TikTokers evangélicos apoiam Bolsonaro, enquanto Lula tenta conquistar jovens cristãos

Influenciadores que atingem milhões com conteúdo cristão foram arregimentados para campanha bolsonarista no início do ano. PT abriu perfis para jovens evangélicos em agosto

Por Mariama Correia, Nathallia Fonseca, Agência Pública

Vídeos com cortes rápidos, trilha sonora animada, dancinhas e conteúdos viciantes de fácil viralização. O TikTok é uma plataforma de massas – que bateu 1 bilhão de usuários ativos no mundo em 2021, sendo o Brasil o país que mais usa a ferramenta -, mas também de nichos, graças a um algoritmo de recomendação eficaz em personalizar a oferta de conteúdos a partir dos interesses do usuário.

Uma fatia específica do público da plataforma, a de TikTokers evangélicos, está em disputa nessas eleições. São influenciadores que publicam conteúdos cristão para milhões de jovens fiéis, muitos deles eleitores de primeira viagem. Como a plataforma não permite conteúdo político pago, as campanhas tentam mobilizar engajamento espontâneo.

A campanha de Lula (PT) lançou recentemente dois perfis direcionados para evangélicos no TikTok, dentro de um pacote de 12 redes sociais com foco nesse segmento religioso. Embora esteja à frente nas pesquisas, entre os evangélicos Lula tem 27% das intenções de voto contra 51% de Bolsonaro, de acordo com levantamento da Genial/Quaest publicado no último dia 31/08.

O sociólogo e pesquisador Rafael Rodrigues, que estuda a relação entre religião e classe social no Brasil, pontua a relevância da camada mais jovem dentro desse eleitorado, já que dois terços dos evangélicos brasileiros têm entre 15 e 44 anos. “É uma religião de juventude muito atuante”, diz. “Nas últimas eleições, 70% do eleitorado evangélico votou em Bolsonaro no segundo turno, quando em outras camadas religiosas tudo apareceu meio empatado. Isso diz muito sobre a afinidade do evangélico com a direita”.

Embora seja uma das grandes apostas da campanha, os perfis de Lula para os evangélicos no TikTok ainda não publicaram conteúdos e tinham aproximadamente 20 seguidores cada, até a publicação desta reportagem. “Estamos investindo tempo e articulação para, no curto prazo, lançarmos a plataforma na sua plenitude”, explica o teólogo, pastor presbiteriano e assessor nacional de movimentos populares e políticas setoriais do PT, Luis Sabanay. Ele diz que “há milhares de conteúdos espontâneos sendo veiculados a favor do Lula no meio evangélico presente no TikTok. “Nós queremos manter esse caráter espontâneo e popular na campanha”, comentou.

Campanha de Lula (PT) lançou recentemente dois perfis direcionados para evangélicos no TikTok – Reprodução

No entanto, pesquisa recente sobre “TikTok e Polarização Política no Brasil”, do coLAB mostra que políticos de esquerda tendem a receber menos visualizações nos conteúdos publicados na plataforma e baixo engajamento, enquanto políticos de direita dialogam mais com as trends (tendências) da plataforma, usam referências de humor e entretenimento, e têm maior presença no TikTok. “Há quase duas vezes mais políticos de direita no TikTok em relação ao número de políticos de esquerda”, diz o pesquisador Viktor Chagas, um dos autores do relatório.

TikTokers no Planalto

A campanha de Bolsonaro (PL) não lançou perfis oficiais para evangélicos nas redes sociais, mas o engajamento com a comunidade TikToker cristã conservadora já vinha sendo reforçado antes da campanha. Em abril, o presidente recebeu no Palácio do Planalto, ao lado da primeira-dama Michelle, um grupo com 40 influenciadores evangélicos, muitos deles com milhões de seguidores. Eles tomaram café da manhã, fizeram orações e um bate-papo com o presidente.

Os jovens e adolescentes – com idades entre 16 e 20 e poucos anos – formam o grupo “O Retiro”, que exibiu um reality show gospel no Youtube com mais de um milhão de visualizações e se promove como “o maior encontro de influenciadores cristãos do mundo”. As programações são financiadas por empresas privadas, das quais a maioria (as patrocinadoras ORbank, Compralo, Publysh, Destinatarie e a realizadora Signature Films) estão vinculadas ao empresário Francisley Valdevino da Silva, ex-sócio da Central Gospel, uma editora de livros e produtos gráficos de pastor Silas Malafaia, líder da neopentecostal Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Malafaia é apoiador de Bolsonaro e teve o nome citado em relatório preliminar da CPI das Fake News como participante de um núcleo criado para espalhar desinformação ligado ao governo, mas não foi indiciado. Francisley, conhecido como ‘Sheik do Bitcoin’, é investigado pela Polícia Federal por suspeita de crime contra o sistema financeiro nacional e acusado de coordenar esquema de pirâmide. A sociedade com Silas foi rompida após as investigações.

