recebeu documentos, de forma anônima, que demonstravam como a indústria manipulava a pesquisa para promover a desinformação sobre a relação entre o cigarro e o câncer.

Não é por acaso que vários integrantes do governo Bolsonaro atacam as universidades públicas, aparelham ideologicamente com nomeação de reitores e cortam de forma drástica os recursos para pesquisadores. Aqui há duas estratégias bem marcadas: não basta produzir informações falsas, que fortalecem a ignorância, mas é preciso também desqualificar as pesquisas científicas.

O que parece ficar evidente atualmente é que grupos políticos da extrema direita no mundo todo estão usando as estratégias de grande corporações, como a do tabaco, para lançar dúvidas, provocar incertezas e produzir confusão sobre o o conhecimento científico e histórico.

O estudo precursor de Robert Proctor sobre Agnotologia partiu justamente de um memorando secreto da indústria do tabaco que caiu em domínio público em 1979 sob o nome do “O Tabagismo e a proposta de saúde”. O artigo foi escrito uma década antes pela empresa Brown & Williamson e revelou muitas das táticas empregadas pelas grandes companhias para neutralizar os esforços dos pesquisadores e do combate ao cigarro.

Depois dos cigarros, ocorreram outros grandes casos como o do bisfenol A em garrafas plásticas, que pesquisadores também associaram ao câncer e surgiram contestações dos fabricantes de garrafas plásticas. Atualmente, na área científica, o centro da produção da desinformação está ligada à morte das abelhas em todo mundo, movimento antivacina e ideias contra as evidências do aquecimento global. Na maioria dos casos, gigantescos recursos financeiros estão em jogo, induzindo a fabricação da ignorância.

Agnotologia tenta desvendar também os métodos e as estratégias de como a produção da ignorância é construída para ter credibilidade. Alguns formatos já estão bem definidos: a produção da ignorância usa de metodologia ‘aparentemente’ científica, qualitativa e quantitativa, mas injeta um ingrediente que vai deturpar a pesquisa final. Por exemplo, usar uma temperatura, uma medição, um animal, que provavelmente vai levar A outro resultado, gerando intencionalmente confusão e incerteza.

Para difundir essas informações falsas, também são usados métodos e formatos jornalísticos, de modo que a informação falsa ganhe um ar de critério jornalístico sério. Outra forma muito usada para difundir informação falsa, principalmente com a internet, é o uso de formatos humorísticos. Assim como, durante décadas, o preconceito, o machismo e o racismo foram reproduzidos pelo humor, hoje a ‘produção da ignorância’ também se utiliza desses métodos, principalmente, na política e na história.

Veja abaixo um documentário sobre o tema da DW:

https://youtu.be/frCIYEyURV0

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

Imagem: Reprodução/Flickr

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