100 dias de governo Lula: movimentos querem “respostas concretas” na regularização de terras

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil tem a expectativa que o governo anuncie a demarcação de 14 territórios

Por Gabriela Moncau, no Brasil de Fato

Ao avaliar os primeiros 100 dias de governo Lula (PT), movimentos populares ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que, pela primeira vez desde 2016 – quando Michel Temer (MDB) tomou o lugar de Dilma Rousseff (PT) na presidência -, há diálogo aberto com a instância federal e a possibilidade de levar a Brasília reivindicações represadas.

Destacam, porém, a apreensão e a demanda de que haja “respostas concretas” a essas pautas, que têm como ponto central a regularização de terras indígenas (TIs), quilombolas e de assentamentos para a reforma agrária.

No último 21 de março, o governo concedeu títulos de terra a três comunidades quilombolas: Brejo dos Crioulos (MG), Lagoa dos Campinhos (SE) e Serra da Guia (SE). Não houve, até o momento, a regularização de assentamentos nem a demarcação de TIs.

Demarcação

A expectativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é que na próxima segunda-feira (10), na reunião ministerial do marco dos 100 dias, o governo anuncie a demarcação de 14 terras indígenas. Os territórios, localizados em oito estados brasileiros, foram apresentados pelo movimento indígena como aqueles em que só falta a homologação do governo federal para a finalização do processo demarcatório.

“Já está havendo o destravamento das demarcações. Nós estamos vendo grupos de trabalho dentro de algumas terras indígenas, estão buscando atualizar as informações”, relata Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. “Estamos apreensivos e ansiosos”, diz.

“O reconhecimento das nossas terras”, ressalta Val Eloy Terena, também coordenadora da Apib, é “a principal demanda do movimento”, pois “sem território, não há como discutir pautas como saúde, educação, política para mulheres, crianças e juventude”.

“Se compararmos com o espaço que nós, povos indígenas, tínhamos antes, que não era nenhum, percebemos que o governo quer nos ouvir, quer tentar sanar nossos problemas. E o principal meio de resolver nossas demandas é possibilitar que tomemos espaços de poder, como tem acontecido”, considera Val.

“Na prática”, elenca Dinamam, a “ação mais incisiva” do governo foi a força tarefa de combate ao garimpo na TI Yanomami. “Estamos vendo também a criação de diálogo para conter os espaços mais tensionados, como a criação de gabinetes de crise para áreas de conflito”, cita.

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Um desses gabinetes foi criado pelo Ministério dos Povos Indígenas em 20 de janeiro para acompanhar a situação dos Pataxó no extremo sul da Bahia. No fim de março, teve as atividades prorrogadas por mais 45 dias. Os indígenas na região estão sendo atacados por pistoleiros de forma mais intensa desde o segundo semestre de 2022. Em cinco meses, três jovens foram assassinados dentro ou perto de fazendas retomadas.

Um relatório de entidades indígenas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirma, no entanto, que 12 mil Pataxó estão sob uma “guerra de baixa intensidade”, que as medidas do gabinete “não tiveram grandes efeitos como esperado” e que as ações do governo na região têm sido “ineficazes”.

Reforma agrária

Já o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) salienta que “urge” a estruturação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o assentamento definitivo de 65 mil famílias que vivem acampadas.

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Das 29 superintendências regionais do Incra, 13 ainda não têm titular. Criticada pelo MST, a demora nas nomeações faz com que, em alguns estados, a autarquia siga sob o comando de chefias nomeadas pelos governos anteriores.

Nesta quarta-feira (5), 40 entidades lançaram uma carta contra a possível nomeação de um representante da bancada ruralista como superintendente do Incra no Mato Grosso.

“O Incra é como se fosse a Funai dos sem-terra. É a autarquia responsável para vistoriar, classificar imóveis, entrar em contato com proprietário, negociar, adquirir, atualizar cadastros”, explica José Damasceno, da direção nacional do MST.

Desde 2017, argumenta o dirigente, cerca de 400 processos de áreas que estavam sendo adquiridas pelo órgão para serem destinadas à reforma agrária estão parados. A retomada destes processos, diz Damasceno, “é uma demanda que realmente não avançou até agora. O nosso movimento e o povo sem-terra que votou no Lula estão aguardando essa resposta concreta do governo”.

Atingidos por barragens

Na visão de Iury Paulino, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o desafio dos movimentos “é defender o governo dos ataques fascistas, mas ao mesmo tempo pressionar para que avancem as pautas populares”.

No caso do MAB, essas demandas incluem a implementação da Política de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, com a criação de um órgão estatal voltado ao tema e de um fundo para financiar ações de recuperação e desenvolvimento dessas populações.

Além disso, e de forma mais emergencial, o governo terá que se posicionar a respeito da renovação de licenças como a da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cuja construção expulsou 55 mil pessoas de suas terras e cujo funcionamento seca a água de 130 quilômetros da Volta Grande do Xingu, na Amazônia.

“Todas essas demandas estão nas mãos do governo. Embora seja um momento de muita esperança de avanços, ainda não tivemos respostas positivas na totalidade das nossas pautas”, resume Paulino.

Aquilomba

A Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) avalia positivamente os primeiros meses de governo, destacando, além das titulações em Minas Gerais e Sergipe, o lançamento do programa Aquilomba Brasil.

Aprovado por decreto no mês de março, o programa é uma reformulação do Brasil Quilombola, criado em 2007, durante o segundo mandato petista. Sob o Ministério da Igualdade Racial, chefiado por Anielle Franco, o Aquilomba visa promover o acesso à terra e a inclusão produtiva de quilombos e, segundo a pasta, deve beneficiar 214 famílias.

“Outro tema significativo que estamos dialogando com o Ministério das Cidades é o retorno da construção de casas para os quilombolas que mais precisam”, expõe Arilson Ventura, da Comunidade Monte Alegre (ES) e coordenador nacional da Conaq. “Estamos propondo a criação de grupo de trabalho que discuta o Minha Casa, Minha Vida Rural”, conta.

“O discurso do presidente Lula dá conta de que a política de fato possa acontecer”, opina Arilson: “Então a gente está acreditando”.

Edição: Nicolau Soares

Lula Marques / Agência Brasil

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