O grupo “O Retiro” é liderado por Guilherme Batista, de 32 anos, missionário da Assembleia de Deus, em Goiânia. Guilherme é um pastor descolado, que prega para plateias lotadas de adolescentes e tem uma grife de roupas para o público gospel chamada ‘Marka do Céu’. Ele é próximo a nomes ‘pop’ do meio evangélico conservador, como o pastor André Valadão, da igreja Batista da Lagoinha e o candidato a deputado federal Nikolas Ferreira (PL).

Guilherme Batista postou vídeo nas redes sociais pedindo para que os jovens tirassem o título de eleitor – Reprodução

Antes de levar os participantes do “O Retiro” para o encontro com Bolsonaro, Guilherme postou um vídeo no seu Instagram, incentivando jovens e adolescentes a tirarem o título de eleitor. Nikolas, Valadão e outros influenciadores participam do vídeo. “Não permita que quem já nos fez sofrer um dia volte ao poder”, diz um trecho, que termina com o bordão bolsonarista “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Depois do encontro com o presidente, os influenciadores passaram a disseminar conteúdos espontâneos, gravados no Planalto. O perfil oficial do grupo, que tem mais de 300 mil seguidores, postou uma sequência onde os integrantes do “O Retiro” descrevem Jesus Cristo. Ela termina com Bolsonaro dizendo que Jesus é o “senhor da nação”. A peça teve 238,7 mil visualizações, 51,8 mil curtidas e mais de mil encaminhamentos no Whatsapp. No seu perfil pessoal, que tem mais de 900 mil seguidores, o pastor Guilherme Batista repostou o vídeo e recebeu quase 30 mil curtidas.

Conservadores e candidatos 

Entre os influenciadores evangélicos conservadores no TikTok há jovens que tentam vagas na política nacional este ano. Com perfis de apoio no TikTok e 2,8 milhões de seguidores no Instagram, Nikolas Ferreira é o mais famoso entre eles. Aos 26 anos, o candidato a deputado federal pelo PL-MG foi o segundo vereador mais votado de Belo Horizonte em 2018.

Aliado do presidente Jair Bolsonaro, Nikolas defende bandeiras como o combate à ideologia de gênero e ao aborto, além da facilitação do porte de armas. É possível encontrar nas redes de Nikolas informações sobre o curso “Cristão e a Política”, oferecido pelo mineiro e que diz, em um vídeo institucional, “preparar o eleitor para a guerra contra a esquerda”.

Outro nome conhecido entre os jovens de direita é a Ingred Silveira, de 22 anos, integrante do Retiro e candidata ao cargo de Deputada Estadual pelo PL no Rio de Janeiro. Ela postou um vídeo do encontro com Bolsonaro no qual pergunta “qual foi a maior experiência dele com Jesus?”. O presidente respondeu “2018”, ano em que sofreu o atentado à faca. Ingred tem um milhão de seguidores no TikTok. O post dela com Bolsonaro recebeu 150,3 mil visualizações e 15,8 mil curtidas. Nas redes, ela se descreve como “cristã, conservadora e antifeminista”.

Ao lado do ator cearense de 16 anos Luiz Senna, que também faz parte do Retiro e tem 425 mil seguidores no TikTok, Ingred fez uma foto segurando armas de fogo. “Um filho de Deus tem o DEVER de AMAR e DIREITO de PROTEGER sua vida e sua família”, postou Luiz no Instagram. Luiz também postou uma cena do culto realizado pelo grupo no Palácio do Planalto. Conseguiu 313.8 mil curtidas, mais de 9 mil comentários e 20,4 mil compartilhamentos.

A influenciadora Beatriz Fernandes sofreu pressão para declarar voto em Bolsonaro – Reprodução

Influenciadora denunciou uso político da religião e sofreu retaliações

Entre os integrantes do grupo de influenciadores evangélicos “O Retiro”, há relatos de retaliações para quem não possui posicionamento político alinhado ao presidente. Convidada a participar da visita ao Palácio do Planalto, em abril deste ano, a influenciadora Beatriz Fernandes, que se identifica apenas como “Bea” nas redes, disse ter sido “convidada a deixar o grupo” após a publicação de um vídeo no qual critica o presidente.

