Augusto Aras diz que quem cumpriu requisitos à época de vigência da MP mas não recebeu devido à demora da Administração faz jus ao pagamento
Os pescadores artesanais afetados pela mancha de óleo no Nordeste e que cumpriam os requisitos da Medida Provisória 908/2019 na época em que a regra estava em vigor devem receber o auxílio emergencial, mesmo que a MP não tenha sido convertida em lei e que o Congresso Nacional não tenha editado decreto legislativo sobre o tema. É o que defende o procurador-geral da República, Augusto Aras, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 1.321.219/CE. O PGR também opinou contra o pedido da União para a suspensão nacional de todos os processos sobre o assunto. Aras aponta que o auxílio emergencial tem caráter alimentar e destaca a vulnerabilidade das partes envolvidas. Milhares de pescadores artesanais afetados pelo desastre ambiental seriam prejudicados pela suspensão linear de todas as ações em curso sobre o tema.
No valor de R$ 1.996,00, o auxílio emergencial foi criado pela MP 908/2019 para compensar os pescadores afetados pela mancha de óleo que atingiu mais de 800 localidades e 120 municípios em 11 estados. A regra estabelecia os requisitos para o pagamento e determinava que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) elaborasse a lista dos beneficiados. No entanto, a MP perdeu a vigência, pois não foi convertida em lei no prazo estipulado, e não houve edição de decreto legislativo para regular as relações estabelecidas pela norma, como determina a Constituição. Ao mesmo tempo, milhares de pescadores deixaram de receber o benefício na época em razão da demora do Mapa em analisar seus requerimentos. Essas pessoas precisaram recorrer à Justiça para ter o direito assegurado, e um desses casos chegou ao STF, que reconheceu a repercussão geral do tema.
O recurso extraordinário em questão foi ajuizado pela União contra decisão do Judiciário de conceder o benefício a uma pessoa que comprovou os requisitos, embora não constasse da lista de beneficiários. A União argumenta que, como o pescador não recebia o auxílio e a MP perdeu a validade, inexiste relação jurídica constituída para sustentar o pagamento. Qualquer determinação do Judiciário nesse sentido violaria o princípio da separação de Poderes.
No parecer, o PGR afirma que, de acordo com a Constituição (art. 62, § 11º), a MP que perde a eficácia continua regendo as situações jurídicas dela decorrentes até que o Congresso Nacional elabore decreto legislativo para suprir a lacuna. Sendo assim, até a edição dessa regra (o que ainda não aconteceu no caso do auxílio emergencial a pescadores artesanais), “os atos praticados com fundamento na medida provisória podem ser reconhecidos de ofício pela Administração Pública ou mediante decisão judicial”. Segundo Aras, no caso concreto, a medida provisória continua regendo as relações jurídicas pendentes, por ela reguladas à época de sua vigência e que ainda não haviam sido reconhecidas devido à mora da Administração Pública.
O PGR lembra ainda que a não concessão do benefício, pela demora da Administração, a pessoas que teriam direito a ele vai contra os princípios da igualdade e da segurança jurídica. E, na situação concreta, esses princípios devem prevalecer sobre a alegação de violação à separação dos Poderes. “Em se tratando de norma-princípio, a separação de Poderes há de ser sopesada, no caso concreto, com outras normas constitucionais, a exemplo da segurança jurídica, do direito adquirido e da isonomia, as quais também são cláusulas pétreas”, afirma o PGR ao defender os pagamentos.
Sobre a suspensão nacional dos processos, Aras argumenta que o efeito multiplicador das ações apontado pela União é consequência justamente da demora da Administração Pública em analisar os requerimentos. O PGR lembra também que “a tramitação dos processos, com a necessária dilação probatória, não significa automática procedência da medida postulada, de modo que a determinação de suspensão nacional, na hipótese, conflitaria com o direito de acesso à justiça”. Para Aras, é suficiente que o STF suspenda os outros recursos extraordinários que tratam do mesmo assunto, medida que não traz prejuízo nem à administração da Justiça, nem ao interesse público, mantendo os demais processo em curso.
Tese – O PGR sugere que o STF firme tese no sentido de reconhecer a constitucionalidade da concessão do auxílio emergencial pecuniário a pescadores profissionais artesanais, mesmo após a perda de eficácia da Medida Provisória 908/2019, desde que eles comprovem que reuniam os requisitos legais à época em que o ato normativo estava vigente, até que decreto legislativo sobre o assunto seja editado.
Íntegra da manifestação no RE 1.321.219/CE
—
Imagem: mancha de óleo no Nordeste – Bruno Campos/JC Imagem