Por Moisés Sarraf, Amazônia Real
O ambientalista José Gomes, mais conhecido como Zé do Lago, sua esposa Márcia Nunes Lisboa e a filha do casal, Joene Nunes Lisboa, foram encontrados mortos com marcas de armas de fogo no último domingo (9) no rio Xingu, próximo à residência da família na Ilha da Cachoeira do Mucura, no município de São Félix do Xingu, sudeste do Pará. A família atuava há 20 anos na preservação de tartarugas e tracajás (quelônios) na região. Não há pistas dos autores e da motivação do crime, segundo a Polícia Civil.
Nesta terça-feira (11), a Anistia Internacional Brasil cobrou celeridade nas investigações. “Os responsáveis pelos crimes devem ser identificados e responsabilizados de maneira célere e efetiva. O Estado brasileiro possui a obrigação de agir para conter a onda de violência e o ciclo de impunidade que se perpetuam na região amazônica e em todo o território nacional”, informa nota emitida pela organização.
“A Anistia Internacional cobrará e estará atenta às investigações que têm o dever de elucidar as circunstâncias dos assassinatos de Zé do Lago, Márcia e Joene”, destacou a nota.
Em nota divulgada, a Polícia Civil do Pará informou que um inquérito policial foi aberto para investigar o triplo homicídio contra os ambientalistas. Também disse que acionou a perícia criminal e determinou a realização de diligências em São Félix do Xingu para localizar os autores do crime. A polícia pediu apoio da população na investigação através do Disque-Denúncia (181). O caso é investigado pela Divisão de Homicídios de Marabá e o Núcleo de Apoio à Investigação de Redenção.
A Ilha da Cachoeira do Mucura fica a 90 quilômetros da zona urbana de São Félix do Xingu, município com cerca de 135 mil habitantes. O corpo de Márcia Nunes foi encontrado às margens do manancial; já os corpos de José Gomes e Joene estavam ao lado da residência da família. No local, foram encontradas cápsulas de bala. Como os corpos estavam em estado de decomposição, estima-se que os crimes tenham acontecido cerca de três dias antes de serem encontrados. São Félix do Xingu fica a aproximadamente 1.050 quilômetros de distância da capital paraense, Belém.
Em vídeo que circula nas redes sociais, do dia 10 de dezembro de 2021, Zé do Lago aparece realizando a reintrodução dos filhotes de quelônios no rio Xingu. “A gente terminamos de fazer uma soltura de quatro mil filhotes. É um projeto que é desenvolvido há 20 anos em São Félix do Xingu. E todo o ano a gente fazia esse trabalho, ou com ajuda ou sem ajuda”, diz o ambientalista no vídeo. “Eles são quelônios. Por ser um prato típico do município, da região, dos ribeirinhos, dos índios, então eles [quelônios] entraram rapidamente em extinção. Então, hoje a gente tá tentando repovoar esses quelônios no rio”, explicou Zé do Lago.
Não há pistas ainda sobre os responsáveis pelo crime e o motivo das mortes dos ambientalistas, mas a região é conhecida por conflitos territoriais e mortes de defensores da Amazônia.
Nos últimos três anos, o Pará registrou 30 mortes por conflitos de terra, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 2021. Entre os mortos estão 28 homens e 2 mulheres. A violência no campo é resultado da expansão da pecuária, da mineração, desmatamentos e dos garimpos ilegais, atividades que avançam pela floresta e veem os trabalhadores rurais e defensores como obstáculos.
O livro “Luta Pela Terra Na Amazônia” relatou as mortes registradas na década de 1980 até os processos mais recentes, como o assassinato do casal de extrativistas José Claudio e Maria do Espírito Santo, em 2011, após terem denunciado ilegalidades que aconteciam no assentamento em Nova Ipixuna, também no sudeste do Pará..
Segundo a 3ª edição do Índice de Progresso Social, o IPS Amazônia 2021, liderado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), São Félix do Xingu é a segunda cidade que mais desmatou na Amazônia desde o ano de 2018 até 2021, ficando com o 10º pior Índice de Progresso Social, com 52,94. Lidera o IPS a cidade de Pacajá (PA) com 44,43 pontos.
Repercussão e nota de pesar
Ainda na segunda-feira, o deputado estadual Carlos Bordalo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Pará, solicitou informações ao governo do Pará sobre os assassinatos.
Procurada pela reportagem da agência Amazônia Real, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará não respondeu até a publicação desta matéria.
A Prefeitura de São Félix do Xingu emitiu nota de pesar lamentando “a partida repentina do nosso amigo e parceiro do Projeto Quelônios, o Zé do Lago, sua esposa Márcia Nunes, e sua filha Joana Nunes. A Prefeitura se solidariza com a dor da família e amigos”.
Veja o vídeo com a ação dos ambientalistas:
Defensores das tartarugas
Ambientalistas como Zé do Lago não são raros nesta parte da Amazônia Oriental. Em 2018, a jornalista Eliane Brum relatou a luta pela proteção dos quelônios no Tabuleiro do Embaubal, na bacia do rio Xingu, no Pará. “O Tabuleiro do Embaubal é um espaço que, à primeira vista, faz o mundo parecer bom. À primeira vista, ele é só lindo. E habitado por espécies que conversam sem atrapalhar o silêncio”, disse a jornalista em reportagem especial da Amazônia Real.
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Imagem: As vítimas, encontradas com marcas de tiros, atuavam na preservação dos quelônios no rio Xingu, região reconhecida por conflitos e alta dos desmatamentos na Amazônia (Foto: Reprodução das redes sociais)