Faixa pró-Bolsonaro erguida por dois indígenas durante Kuarup foi “desrespeito”. Povos do Xingu negam apoio a presidente

Carlos Bolsonaro postou vídeo em rede social e chamou ato de ‘indiociata’.

Por Rogério Júnior e Pedro Mathias, g1 MT

Depois que uma faixa com a foto do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) foi mostrada em uma cerimônia registrada em vídeo postado nas redes sociais, lideranças indígenas do Xingu, em Mato Grosso, negaram apoio ao atual presidente e disseram que o ato foi feito por duas pessoas por decisão pessoal, sem comunicar os demais presentes.

Na quarta-feira (31), o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, filho do candidato, postou o vídeo em um de seus perfis e chamou o ato de “indiociata”. Na legenda, também escreveu “O Ladrão agora desmaia e nem adianta garrafinha d’água.”

O vídeo tem 56 segundos e mostra os indígenas em uma roda, caminhando e gritando, enquanto pessoas assistem. Em um dado momento, dois deles abrem uma faixa com a bandeira do Brasil, a foto de Jair Bolsonaro e a frase “Meu partido é o Brasil”. Do outro lado, “Bolsonaro 2022”.

Até as 20h de sexta-feira (2), o vídeo tinha 314 mil visualizações e 42,2 mil curtidas.

A Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX) emitiu uma nota de repúdio após a publicação de Carlos Bolsonaro. Segundo os indígenas, os políticos e seguidores do atual Presidente da República se aproveitaram de forma desonesta do momento de celebração do ritual sagrado do Kuarup. Além disso, a associação disse que os mortos ali representados foram vítimas de Covid-19.

Kuarup

Segundo o cacique Takumã Kuikuro, o ritual mostrado no vídeo é o kuarup e ocorreu nos dias 20 e 21 de agosto na Aldeia Mehinaku, no Alto Xingu, norte de Mato Grosso. A cerimônia homenageia lideranças indígenas que morreram.

“Todo mundo acha, por causa disso [da postagem do vereador], que o povo do Xingu está apoiando Bolsonaro. Na verdade, não é isso. Ninguém está apoiando o governo Bolsonaro”, disse o cacique ao g1.

Segundo Kuikuro, os dois indígenas que fizeram a manifestação se aproveitaram da cerimônia para usar o nome dos povos presentes.

“Tem povo kuikuro, aweti, mehinako, kalapalo, nafuka, matipu, que não apoiam esse governo do Bolsonaro. Wauja também”, acrescentou.

Desrespeito

A cerimônia filmada homenageava a mãe da ativista do movimento indígena Watatakalu Yawalapiti. Ela era pajé de um dos povos presentes.

Em mensagem enviada ao g1, a ativista escreveu que estava muito triste com a manifestação pró-governo. Segundo ela, a mãe morreu de Covid-19.

“Quero lembrar aqui que minha mãe poderia estar viva se o Bolsonaro e o Dsei [Distrito Sanitário Especial Indígena] Xingu não tivessem negado a vacina para ela. Eu vi esse ato de carregar o cartaz do Bolsonaro como comemorar a morte da minha mãe”, disse.

Também na mensagem, ela relembrou que o kuarup, segundo ela, é um momento coletivo para “cuidar de todos”.

“Deixei de lado meu ativismo para cuidar do kuarup da minha mãe junto com os meus tios e minha irmã. Nunca desrespeitei o kuarup dos outros, nunca minha família desrespeitou o kuarup dos outros. Agora, o Bolsonaro acha que organizamos uma passeata para ele. [Dessa] pessoa que levou o cartaz tenho dó”, escreveu.

O g1 tenta localizar os indígenas que fizeram o ato pró-governo.

A reportagem entrou em contato com Carlos Bolsonaro, mas não recebeu nenhuma resposta até a última atualização desta reportagem.

A Secretaria de Comunicação do governo federal e o Ministério da Saúde não responderam ao pedido de informações sobre a fala da ativista indígena quanto à falta de vacina também até a última atualização.

*

Nota da Associação Terra Indígena do Xingu na íntegra:

A Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), entidade representativa dos 16 povos do território indígena do Xingu vem a público declarar repúdio ao ato premeditado dos políticos e seguidores do atual presidente da república que se aproveitaram de forma desonesta do momento de celebração do ritual sagrado do Kuarup para induzir alguns indígenas a expor imagens e cartazes com intenção de vincular os povos do território indígena do Xingu como simpatizantes do atual presidente do Brasil.

Tal ato registrado em vídeo e que agora está sob posse e divulgado pela família do atual presidente nas redes sociais para fins eleitoreiro demonstra o total desrespeito pelas manifestações sagradas do povo xinguano.

O ato é uma afronta contra tudo o que o ritual Quarup representa de sagrado e um atentado contra a dignidade e honra da família dos mortos homenageados. Mais do que isso, os mortos ali representados foram vítimas de Covid-19 para os quais o atual governo omitiu atenção e negou a vacina, assim como fez para a sociedade brasileira.

Os indivíduos indígenas envolvidos no ato são meros induzidos a praticarem atos infelizes como este, que também são vítima da verdadeira intenção dos mandantes que pretendem de forma desonesta manipular os indígenas para apoiar um político que sequer tem apreço e sensibilidade pela causa indígena, que pelo contrário tem se dedicado para destruir os nossos direitos a terra, nossos valores, modo de viver e desestabilizar nossas instituições.

Que atos como estes, que desrespeita, desonra, fere a dignidade da família e princípios fundamentais dos povos xinguanos não serão admitidos.

A cerimônia filmada homenageava a mãe da ativista do movimento indígena Watatakalu Yawalapiti. Ela era pajé de um dos povos presentes e foi morta pela Covid. Foto: matilda.my

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

four + 2 =