“Racismo é crime e como crime deve ser tratado”

Defensoria Pública do Estado do Ceará

A Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) promoveu na última sexta-feira (6/5) o workshop “Racismo e política de igualdade racial” destinada a defensoras (es), colaboradoras (es) e estagiárias (os). A capacitação foi facilitada por Zelma Madeira, uma das mais renomadas pesquisadoras do tema no Ceará.

“A gente reivindica uma política de reparação por um passado criminoso que foi a escravidão. Não queremos sentimento de pena, queremos acessar nossos direitos. A gente quer acessar as políticas públicas, que são respostas às desigualdades. São estratégias para a superação de questões sociais. Política afirmativa é para resolver um problema. Qual o problema? Racismo”, introduziu a palestrante, que é doutora em sociologia e assessora especial de acolhimento aos movimentos sociais do Governo do Estado.

Defensora geral do Ceará, Elizabeth Chagas enalteceu a implementação de cotas raciais nos concursos e nas seleções da instituição, a primeira do sistema de justiça cearense a fazê-lo. A política afirmativa foi estabelecida em lei e já está em vigor. Ela ressaltou também a importância de o Ceará ter uma legislação própria como marco legal de reparação a negros e negras. A norma estadual entrou em vigor em 25 de março de 2021.

“Tem que ter uma institucionalização das cotas para que ninguém as tire. Ou para que seja vergonhoso tirar. A gente sabe que vão vir recursos e mandados de segurança. Mas a gente vai construir isso em conjunto para que dê certo, porque é muito fácil a gente esquecer a nossa história e dizer que todos temos as mesmas oportunidades. Não temos! Quando você olha para os presídios, quem está lá são, em maioria, negros e negras. Na minha sala na faculdade, nenhum aluno era negro. Se as oportunidades são as mesmas, então por que os negros não passam? Sabemos que não é isso e sim reflexo do racismo estrutural, algo que temos que discutir inclusive dentro da família. Na minha própria casa, eu reconheço episódios racistas. Nós precisamos assumir nossas culpas para reconstruir a história. Temos uma dívida com as populações negra e indígena, enquanto sociedade, e temos que pagar essa conta. A gente tem muito a evoluir”, afirmou Elizabeth Chagas.

Segundo Zelma, a implementação de cotas raciais dialoga com a reivindicação histórica dos movimentos sociais pelo acesso de negras e negros em concursos públicos e ao ensino superior. Ela defendeu que a temática seja amplamente discutida com operadores do Direito para evitar a judicialização das políticas afirmativas, que têm sido atacadas ideologicamente e quando o trabalho das bancas de heteroidentificação é questionado.

“A Defensoria, ao implementar cotas, terá um espaço mais diverso e menos monocromático. É um compromisso. Um compromisso que se vê também quando a Defensoria lutou para que a lei estadual não fosse alterada. A Defensoria Geral esteve lá, disse que iam ficar juntos conosco e ficou. Precisamos de mais operadores do Direito negros e mais operadores do Direito sintonizados com a causa antirracista. Só assim vamos rebater isso de que nossa reivindicação é ‘mimimi’, vitimismo ou assistencialismo. O racismo cria um imaginário. E imaginários não são mentira. Pelo contrário. Deixam uma herança”, pontuou a pesquisadora.

Para a diretora da ESDP, defensora Ana Mônica Amorim, o fato de a Defensoria garantir a realização de bancas de heteroidentificação mostra o compromisso da instituição com a causa antirracista. “Todos os nossos concursos e as nossas seleções têm bancas, que são soberanas e compostas por pessoas extremamente capacitadas na execução desta política pública. E a professora Zelma Madeira cumpriu papel essencial neste processo.”

Ela refere-se ao fato de Zelma ter acompanhado a implementação das cotas raciais na DPCE desde o início das discussões e articulações, em 2020. Um tema que, na opinião da diretora do Núcleo de Estágio da instituição, defensora Camila Vieira, não é transversal e sim essencial à dinâmica da Defensoria. “Isso está na base do que é a Defensoria, porque essa é uma política que incide diretamente no público que nós atendemos, que é, em maioria, o público negro. Mas nós não estamos aqui só pra ouvir a professora. Vamos reverberar o que ouvimos na nossa instituição e na sociedade para diminuirmos essa segregação tácita.”

Por isso, é fundamental que mudanças ocorram em várias frentes. “Quando a gente fala de racismo, não é ‘coisa de negro’. Temos uma abolição inacabada, com uma escravidão que se recria e nos desumaniza. Desumanizado, eu não tenho como acessar direitos. E quem descende de África sempre foi tido como macaco. Chamar de macaco é desumanizar. Por isso, a solução do racismo não está com os negros. É um problema nosso. Coletivo. Enquanto tiver racismo, não vamos ter paz. O racismo é sempre estrutural, inerente à ordem social. Mas racismo é crime e como crime deve ser tratado. Não pode chamar de macaco? Não pode. É crime! E o povo negro sempre lutou pela negritude, de que é bom ser negro”, finaliza Zelma Madeira.

Para assistir ao workshop na íntegra, clique aqui.

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