Terra arrasada. Por Adhemar. S. Mineiro

No Terapia Política 

Na medida em que nos aproximamos do fim do ano, os sinais da destruição nacional vão ficando mais evidentes. Agora, trata-se da destruição do orçamento.

Não que não fosse possível inferir isso, a partir da administração orçamentária dos anos Bolsonaro, e em especial da gestão temerária feita no segundo semestre desse ano para tentar de toda maneira ganhar as eleições. Vale um destaque à expansão acelerada e sem critérios do chamado Auxílio Brasil e a criação de vários auxílios para categorias específicas, como taxistas e caminhoneiros. Além disso, foram dados subsídios aos preços dos derivados de petróleo de diversas maneiras (e ainda nem conhecemos direito o rombo nas contas dos estados por conta da redução dos impostos dos derivados de petróleo, mas o passivo parece ser para lá de bilionário, a ser discutido na justiça e cobrado do Executivo federal).

A questão aqui parece ser outra, como vimos na discussão da PEC que excepcionaliza a ampliação de gastos no próximo período, apresentada no processo de transição para poder viabilizar gastos sociais e alguns investimentos. Quando na cabeça da gestão econômica estão os interesses financeiros, como no governo atual, não há de fato grande preocupação com a expansão de gastos ou redução de impostos (vide a manutenção e ampliação das isenções fiscais no período recente), uma vez que o desequilíbrio orçamentário se dá em benefício dos próprios interesses financeiros. Assim, não apenas a preocupação com o tema no governo e no parlamento é menor, assim como nos órgãos de fiscalização e também na grande imprensa em geral, sempre tão sensível aos interesses do mundo financeiro.

Quando se trata, por outro lado, de ampliar gastos sociais, aí beiramos o fim do mundo. A expansão tem que ser contida, não há como sustentar, não pode violar os princípios de responsabilidade fiscal, teto de gastos, regra de ouro, ameaça a rompimento de contratos (como normalmente se referem à hipótese de renegociação de dívidas) e outros criativos termos que caem muito bem na narrativa da priorização das preocupações com a remuneração dos investidores financeiros – longe de ser uma preocupação com a estabilidade financeira.

Agora, com as informações sendo abertas pela equipe de transição do novo governo, o que vai se desnudando é a verdadeira política de terra arrasada que se levou adiante. Aliás, não apenas com as informações que vão sendo abertas. A gestão orçamentária mostrou seu fracasso com os cortes recentes de verbas na educação e saúde e com a possibilidade de atraso no pagamento de aposentadorias e pensões nesse final de ano.

Curioso, aqui: atrasar o pagamento de aposentadorias e pensões, faltar remédios básicos para diabetes e pressão alta que são distribuídos pelo SUS, retirar verbas previstas para as universidades, suspender o pagamento de bolsas para pesquisadores (como está fazendo a CAPES) – nada disso é visto pelo mercado como “rompimento de contratos”. É como se não houvesse uma obrigação de fazer esses pagamentos, que podem causar inclusive mortes, como no caso do corte de remédios de uso continuado para a população mais pobre. Rompimento de contrato só se dá se houver não pagamento de gastos com juros e amortizações da dívida. Em bolsista e aposentado/pensionista parece que o chamado “calote” é tolerável, ao menos para esses setores que hoje estão na gestão orçamentária e os que os sustentam, em especial na mídia.

Essa é a triste situação que está ficando clara neste final de ano. Ainda bem que o atual governo está nas suas últimas semanas, nos seus últimos dias, e que esse absurdo de gestão não vai continuar. A grande questão é se, e como, o novo governo vai conseguir descascar esse abacaxi em um prazo curto, se vai conseguir lidar com essa herança para lá de maldita, social e politicamente insustentável. É fundamental deixar essa situação absolutamente clara e transparente desde o início do novo governo, inclusive esclarecendo desvios e responsabilidades, pois, como sabemos todos, a memória em geral é curta e, uns três meses após assumir, todos os problemas já serão problemas do novo governo.

Assim, auditar e esclarecer essa situação é uma tarefa fundamental para quem está entrando, sob risco de que a ausência de clareza sobre esse processo possa inverter responsabilidades em um período curto e comprometer a própria capacidade de gestão orçamentária e sustentação social e política do novo governo.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

 

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