Ano de 2022 e sua eleição se propõem como momento mais decisivo da República. Por Janio de Freitas

Diante da tragédia na Bahia, Bolsonaro mostra com clareza o descaso eleitoral que, de repente, começou a indicar

Na Folha

Salvar-se de 2022 é um desejo justo e um objetivo justificado. Desejo-lhe que os adote, estando entre os que mereçam escapar à sanha prenunciada pelos grupos, classes e interesses que fizeram nosso 2021.

Os novos anos são futuros engatilhados pelos anos antecessores. Só as surpresas são de sua autoria. E a margem para esses insondáveis deixada por 2021 insinua-se, por ora, uma via estreita. Talvez mesmo um beco sem saída.

Os acumuladores de cifrões emitem maus pressentimentos sobre a inflação crescente, embalados em sua dúplice tradição: esfalfam-se apregoando queixas da inflação e mais se esfalfam amontoando seus lucros inflacionários.

Aos efeitos da inflação junta-se o desvario do governo e da Câmara nos gastos públicos, inclusive apenas eleitoreiro, e já sabemos quem e como pagará essas contas já a partir de 2022. Governantes e economistas têm muito apego às suas tradições.

O aumento do custo de vida é sempre maior do que o índice de inflação. As correções do salário mínimo por Bolsonaro e Paulo Guedes foram todas, como agora, limitadas ao índice de inflação, sem recuperação alguma das usurpações feitas na remuneração.

Em outubro, a perda dos salários em geral, mais de 11% nos 12 meses até ali, já estava acima dos 10% com que a inflação chegou a dezembro.

Como o custo de vida sobe mais para a pobreza, a fome que fere multidões como jamais acontecera no Brasil, sem causa natural e em sua dimensão, o mínimo só pela inflação é um gerador de mais fome.

Entende-se. As armas dessas multidões não atraem Bolsonaro. São o alicate e o torno, o martelo e a tinta, a vassoura, a pá, o fio elétrico, as máquinas, são inúmeras.

Seus uniformes são o avental, o jaleco, a calça desprezível, é a roupa do suor, da graxa, da poeira, às vezes do sangue.

A estes Bolsonaro apenas os explora na crendice, na esperança como nome do desespero, na boa-fé e na raiva de tudo e todos. Nada a lhes dar para diminuir as dores do seu viver.

Os de visão mais ampla não podem saber o que esperar, na verdade, de 2022. Ainda assim, é cada vez mais encontrada a preocupação, ou o temor, de que tenhamos uma disputa eleitoral marcada por violências variadas, não excluídas as mais extremas.

Não faltam sinais nesse sentido. Mais um vem com a indiferença de Bolsonaro à tragédia das águas na Bahia. Não foi apenas a falta do dever de aparências humanitárias. Bolsonaro mostrou com clareza o descaso eleitoral que, de repente, começou a indicar.

Desistência de lutar pela permanência no poder é incogitável. Verdadeiros processos criminais que circundam a família, no todo e nas partes, podem ser inesperáveis da cúpula judiciária elitista e política.

Mas o risco é real. E, se a eleição não se mostrar como porta de fuga, impedi-la abre outro caminho.

Bolsonaro o prepara. Com aberrações cínicas, que vão dos aumentos muito acima da inflação para as já bem remuneradas Forças Armadas e polícias federais, às demissões e deslocamentos de técnicos e outros servidores qualificados, para fortalecer o dispositivo do golpismo, da arbitrariedade e da prevaricação.

O dramático é que 2022 e sua eleição propõem-se como o momento mais decisivo do Brasil na ilusória República. Não como regime político, não como sistema econômico. Como país mesmo.

A derrocada está tão vasta e é tão profunda, que um mau desfecho para o próximo mandato presidencial deverá tornar a involução e o atraso definitivamente irreversíveis.

Salve-se de 2022. E os votos de ajude a salvá-lo: é seu direito e seu dever não se permitir ser joguete das forças manipuladoras.

Destaque: Coppo di Marcovaldo, Inferno (1260-70). Fragmento de mosaico do teto do Batistério de Florença

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