Organizações indígenas e indigenistas do Amazonas produzem o Caderno “Tem Aldeia na Política” para debater as eleições 2022

O objetivo é estimular e qualificar os debates sobre as eleições, fortalecer as formas indígenas de fazer política, onde o Bem Viver e a coletividade são prioritárias

POR LÍGIA APEL, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO CIMI REGIONAL NORTE I

“Os ideais da política indígena se inspiram em nossos antepassados, no Bem Viver, nos princípios da reciprocidade entre as pessoas, da coletividade, da convivência com outros seres da natureza e do profundo respeito pela terra. Esses ideais de harmonia com a Mãe Terra e de respeito a diversidade levam ao combate das injustiças, dos privilégios, do preconceito e de todos os mecanismos que geram a desigualdade. São estes ideais que apontam o rumo do projeto do Bem Viver que todos/as estão convocados/as a construir, para enfrentar os desafios do mundo atual e assegurar o futuro do planeta”.

Esse é um dos princípios que conduz a política dos povos indígenas e que o Caderno “Tem Aldeia na Política”, que traz para o debate as eleições desse ano. O Caderno é uma produção do Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia) e da Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Famddi), integrada pela Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro em Manaus (Amarn), Serviço e Cooperação com os Povos Yanomami (Secoya), Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O título “Tem Aldeia na Política faz alusão à presença indígena no cenário político brasileiro, especialmente nesse ano eleitoral, sob o olhar de que a forma de conduzir a política brasileira precisa aprender com a forma indígena de fazer política. “Aldear a Política” significa agir pela coletividade e pelo bem comum e isso deve estar no horizonte de quem se candidata, seja para os poderes legislativo ou executivo. Só o “respeito à diversidade leva ao combate das injustiças, dos privilégios, do preconceito e de todos os mecanismos que geram a desigualdade”, introduz o Caderno.

“Os ideais da política indígena se inspiram em nossos antepassados, no Bem Viver, nos princípios da reciprocidade, coletividade, convivência com outros seres da natureza e do profundo respeito pela terra”

Objetivo: conversar muito

Visando qualificar a participação indígena no processo eleitoral, o documento tem por objetivo apresentar informações e análises sobre o pleito 2022, que elegerá presidente da república, governadores, deputados federais e estaduais.

Lançado no primeiro semestre desse ano, em modo virtual, o Caderno tem sido compartilhado pelas redes sociais. Considerando que muitas aldeias já estão conectadas à internet e utilizam o celular como fonte de informação e entretenimento, especialmente pelo whatsapp, a diretora presidente do Foreeia, Alva Rosa Tukano, estimulou os participantes do grupo composto essencialmente por professores e profissionais da saúde indígena a fazer leitura coletiva do Caderno.

“Hoje, com a tecnologia nas aldeias temos que ter estratégias de chegar até eles [indígenas]. Todos têm um celular, muitos estão conectados, utilizam o whatsapp, lemos todos os dias mensagens, assistimos vídeos, então pensamos: ‘vamos realizar leitura coletiva todos os dias de poucas páginas pelo whatsapp, entre três a cinco minutos, assim não fica cansativo’. E assim fizemos e vamos continuar até as eleições”, afirmou convicta que o debate está fluindo.

“Hoje, com a tecnologia nas aldeias temos que ter estratégias de chegar até os indígenas”

Debater, conversar, trocar ideias, conhecimentos e opiniões sobre o funcionamento de um pleito político é uma necessidade que Alva Rosa sente, e vê crescer entre os professores e profissionais da saúde indígenas, principalmente depois que as políticas anti-indígenas trouxeram tantos retrocessos. “Estamos passando por momentos difíceis, este governo federal e seus aliados são nossos inimigos decretados, foram muitos retrocessos nos direitos à Educação Escolar e Saúde Indígena e não podemos ficar parados. Estamos aqui na trincheira a postos para lutar em defesa dos povos indígenas do Amazonas, e se cada um fizer sua parte para uma cidadania consciente, temos certeza que venceremos”, sustentou, afirmando que o Foreeia está fortalecido para enfrentar as disputas políticas.

