Vendilhões. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

O telefone toca a cada cinco minutos. Com a exatidão dos robôs programados para aporrinhar. Promoção incrível oferecida por uma voz gravada que tirou o emprego mal remunerado de algum infeliz. Da empresa que só quer o melhor para você. É bom saber que grandes empresas se preocupam tanto conosco. E que mostrarão todo esse amor sempre que as pagarmos por isso.

O plano de saúde que cancela atendimento de crianças autistas e pacientes caros para se manterem vivos aparece, faz vídeo com música alegre e família feliz dizendo que sua missão e única preocupação é cuidar da nossa saúde. E custa baratinho!

Sujeito de cabelo brilhante aparece naquele vídeo aleatório do Instagram, com a tranquilidade e bom humor que faz acreditar que sabe do que está falando. Diz como juntar um milhão ganhando salário mínimo. É fácil! Complementa com aquele tom de quem diz uma feliz obviedade. Pode ensinar qualquer um a ficar milionário rapidinho em seu curso, que custa menos que um sanduíche por dia! Aquele mesmo sanduíche que quem ganha salário mínimo não pode se dar ao luxo de comer todo dia.

Na igreja, o religioso que se diz profeta oferece profecias sobre a vida pessoal dos fiéis por uma módica doação de valores anunciados em centenas de reais. E na casa dos milhares, vem junto a garantia do milagre profetizado. “Sou próximo de Deus, por isso ele me atende”, explica com olhos semicerrados e voz de profunda contrição. A graça de Deus é para aqueles que fizerem o sacrifício divino de pagar.

Ambientalista engajado nas redes sociais e desenganado de tudo que é verde de verdade, posta mensagens de bom dia com imagens de árvores, plantas, insetos e animais ameaçados pela ação predadora do homem. Aproveita para vender sua educação ambiental. Lições para mudar o seu mindset e ter ações mais conscientes quanto ao meio ambiente. Por menos que um bife de boi criado em pasto na Amazônia, você pode aprender com ele todos os bons hábitos de consumo que ele finge ter.

No Congresso, nobre deputado de nobreza protocolar fala à jornalista sobre a importância do projeto para o país. Vai gerar milhares de empregos! Mas talvez não vote nele porque o Governo não fez o “dever de casa” liberando o naco do orçamento que ele decidiu onde colocar a grana e não nomeou seus indicados aos cargos de escalões remotos da burocracia estatal. Votará preocupado com o povo, com o mesmo carinho que se tem pelos reféns enquanto o resgate não é pago.

Propaganda bonita com gente jovem e apaixonada diz que amor não se compra, enquanto oferece perfumados presentes de dia dos namorados. Ensina que o que não tem preço se demonstra com coisas que têm preço. E que se não comprar, é desfeita que magoa e machuca o amor, feito refém de chantagem comercial datada.

O preto que furtou duas caixas de bombom foi capturado, amarrado e carregado como os capitães do mato faziam com o escravo fujão. E a justiça que reclama do salário miserável de 40 mil reais não vê problema nisso.

Terra em que tudo se vende e se compra. Lugar de pessoas com a etiqueta de código de barras pendurada no caráter. Onde tudo é dinheiro, nada mais parece ter valor.

Ilustração: Mihai Cauli   

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