As pedras Ühtã Hori e a cosmologia indígena do Rio Negro

Por Ivan Tukano, Carla Wisu e Pedro Tukano, especial para a Amazônia Real

Com a seca histórica registrada no Amazonas, Ühtã Hori (expressão na língua Tukano de “Gravuras Rupestres”) de diferentes formas, como a de rostos, gravadas por nossos antepassados nas paredes rochosas, reapareceram no sítio arqueológico e geológico Ponta das Lajes, na margem esquerda do Rio Negro, em Manaus.

O registro deixado por futuros humanos na sua passagem, resgata a memória e reafirma a presença histórica dos povos indígenas neste território. No entanto, com a baixa do Rio Negro, reaparecem não só os registros de imagens nas pedras, mas surgem as diversas violações e desrespeitos por partes de não-indígenas que, movidos por curiosidade ou pela incessante busca de “especialistas” em ver tudo que é nosso como objeto de estudo, acabam por mostrar desrespeito sobre as histórias e as casas de referências de histórias importantíssimas que explicam o surgimento dos humanos do ponto de vista dos indígenas do Alto Rio Negro, o que se torna uma violência aos povos originários da região.

Centro de Medicina Indígena Bahserikowi vê com muita consternação as intervenções realizadas na Ponta das Lajes e alerta que essas atitudes podem trazer consequências de desequilíbrio entre os humanos “invisíveis” que habitam, que são donos desse território, e ataques aos seres humanos com infestação de doenças e desequilíbrio social.

Conforme a cosmologia dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro, como Tukano, Dessana e Tuyuca, que integram o quadro de colaboradores do Bahserikowi, a Ponta das Lajes, onde estão os Ühtã Hori, é uma região por onde passou a Pamüri Yuhküsü (Canoa especial que transportou os representantes de futuros humanos). É considerada uma casa de referência histórica de passagem de futuros humanos, na forma de proto-humanos.

A região do Encontro das Águas é um local bastante importante, pois foi onde parou a Pamüri Yuhküsü e, posteriormente, escolheu seguir pelo Rio Negro até Ipanure, região do Rio Waupés, localizado em São Gabriel da Cachoeira, o município mais indígena do Brasil com mais de 23 povos.

Portanto, o sítio Ponta das Lajes faz parte da nossa história como uma casa de referência histórica de passagem de futuros humanos, e é considerado casa que guarda muitos segredos e perigos que, quando desrespeitada, os humanos “invisíveis” que habitam nesse local podem atacar os humanos provocando diversos tipos de doenças. Para acessar nessa casa, ou nesse lugar, é necessário, primeiro, passar por processo de Bahsese (“benzimento”) de proteção para evitar os ataques dos humanos “invisíveis”.

Há situações que nenhum pesquisador não-indígena, seja arqueólogo, antropólogo, historiador e entre outros podem enxergar, pois tampouco conhecem ou enxergam além do olhar colonial. Mas, para nós indígenas, esse ponto de vista é algo concreto e vivo! O equilíbrio cosmopolítico, social e econômico depende do nosso respeito, diálogo e relação de troca que estabelecemos com esses humanos “invisíveis” que habitam nessas casas. As imagens reproduzidas pelos futuros humanos nesse lugar são a materialidade de que esse território pertence aos povos indígenas.

Para andar nos lugares sagrados tem que ter Heõpeõ Masisé (Cultura de Respeito).

A imagem que abre este artigo é de autoria de Alberto César Araújo/Amazônia Real e mostra uma das inscrições (Ühtã Hori) nas pedras do sítio arqueológico da Ponta das Lajes.

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