Processo de desintrusão da Terra Indígena Krikati ganha força após pedido de liminar do MPF/MA

O pedido de liminar foi protocolado após envio de ofício do Cimi, com relatório elaborado pelas lideranças do povo Krikati, a partir do monitoramento ambiental realizado por eles

POR JESICA CARVALHO, ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL MARANHÃO

Em junho, geralmente, na região Sudoeste do estado do Maranhão, os dias amanhecem com neblina. No decorrer do dia, o sol intensifica seus raios e o vento forte acalma o calor constante. Neste clima ameno, mais um passo para vida em liberdade e garantia do Bem Viver foi dado pelo povo Krikati.

No dia 3 de junho, o Ministério Público Federal (MPF) do Maranhão protocolou, junto à Justiça Federal de Imperatriz (MA), pedido de liminar, após envio de ofício do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, com relatório elaborado pelas lideranças do povo Krikati, a partir de informações do monitoramento ambiental realizado entre os dias 20 e 23 de janeiro de 2022. “Foi feito um diagnóstico, pelas lideranças, junto com a equipe da Funai [Fundação Nacional do Índio], fizeram uma andança, vendo o local, diagnosticando, fotografando e foi feito o relatório”, explica Lourenço Krikati, liderança do povo.

Com base no relatório e nas tratativas já realizadas em relação à ocupação da Terra Indígena (TI) por não indígenas, o MPF/MA considerou a conciliação uma alternativa inviável para o processo de desintrusão do território. “As circunstâncias atuais indicam que a tentativa de solução consensual do litígio não é viável, especialmente considerando-se o transcurso de quase 05 (cinco) anos desde a instauração do processo e mais de 03 (três) anos desde a determinação de realização de audiências de conciliação, sem que sequer tenham sido designadas até o momento”, diz trecho do pedido de liminar protocolado pelo MPF/MA.

“Foi feito um diagnóstico, pelas lideranças, junto com a equipe da Funai, fizeram uma andança, vendo o local, diagnosticando, fotografando e foi feito o relatório”

“Conciliar não é a solução para a situação, pois estamos tratando de um território já plenamente identificado, demarcado e regularizado. Concretizar a retirada dos ocupantes não indígenas e dar o devido tratamento para os ocupantes de boa-fé como ordena a legislação é o que se espera que a justiça determine. A Constituição Federal nos seus artigos 231 e 232 é clara quanto ao direito territorial dos indígenas: terra da União para usufruto exclusivo para os indígenas e a nulidade de qualquer tipo de documento que esteja sobreposto ao referido território”, acrescenta Lucimar Carvalho, assessora jurídica do Cimi, Regional Maranhão.

“Para nós, a liminar, principalmente com o pedido de anulação da conciliação, é muito importante, porque isso não existe, para nós não tem condição. O processo de desintrusão tem que ser mais rápido, porque a gente tá sofrendo, aqui, ameaças dos não indígenas, com desmatamentos, exploração do território com maquinários”, aponta André Cerqueira Guajajara, liderança de seu povo.

“O pedido de anulação da conciliação, é muito importante, porque isso não existe, para nós não tem condição, a desintrusão tem que ser mais rápido, porque a gente tá sofrendo”

O conceito jurídico de Terra Indígena, construído pelo artigo 231, da Constituição Federal, reconhece aos indígenas seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo à União fazer a demarcação dessas terras como forma de proteger os seus bens. Se a teoria apresenta a via legal para a proteção dos territórios tradicionais, na prática essa garantia é negociada por interesses políticos e econômicos dos não indígenas sobre o destino dessas terras, que é o caso do território em disputa entre o povo Krikati e fazendeiros no sudoeste do Maranhão. A morosidade na resolução do processo de regularização fundiária da Terra Indígena Krikati, tem causado insegurança aos indígenas

Nesse caso, a TI Krikati, demarcada e homologada desde 2004, localizada nos municípios de Montes Altos, Amarante do Maranhão, Lajeado Novo e Sítio Novo (MA), ainda sofre com a presença de invasores não indígenas, ameaçando a natureza e os modos de vida do seu povo originário. Com o pedido de liminar do MPF/MA, que solicita o cancelamento das audiências de conciliação e a retomada, com urgência, o trâmite do processo de desintrusão da Terra Indígena Kritati, a Ação Civil Pública ganhou forças para a retirada desses ocupantes e assegurar ao povo Krikati o aproveitamento exclusivo sobre o seu território.

“Constituição Federal, reconhece aos indígenas seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo à União demarcação e proteger os seus bens”

Entenda o caso

Desde setembro de 2017 o processo de desintrusão está paralisado, a partir da determinação da Justiça em realizar audiências de conciliação entre os envolvidos, situação que não avançou e que agravou as invasões sobre o território, além da expansão de áreas cultivadas pelos não indígenas, construção de novas casas, cercamento de áreas que inibem o trânsito dos indígenas em seu próprio território, retirada dos marcos de demarcação do território, ameaças constantes contra os indígenas; entre outras situações constantes vivenciadas pelo povo Krikati. O aumento do desmatamento também foi um fato constatado a partir de vários autos de infração emitidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“Outra situação que é a consequência dessa continuidade de não indígenas no território, é a busca, junto aos órgãos de gestão territorial, como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, de certidões e declarações, cujo objetivo é, supostamente, legitimar a posse que está desde seu início., sendo ilegítimas. Desse modo, vários Cadastros Ambientais Rurais (CAR) foram expedidos, solicitados sobrepostos ao território indígena legalizado e que devem ser devidamente anulados pelos órgãos que os expediram”, destaca Lucimar Carvalho.

