Pesquisa revela que o Programa de Proteção de Defensoras(es) de direitos humanos sofre fragilização política

Relatório elaborado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global traz também estudos sobre os programas do México, Honduras e Colômbia.

Por Terra de Direitos e Justiça Global

No ano em que o indigenista Bruno Pereira e jornalista Dom Philips foram assassinados na região amazônica, a condução da política de proteção de defensores de direitos humanos pelo Brasil apresentou inconsistências na implementação, é o que avalia as organizações de direitos humanos, Justiça Global e Terra de Direitos, em relatório inédito que será lançado neste dia 8 de dezembro.

O estudo Olhares críticos sobre mecanismos de proteção de defensoras e defensores de direitos humanos na América Latina traz análises considerando a realização do programa federal, chamado Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), e dos 11 programas estaduais que são implementados por meio de convênios firmados entre os estados e a União. O relatório ainda investiga mecanismos de proteção de defensoras e defensores de direitos do México, Honduras e Colômbia.

O estudo aponta para um enfraquecimento do programa no Brasil, intensificado durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), que não avançou para a transformação do programa em uma política de Estado, editou uma série de decretos e portarias que não resolveram a ausência de participação popular na formulação da política, criou mais burocracias e sobretudo afastou o programa de sua missão de articular políticas necessárias à superação das causas das ameaças. Além disso, as novas portarias mudaram fases e critérios para inclusão de pessoas no Programa, além de alterar a coordenação do PPDDH e a composição do Conselho Deliberativo (Condel), que agora é composto de forma não paritária – o que resulta em fragilização da participação social na execução da política.

Outra questão preocupante, no âmbito da política de proteção, destacada no relatório, é a falta de transparência ativa dos programas no Brasil – tanto os estaduais como o federal -, pois as informações são de difícil acesso, limitadas e desatualizadas.

A pesquisa busca destacar que não estão disponíveis informações de contato com órgãos públicos dos estados nos quais foram implementados programas estaduais de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos. Também não há dados acessíveis no site do Governo Federal sobre a sua implementação e execução, como a divulgação da quantidade de sujeitos em proteção, sua área de atuação, o perfil dos ameaçadores/violadores, os recursos envolvidos na viabilização do programa, entre outras informações úteis.

Para Sandra Carvalho, coordenadora geral da Justiça Global, a transparência ativa é necessária e urgente para a promoção dos direitos humanos e ‘impreterível para a gestão pública’. “O sigilo sobre os casos e a proteção aos sujeitos incluídos no Programa não podem ser confundidos com a falta de transparência sobre a execução da política”, disse.

Ainda de acordo com Sandra, a falta de uma política sólida e transparente expõe e atinge ainda mais os defensores e defensoras de direitos humanos. “A violência é uma estratégia de intimidação para a contenção da atuação deles e avança sobre as vidas desses sujeitos em luta, resultando, em determinadas situações, em assassinatos. É preciso registrar que no último período cresceu exponencialmente os discursos de ódio e a difusão de notícias falsas, as quais muitas vezes envolviam defensores, inclusive como estratégias para deslegitimar suas lutas.”

Luciana Pivato, coordenadora do Programa Política e Direitos da organização Terra de Direitos, também avalia que “o Programa se afastou da sua missão e de ser uma ferramenta de articulação de outras políticas públicas necessárias para o enfrentamento das causas das violências sofridas por defensoras e defensores de direitos humanos”. Segundo ela, o PPDDH segue sem a existência de um marco normativo. O Projeto de Lei (número) que trata de instituir, em lei, o Programa segue parado na Câmara dos Deputados. “É preciso que o novo governo crie, em amplo diálogo com as organizações populares, um marco regulatório para que o PPDDH promova a sua missão e ofereça medidas que promovam a proteção integral, com ações dirigidas às pessoas defensoras, suas famílias e aos grupos, retomando o conceito de defensores e defensoras de direitos humanos em coletividade, e, sobretudo, com atenção das dimensões de gênero e raça”, destaca.

Para a realização do relatório, as informações sobre a execução da política foram coletadas privilegiando fontes oficiais disponibilizadas nos sites e portais da transparência e, no caso brasileiro, mediante um levantamento a partir de pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Além disso, foram feitas entrevistas com membros das equipes dos programas à nível nacional, pessoas atendidas e organizações da sociedade civil dos quatro países que acompanham a execução da política.

Sobre o Programa no Brasil
Desde sua criação, em 2004, o PPDDH já teve 1183 pessoas atendidas pela equipe federal, segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, obtidos por meio de pedido via Lei de Acesso à Informação. A maior parte das pessoas em proteção foi incluída no programa por conta da atuação na defesa do direito à terra (325 casos), em defesa dos direitos indígenas (263) e quilombola (150).

Atualmente, 11 estados também contam com Programas Estaduais de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, com equipe e estrutura própria. São eles: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Todos os demais estados são atendidos pela equipe do Programa Federal.

Experiências da América Latina
Se a América Latina é uma das regiões que mais registra o assassinato e ataques contra defensores de direitos humanos, os programas de proteção desenvolvido em diferentes países latinoamericanos tentam dar conta dessa realidade. O estudo lançado nesta quinta-feira (8) propôs a produzir intercâmbios na agenda de proteção, trazendo informações sobre estrutura do programa em cada país, aspectos orçamentários, a existência ou ausência de marcos legais, espaços de participação social, e formas de proteção.

A análise dos mecanismos de proteção desenvolvidos também em México, Honduras e Colômbia mostra que, apesar de esses programas enfrentarem também uma série de desafios e limites, é possível avançar no aperfeiçoamento das políticas de proteção com base nas diferentes experiências, como na garantia da proteção coletiva de defensoras e defensores, ou mesmo  a incorporação de perspectivas de gênero e racial na proteção.

“Nossas organizações lutaram para que o PPDDH fosse criado e desde então incidem para seu aperfeiçoamento. Nesta pesquisa, consideramos importante expandir o diálogo sobre os mecanismos de proteção na América latina”, explica Pivato. “ Além de verificarmos os caminhos que vêm sendo adotados no Brasil, a construção deste relatório permitiu ampliar o diálogo com as organizações que também lutam em seus países para consolidar as políticas de proteção”, completa.

Imagem: jornalista Dom e o indigenista Bruno foram assassinados neste ano. Foto: Reprodução

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

1 × four =