Em agosto deste ano, o Caderno na versão impressa começou a ser utilizado pelas organizações autoras que trabalharam com seus respectivos públicos, estimulando o debate e a troca de opiniões. Silvio Cavucens, coordenador da Associação Serviço e Cooperação com Povo Yanomami (Secoya), que atua com o povo Yanomami do Médio Rio Negro (AM) e também uma das organizações que compõe a Famddi, diz que “o Caderno é importante porque oferece informações que contribuem com o eleitorado indígena a se situar em relação às próximas eleições. Não diz em quem votar ou não (não poderia!). Mas, permite compreender as dinâmicas postas e as armadilhas desse jogo político”.

“Estamos passando por momentos difíceis, este governo federal e seus aliados são nossos inimigos decretados, foram muitos retrocessos nos direitos”

Para Clarice Gama da Silva Arbella, povo Tukano, Coordenadora da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro em Manaus (AMARN), uma das organizações integrantes da Famddi, o Caderno abre caminhos por meio das conversas que promove sobre o tema da política e das eleições, podendo ser aplicado em diferentes espaços entre os indígenas.

“Eu acredito que está abrindo um caminho para os povos indígenas interagirem, refletirem e debaterem o processo eleitoral, que já está na rua. É importante fazer um bom uso nas reuniões comunitárias, da aldeia, nas ações das organizações. Por ser um caderno pedagógico, traz leveza na leitura e na compreensão dos textos, e, pode ser usado nas escolas. O professor indígena e o não indígena precisa usar esse caderno para esclarecer, para sensibilizar o seu aluno”, orienta, alertando que o voto tem consequências e “pode, sim, transformar o país em uma nação digna e solidária”.

Izaires Mura, vice-diretora do Foreeia, concorda com as percepções de Clarice Tukano e diz que as informações que o Caderno traz possibilitam abrir debates sobre os motivos que levam esse governo a atacar de forma tão inescrupulosa as políticas indígenas conquistadas.

“Eu acredito que está abrindo um caminho para os povos indígenas interagirem, refletirem e debaterem o processo eleitoral”

“Nós, povos indígenas estamos sofrendo, vários ataques, vários desmontes de políticas que foram por nós indígenas pensadas e construídas. E essas informações [do Caderno] são fundamentais para que nós possamos refletir, avaliar, analisar, pensar sobre em quem vamos votar, sobre quem vai governar o nosso país. Sobre quem vai estar gestando o estado e o Brasil inteiro. Esse é um momento fundamental de reflexão, de ver e saber quem são os candidatos e seus partidos. Conhecer suas histórias para continuar construindo uma história melhor”, pondera, analisando a importância de entender a política como um caminho fundamental na construção de um futuro digno para todos.

“Porque precisamos pensar coletivamente um bem viver para todos. Se pensamos só individualmente, no aqui e agora, como ficam os anos seguintes? A gente tem que pensar na política que aconteceu ontem, a que está acontecendo agora e a que vai acontecer amanhã. Assim vamos garantir um futuro. Porque estamos vivendo no Brasil, praticamente uma ditadura com esse governo federal. São invasões nas terras indígenas, de garimpeiros e madeireiros, de pesca predatória, desmontes dos direitos indígenas. Quem vamos escolher para governar o país e o Amazonas? Em quem vamos votar para que sejam criadas leis justas, indígenas, a partir desse cenário? ”, questiona a líder Tukano.

“Porque precisamos pensar coletivamente um bem viver para todos”

O Cimi Regional Norte I faz parte da Famddi e, nos últimos anos, vem se empenhado na promoção de debates junto às lideranças indígenas e suas organizações e contribuindo com análises sobre o cenário político nacional que resultam dos processos eleitorais. “Há necessidade de informações corretas, verdadeiras, na hora de escolher os representantes dos governos e do parlamento”, diz Francisco Loebens, integrante do Cimi Regional Norte I, que contribuiu com a produção do Caderno, comparando o conhecimento com um antídoto contra quem ataca os direitos indígenas.