André Krikati expõe a situação da TI com a presença dos posseiros. “Hoje, se você entrar no território Krikati, você vê as pessoas que voltaram e se apossaram, usando o nome do juiz, falando que os advogados orientaram eles a voltarem e com isso tem desmatamento, construção de casas novas e os indígenas não podem chegar nesses locais para tirar um fruto para comer, porque eles não deixam”, aponta.

“Nós queremos o mais rápido possível a retirada dos invasores que estão dentro da área, não queremos conflito”

O Cimi, Regional Maranhão esteve no território Krikati e, juntamente com as lideranças, discutiram a situação do território e os desdobramentos jurídicos desta Ação Civil Pública proposta pela Funai, em 2017, que tramita na Justiça Federal de Imperatriz (MA). Tal ação recebeu manifestações que devem ser devidamente analisadas pelo juízo, como o pedido de ingresso do Cimi Regional Maranhão, como “Amicus Curiae”, para fornecer subsídios às decisões em relação ao processo.

Também, foi pedido o ingresso à ação da Associação Vyty Cati das Comunidades Indígenas Timbira do Maranhão e do Tocantins, como “assistentes litisconsorciais”, além da Defensoria Pública da União (DPU) que solicitou, do mesmo modo, ingresso na referida ação, com pedido de liminar para que haja a desintrusão dos ocupantes não indígenas da TI Krikati.

Mozart Krikati relata a importância do processo de desintrusão do território para o seu povo. “Nós queremos o mais rápido possível a retirada dos invasores que estão dentro da área, não queremos conflito, e queremos que tudo se resolva pacificamente, dentro da lei”, destaca, acrescentando que os não indígenas que interferem no cotidiano de seu povo. “Precisamos dos órgãos que atuam pela causa dos indígenas que nos ajudem, pois com esse governo está tudo muito difícil para a gente resolver”, finaliza.

Precisamos dos órgãos que atuam pela causa dos indígenas que nos ajudem, pois com esse governo está tudo muito difícil para a gente resolver”

Histórico da Terra Indígena Krikati

A Terra Indígena (TI) Krikati foi homologada por meio de Decreto Presidencial, em 27 de outubro de 2004, com limite total de 144.675 hectares. O ato presidencial reconhece, juridicamente, a Terra Indígena e torna nulo quaisquer atos que tenham por objetivo a ocupação, o domínio e a posse desse território. Com a demarcação e a homologação, foi garantida a posse permanente da TI ao povo Krikati e, consequentemente, o seu usufruto exclusivo por eles. Entretanto, o último direito garantido pelo Decreto Presidencial, vem sendo desrespeitado, uma vez que a terra, até os dias atuais, ainda está ocupada por moradores não indígenas.

“O cadastramento dos não indígenas, que se encontravam dentro da TI, aconteceu em 1989, período que ocorreu, simultaneamente, perícia antropológica. Na época, foram cadastradas 589 posses, em um total de 1.131 famílias e 6.930 pessoas. Dessas 589 posses, 263 instalaram-se no território, após a suspenção da demarcação administrava por ação judicial movida pelos fazendeiros, isto é, quando a terra se encontrava sub judice, o pode ser considerado má-fé dos ocupantes não indígenas”, pontua Gilderlan Rodrigues, da Coordenação colegiada do Cimi, Regional Maranhão.

“Terra Indígena Krikati foi homologada por meio de Decreto Presidencial, em 27 de outubro de 2004”

Assim, em 1999, o MPF/MA ajuizou uma Ação Civil Pública, de Nº. 99.1325-4, contra a Funai e a União para pedir a nulidade do ato administrativo, pois há um descompasso entre a Portaria Declaratória de 1992 e o Decreto Homologatório de 2004, no que se refere ao tamanho da TI Krikati. A primeira limita a área em 146.000 hectares e a segunda em 144.675 hectares.

Em 2012, o Memorando Nº 014/CP e a Portaria de nº 562/DAGE/ 2012 noticiam a permanência, até o ano de 2012, de ocupantes não indígenas na TI, ocorrendo, inclusive indenizações pendentes de pagamento. Diante da morosidade da retirada destes ocupantes, o MPF/MA, em abril de 2013, recomenda à Funai que conclua o processo de regularização fundiária da Terra Indígena Krikati, no prazo máximo de um ano, com a completa retirada dos moradores não indígenas do território e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que dê prioridade ao respectivo reassentamento destes ocupantes TI Krikati.

“Os indígenas alertam para a insegurança física e cultural a que ficaram expostos com a decisão da juíza”

“A juíza responsável pela decisão, desconhecedora dos diversos relatórios de identificação e delimitação de área da terra Krikati e as diversas sentenças já expedidas pelos juízes garantindo a posse permanente da terra indígena Krikati, deferiu sentença a favor dos fazendeiros”, destaca Gilderlan Rodrigues.

Desse modo, o povo Krikati, como forma de protesto contra a decisão da juíza Diana Maria Wanderley da Silva, elaborou uma “Carta Aberta” endereçada os movimentos indígenas, indigenistas e aos órgãos competentes do poder público solicitando a revogação imediata da referida liminar, com base principalmente no argumento de que os títulos de propriedade dos fazendeiros que incidiram na ação judicial que eles moveram contra a Funai já haviam sido julgados com parecer favorável a seu povo. Eles alertam, ainda, sobre a insegurança física e cultural a que ficaram expostos com a decisão da juíza visto a coexistência deles com moradores não indígenas dentro de seu território. Em agosto de 2014, juiz federal Walisson Gonçalves Cunha, da 1ª Vara de Imperatriz, Maranhão, anula a decisão de suspensão da juíza referente à retirada dos moradores não indígenas da TI Krikati.

Formação sobre Direitos Indígenas com as lideranças do povo Krikati. Foto: Gilderlan Rodrigues/ Cimi Regional Maranhão

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