A “austeridade” fiscal terá de ser superada. O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde apresenta proposta de reforma que aponta caminhos para garantir os recursos necessários para realizar o SUS previsto na Constituição de 88
Por Gabriela Leite, em Outra Saúde
De que maneira será possível reverter o desfinanciamento do SUS, acelerado com as medidas de “austeridade” fiscal, em um possível novo governo democrático? Uma proposta de nova política de financiamento do Sistema Único de Saúde foi apresentada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), na última terça-feira (30/5).
Tal reforma começaria com a revogação do teto dos gastos (EC-95) e de outros dispositivos que estrangulam apenas os investimentos sociais. Depois, criaria espaço no orçamento para recursos com efeito redistributivo – taxando lucros, dividendos e grandes fortunas; extinguiria o orçamento secreto e reconfiguraria o orçamento federal de maneira equânime. O orçamento resultante seria destinado principalmente à Atenção Primária, porta de entrada da população no SUS, e ao fortalecimento de um Complexo Econômico Industrial e Digital da Saúde.
O projeto é da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) e foi apresentado por seu vice-presidente, Francisco Funcia. O evento virtual foi uma contribuição à Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, que acontece até agosto. Além de Funcia, o encontro contou também com as contribuições e questionamentos do economista Eduardo Fagnani, da Unicamp, de Lúcia Souto, presidente do Cebes, e de José Noronha, diretor da entidade, que fez uma mediação provocadora.
“Diante de um cenário de crise econômica, os gastos com saúde devem ser diminuídos?”, questionou Funcia. A proposta da ABrES parte do princípio de que a emenda constitucional do teto de gastos aprofundou a crise do sistema de saúde público sem deixar de enriquecer a elite financeira. “O teto de gastos é um mecanismo para romper com o pacto de 1988”, declarou Fagnani em sua fala, concordando com Funcia e relembrando a estupidez da discussão que travamos enquanto governos pelo mundo ampliam seus gastos para enfrentar a crise sanitária.
Superado o regime fiscal atual, o ABrES projeta três objetivos principais: inverter o cenário atual, em que os gastos privados com saúde representam quase 60% do total; aumentar a participação do gasto federal no setor público – que caiu nas últimas duas décadas e já não representa nem metade do total; garantir o crescimento do investimento federal per capita ao longo dos próximos anos – criando uma rede de segurança para estados e municípios em momentos de crise de arrecadação.
Para cumprir esses objetivos não basta revogar leis: é preciso criar novos parâmetros do que é financiamento justo para o SUS. O cálculo usa como ponto de partida a média da despesa com saúde entre 2020 e 2022, anos de crise sanitária em que o teto foi contornado – e, surpresa, o Estado não quebrou, ao contrário do que diziam economistas da ortodoxia neoliberal. A ABrES também levou em conta o envelhecimento da população e o crescimento da inflação para defender que, até 2032, a porcentagem mínima do PIB gasta com saúde passe dos 1,6% que registramos em 2021 para até 3%. O gasto per capita saltaria de R$ 649 a até R$ 1.366.
Para tanto, Funcia prevê que será necessária uma PEC emergencial, a ser aprovada em 2023, que autorize o gasto extraordinário fora das regras de “austeridade”.
Questionado por Fagnani sobre se essa proposta pode ser politicamente fraca por tratar apenas de saúde, deixando de fora gastos sociais igualmente congelados, como educação e seguridade social, Funcia enfatiza: “Queremos que a saúde seja o gancho para uma discussão ampliada de porque precisamos mudar a política econômica”.
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