“Lutamos pelo direito de existir em todas as possibilidades”, afirma dirigente do MST

No Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, as mulheres Sem Terra se somam às ações das camponesas da Via Campesina

Por Solange Engelmann, na Página do MST

Com o lema “Construir Reforma Agrária Popular é enfrentar as violências”, neste 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, as mulheres Sem Terra se somam às ações das camponesas de todo o mundo, que compõem a Via Campesina, na luta pela Eliminação da Violência contra a Mulher, pela Soberania Alimentar, o direito à terra, o fim da criminalização e de todo tipo de violência nos campos e nas cidades. Além disso, enfatizaram a denúncia da crise alimentar, política e econômica, que no Brasil e em todo o mundo, atingem e violentam, principalmente as mulheres, crianças e famílias em situação de vulnerabilidade no campo e na cidade.

Homenagem à luta das freiras dominicanas

O dia 25 de novembro foi criado em homenagem às irmãs Mirabal da República Dominicana, que foram assassinadas pela sua luta contra a ditadura do presidente Rafael Leónidas Trujillo, do país. Os corpos das três ativistas foram encontrados no início dos anos 1960, após serem torturadas e assassinadas pelo governo.

A violência contra a mulher aumentou de forma estarrecedora no governo de Bolsonaro, além de se tornar mais letal com o aumento do uso de armas de fogo contra a vida das mulheres e meninas. Conforme dados do Anuário de Segurança Pública de 2022, uma mulher (ou menina) é vítima de estupro a cada 10 minutos no Brasil. A maioria crianças e adolescentes – 61,2% tinham de 0 a 13 anos. E em média três mulheres são vítimas de feminicídio por dia. Em 2021 foram registrados 1.341 crimes de feminicídios. 62% eram negras. A violência também avançou entre a comunidade LGBT: hoje uma travesti ou mulher trans é assassinada a cada 2 dias.

Já no campo não tem sido diferente, entre 2011 e 2020 foram registradas 77 tentativas e 37 assassinatos de mulheres por conflitos fundiários e ambientais, além de agressões, ameaças, estupros e outros crimes de violência, indica levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

“No campo da denúncia seguimos afirmando que o governo do último período implicou em muitos retrocessos em termos de direitos, mas também nas formas de sociabilidade do povo brasileiro, que incidiram diretamente sobre a vida das mulheres, colocando em risco sua existência objetiva e subjetivamente. Para além de reivindicarmos terra e trabalho, condições objetivas de vida, lutamos pelo direito de existir em todas as possibilidades emancipatórias que a humanidade nos permite”, enfatiza Lizandra Guedes da coordenação nacional do setor de gênero do MST.

Durante todo o mês de novembro, conjuntamente com a pauta de combate ao racismo, as mulheres do MST realizam um conjunto de lutas e ações coletivas, no enfrentamento à violência contra as mulheres no campo e na cidades.

Confira mais informações na entrevista completa de Lizandra Guedes abaixo:

Neste 25 de novembro de 2022, quais são as principais denúncias e reivindicações das Mulheres Sem Terra?

O 25 de novembro deste ano nos desperta um misto de sentimentos. A tristeza por tantas mulheres, companheiras, que perdemos vítimas da violência, que se aprofundou nestes quatro anos de um governo de ódio, mas também a esperança de que possamos construir novos horizontes para nossas vidas.

Nosso lema do 25 de novembro deste “Construir Reforma Agrária Popular é enfrentar as violências”, diz muito da forma como vimos enfrentando as violências contra as mulheres.

No campo da denúncia, seguimos afirmando que o governo do último período implicou em muitos retrocessos em termos de direitos, que incidiram diretamente sobre a vida das mulheres, colocando em risco sua existência objetiva e subjetivamente. A chamada “pauta dos costumes”, alimentada por um discurso de inferiorização das mulheres, uma das bases do projeto de poder bolsonarista, nos impõe grandes desafios no enfrentamento às violências. Por isso, como anunciou nosso lema do 8 de março deste ano, para além de reivindicarmos terra e trabalho, condições objetivas de vida, lutamos pelo direito de existir em todas as possibilidades emancipatórias que a humanidade nos permite.

 

Que tipo de ações estão sendo realizadas pelas mulheres do MST nessa data?

Novembro é um mês muito importante de lutas, pois articula a pauta feminista à antirracista. Nossa intenção foi projetar um conjunto de ações que pudessem pautar o tema do enfrentamento à violência contra as mulheres, mas também da violência em geral.

Nesse sentido, convocamos a juventude e as escolas do campo a pautarem o tema com rodas de conversas e colagens de lambes, a realização de oficinas e espaços de formação em nossas áreas, com as mulheres (oficinas de cuidado e autocuidado; de defesa pessoal, rodas de conversa; escrita de cartas). E com os homens, realizar atividades de formação, que precisam ser construídas teórica e metodologicamente com as mulheres; e atividades mistas de formação, inclusive nas escolas, cooperativas, instâncias e outros espaços organizativos e formativos do movimento.

Também produzimos um conjunto de materiais para o trabalho de base e a movimentação das redes sociais, além de realizamos uma Assembleia Nacional das Mulheres Sem Terra on-line, que contou com a participação de mais de 200 mulheres de todo o Brasil.

Como o MST tem atuado nos últimos anos para enfrentar a violências contra as mulheres?

Nosso Movimento tomou a corajosa e imprescindível decisão de assumir o compromisso de construir cotidianamente este combate, seja através da formação, da base e da militância, seja pela criação de instrumentos que nos ajudem a orientar o que fazer e como agir quando a violência acontece; promovendo o debate coletivo, organizando condições de acolhimento às vítimas, de providências em relação aos agressores. Avançamos na nossa organicidade nos territórios e entre a militância, impulsionando formas de convivência entres os seres humanos e com a natureza, que reflitam o projeto que estamos construindo, de Reforma Agrária Popular.

Como o avanço do agronegócio e do desmatamento no campo afetam da vida das Mulheres Sem Terra?

A violência do capital, personificada também nas práticas destrutivas do agronegócio, incidem diretamente na materialidade e na subjetividade das mulheres. Suas facetas mais cruéis são a fome, o envenenamento dos alimentos e dos bens naturais, a desterritorialização forçada pelos conflitos e a violência sexual contra mulheres e meninas.

O projeto do Agro é um projeto de morte e, reconhecendo isso, a luta das mulheres Sem Terra também tem como centralidade o seu combate.

Que desafios permanecem na luta contra as violências no campo e como as Sem Terra estão organizadas para avançar nessa luta no próximo período?

Os desafios não são pouco, temos a tarefa de retomar direitos perdidos, reivindicar nossas pautas para fazer avançar a Reforma Agrária, combater a fome e fortalecer o enfrentamento às violências. E só alcançaremos isso através de muita formação de base, política e feminista, com o objetivo de fortalecer a organização popular, não arredando o pé de nosso papel como Movimento Social, que é impulsionar as lutas por um projeto popular de Brasil, um país sem fome, igualitário, com terra para quem nela quiser construir sua existência em harmonia com o meio ambiente e sem violências.

Os aromas de março já estão no ar, anunciando que seremos um mar de bandeiras.

*Editado por Fernanda Alcântara

No 25 de novembro, as mulheres Sem Terra demarcam a urgência do combate a todas as formas de violências no campo e na cidade. Foto: Matheus Alves

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