“Esse esforço é para que os eleitores e eleitoras indígenas possam saber como os partidos políticos e os candidatos que pedem seu voto se posicionaram por meio de suas ações e do discurso sobre os direitos indígenas. O Caderno “Tem Aldeia na Política” é poderoso instrumento para identificar os candidatos e seus partidos que nos últimos quatro anos atacaram e pisaram sobre os direitos indígenas e aqueles que demonstraram compromisso com a causa indígena. É um antídoto contra os que conspiram contra a vida e os territórios indígenas e traz informações relevantes para que os indígenas, nesse contexto, com tanta gente empenhada em espalhar fake news, façam a escolha certa, para fortalecer seus projetos próprios de vida”, analisa.

“Esse esforço é para que os indígenas possam saber como os partidos políticos e os candidatos que pedem seu voto se posicionaram”

Fortalecer o jeito indígena de fazer política

O compromisso assumido pelas organizações autoras do Caderno e que estruturam a Famddi é de incentivo ao debate nas comunidades e organizações indígenas. As informações abordam as eleições, como acontecem e quais as regulamentações do pleito, porque existem e quais são os partidos políticos legalmente registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quais as diferenças entre eles e como cada partido se posiciona em relação às políticas indígenas, e também o que significa e onde estão os partidos políticos na classificação “esquerda, centro e direita”.

Os partidos políticos são organizações que tem como objetivo conquistar o poder do Estado. Buscam alcançar este objetivo dos votos nas eleições. É por meio do voto que o cidadão e a cidadã entregam a determinado partido político e a seus candidatos o poder de representá-lo”, explica o capítulo sobre esse tema, explicando ao eleitor o que é o voto: “O voto é parecido com uma procuração, através do qual a pessoa passa poderes ao partido e aos candidatos/as em quem vota, para que defenda seus direitos e interesses, seja no governo ou no parlamento”, destaca o Caderno.

“Os partidos políticos são organizações que tem como objetivo conquistar o poder do Estado”

O Caderno também traz análises sobre o Projeto de Lei 191/2007, que trata da mineração no Brasil, o que ele representa para os povos indígenas, o que acontecerá em seus territórios caso seja aprovado e como votaram os deputados para a sua aprovação.

Com esses assuntos em debate, os autores acreditam que se abrem processos de qualificação e fortalecimento das capacidades de análise de um pleito político e, especialmente, em como seus resultados podem interferir nos direitos indígenas. “Nosso compromisso é o de suscitar, por meio desta publicação, o debate nas comunidades e organizações indígenas ajudando a refletir sobre a importância das eleições e como elas podem afetar os direitos indígenas. A tomada da consciência política se concretiza quando o eleitor torna o seu voto sagrado, intransferível – não troca por favores, ou vende por qualquer valor -, capaz de votar pelo bem coletivo, não permitindo que políticos manipulem sua vontade usando seu voto para manter os privilégios da classe dominante, à custa do povo”, diz o texto de apresentação do Caderno.

“Apesar da imposição do Estado, os povos originários continuam com um jeito próprio de fazer política”

Manter a autonomia indígena e o cuidado com influências e assédios de quem têm interesses na exploração das riquezas naturais dos territórios indígenas são diretrizes analisadas no Caderno, especialmente, porque os povos indígenas possuem e continuam a exercer seu jeito próprio de fazer política, apesar desse governo destruir conquistas e impor suas políticas anti-indígena.

“Apesar da imposição do Estado, os povos originários continuam com um jeito próprio de fazer política. As aldeias têm as suas organizações próprias, suas lideranças, suas normas internas, sua forma de tomar decisões e de resolver os conflitos”, explica, afirmando que os povos devem manter sua autonomia. Para continuar com essa força é necessário votar em candidatos/as indígenas que merecem confiança por sua determinação, firmeza e coerência na luta pelos direitos e pelo futuro dos povos indígenas, inclusive ao escolher o partido político a que se filiaram, conclui o documento.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Amazonas tem 2.562.042 eleitores aptos a votar e está com oito candidaturas a governo do estado, sete candidatos ao senado, 167 candidatos a deputado federais e 439, estaduais. Se autodeclaram indígenas no TSE, um candidato a governador, seis a deputado federal e 11 a deputado estadual.

Registro do Caderno “Tem Aldeia na Política”. Foto: Ligia Apel/Cimi Regional Norte I

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