Livro infantil do rapper Emicida é vandalizado por mãe de aluno com críticas às religiões de matriz africana

Exemplar vandalizado da obra “Amoras” será reposto em escola de Salvador. Advogada aponta racismo religioso

Por g1 BA e Monica Melo, TV Bahia

O livro infantil Amoras, de Emicida, foi alvo de intolerância religiosa praticado pela mãe de um aluno do ensino fundamental de uma escola particular de Salvador. As páginas do livro foram riscadas com indicações de salmos bíblicos, enquanto informações sobre orixás foram indicadas como “falsas”. O caso é classificado como racismo religioso pela advogada criminalista e Conselheira Seccional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dandara Amazzi Lucas Pinho.

O livro do rapper foi encontrado com as declarações na segunda-feira (6). De acordo com a direção da escola Clubinho das Letras, o livro, que é adotado nas práticas de ensino, foi indicado como sugestão de obras didáticas para o projeto Ciranda Literária.

Nele, os responsáveis pelas crianças são convidados a comprar livros sugeridos pela unidade de ensino que, em seguida, são levados à escola e disponibilizados entre os alunos.

A obra é indicada para crianças de cinco anos e conta a história de uma menina negra que está aprendendo a se reconhecer no mundo. Em conversas com seu pai, ela tem acesso a conhecimentos ligados às culturas e religiões diferentes, além de ser apresentada a grandes ícones das lutas dos povos negros, como Zumbi, Martin Luther King e Malcolm X.

A primeira edição do projeto Ciranda Literária teve início na sexta-feira (3) e, após o final de semana, a unidade de ensino foi alertada por um responsável que o livro estava com textos escritos à mão com mensagens preconceituosas.

Unidade de ensino pretende repor a obra

Procurada pelo g1, a direção da escola disse que é contra as declarações escritas no livro e assegurou que a obra será reposta, para que os estudantes continuem tendo acesso ao conteúdo do livro. Outra medida que deve ser tomada é a convocação da família para uma reunião.

O g1 também entrou em contato com a advogada criminalista e Conselheira Seccional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dandara Amazzi Lucas Pinho, que informou que o caso pode ser considerado racismo religioso.

Ela reforçou que todas as escolas brasileiras, públicas ou particulares, são obrigadas pelo Ministério da Educação (MEC) a implementar o ensino da história afro-brasileira e indígena nas escolas.

“O livro que deveria nortear um comportamento benéfico em sociedade acaba sendo interpretado de maneira equivocada e sendo uma arma para violentar pessoas que possuem um seguimento religioso distinto de quem fez as ‘notas de rodapé’. Conseguimos perceber de forma muito nítida como o racismo religioso está penetrado em cada linha subscrita”, disse.

O g1 entrou em contato com a mulher que escreveu na obra, que não quer ser identificada. Ela contou que não considera o caso como intolerância religiosa, pois escreveu no livro que ela mesma comprou e não se negou a levá-lo à escola.

Ela diz ter comprado a obra sugerida pela escola por achar que seriam abordadas apenas questões raciais. Porém, identificou que a obra também falava sobre religiões, assunto que, segundo ela, a escola havia informado que não seria tratado neste ano.

Como no livro o cristianismo não era abordado, ela decidiu escrever as passagens bíblicas à mão, para que, desta forma, os pais dos alunos pudessem ler, se quisessem, diferentes versões para seus filhos.

Após o caso repercutir na unidade escolar, a mulher contou que foi hostilizada por um grupo de pais de alunos e chamada de “vândala” e “intolerante”.

Páginas riscadas

O g1 identificou que pelo menos oito páginas da obra foram vandalizadas. Na primeira página do livro, o autor fala sobre Obatalá e o caracteriza como o “orixá que criou o mundo”. Ao escrever no livro, a mulher caracterizou a informação como falsa e citou o livro bíblico Gênesis.

O livro também traz ilustrações didáticas para caracterizar os orixás. Nelas, foram escritos textos como “essa imagem representa um ídolo” e que os orixás são “anjos caídos”.

A obra ainda traz um glossário para ajudar crianças a entenderem algumas palavras que são citadas ao longo do texto, como Obatalá, orixás, África e Alá.

Para explicar o que é o continente África, o autor destacou que “é o lugar onde a raça humana começou, e por isso, é conhecida como o berço da humanidade”. Ao lado do substantivo, a mulher desenhou um “x” e escreveu: “essa informação é falsa”.

Os atos de degradação da obra foram direcionados também ao autor do livro, Emicida. Como o rapper já contou em várias entrevistas, o seu nome artístico é um acrônimo: a junção das palavras homicida com MC. O nome foi criado depois que ele, que se chama Leandro, passou a vencer diversas batalhas de rap – ou seja, “matar” os adversários com suas rimas poderosas.

A história por trás do acrônimo foi destacado pela mulher, que pediu que os outros responsáveis “conheçam também a biografia do autor”, já que o nome usado por ele tem relação com a palavra “homicida”.

A equipe do g1 entrou em contato com a assessoria do rapper Emicida e aguarda uma resposta.

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