Em um vídeo, a adolescente explica que participou do passeio por ser uma forma de conhecer o Palácio e uma oportunidade única de dialogar com governantes, mas afirmou não concordar com o uso político da palavra de Deus. O episódio repercutiu na imprensa. Após a divulgação do vídeo, Beatriz disse ter sido “tratada de uma forma que ninguém, especialmente no meio cristão, deveria ser”.

“Fui chamada de mau caráter, oportunista e coisas desse tipo, inclusive por uma pessoa do grupo que está se candidatando a Deputado”, contou a jovem à Agência Pública, escolhendo não citar o nome do político. Beatriz também afirmou que há um tipo de controle sobre o voto dos participantes do “O Retiro”.

“Guilherme [Batista, pastor e líder do grupo] disse que a partir do momento que fazemos parte do grupo, temos que concordar com o que se acredita. Anteriormente a esse caso do vídeo, ele já havia pedido para os participantes fazerem uma lista, colocarem seus nomes e qual candidato iriam votar”, disse.

A influenciadora também contou que, após sofrer críticas e ataques, desistiu de falar. “Não importa o que você diga, ou as evidências que traga de que o governo do Bolsonaro foi prejudicial à população e ao país em diversos aspectos. As pessoas continuam a defender cegamente, principalmente alguns cristãos, porque o que os fez acreditar que Bolsonaro é um candidato em que todos os cristãos devem votar é a crença que a esquerda é algo ‘demoníaco’ e quem vota nela não é cristão de verdade”.

Beatriz reforça que, embora o debate político seja importante, não acredita em abordagens que utilizam o nome de Deus para obter votos. “Não quero compactuar com estratégias políticas que usam o nome do evangelho”.

Por nota, o pastor Guilherme Batista, líder d’O Retiro disse que “grande parte meus influenciadores gostam de Bolsonaro, votam no Bolsonaro, mas ali eu não escolhi ninguém por partido político. Dei a opção de cada um deles irem [ao encontro com o presidente] para tirarem as próprias conclusões”. O pastor negou que tenha feito perguntas sobre votos dos participantes do grupo e/ou partido político, mas disse que “uma das coisas mais especiais no Retiro são pessoas que se posicionam na área política”.

“Nessas eleições temos a Ingred e o Fuinha (Robson Calabianqui, candidato pelo PL), que se candidataram pelo RJ e por SP. Nosso grupo não é político, é um grupo de evangelismo pra levar a mensagem de Cristo. Mas como influenciadores, nós precisamos nos posicionar não por esse ou aquele candidato, mas pelos valores cristãos que a gente acredita”, completou.

Sobre o caso da influenciadora Bea, o pastor disse que “o que foi triste em toda a situação, não foi ela tirar as próprias conclusões. O que foi triste é que quando você vai na casa de alguém que você não gosta, você não sai postando, criticando nas redes sociais. Isso não é posicionamento político, é antiético. A retaliação que ela sofreu, que ela pode dizer que sofreu no grupo, foram pessoas que falaram ‘isso aí não acontece em todo lugar do mundo’. Eu como líder precisei me posicionar em rede social sobre isso”.

Direita engaja mais do que a esquerda no TikTok, diz pesquisa

Para o pesquisador Viktor Chagas, há dois fatores que mobilizam audiência no TikTok por parte do segmento evangélico. “Primeiro, o TikTok é naturalmente muito propenso à presença de micro influenciadores – não necessariamente aqueles que arrebatam multidões, mas que têm uma quantidade razoável de seguidores e atendem um público de nicho, por sua dinâmica de segmentação que advém de um conjunto de mecanismos da própria plataforma”. Viktor avalia que esses mecanismos se aliam com a dinâmica de lideranças religiosas. “É como se ali cada um tivesse um próprio rebanho”, diz.

Outro ponto, na visão do pesquisador, é que o TikTok favorece uma linguagem que por um lado é apolítica, mas por outro tem “um caráter de sociabilidade” que favorece conteúdos motivacionais. “Alguns conteúdos não são políticos de modo restrito, mas são pílulas do cotidiano. Uma quantidade bastante razoável de influenciadores atuam dentro dessa dinâmica, para conformar um certo imaginário de valores morais e de leituras sociais”, completa.

O TikTok não respondeu às perguntas da reportagem.

Após a publicação da reportagem, o TikTok enviou a seguinte nota: “Tanto os anunciantes quanto o conteúdo do anúncio devem seguir nossas Diretrizes da Comunidade, Política de Anúncios e Termos de Serviço e o conteúdo que violar essas políticas vai ser removido. Conteúdo político é permitido, desde que siga as nossas Diretrizes da Comunidade e seja conteúdo orgânico, ou seja, que não tenha um patrocínio ou promoção paga”.

Imagem destacada: Ingred Silveira e Luiz Senna, integrantes do Retiro – Reprodução

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