Por Roberto Ossak (Agente da CPT Regional Rondônia), com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional), em CPT
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), nossa população perdeu 75% da diversidade de sementes em todo o mundo, somente no século passado. No lugar dessa variedade, cresceu a utilização de sementes híbridas ou geneticamente modificadas, associadas à monocultura, o que coloca a humanidade como refém na mão da pouca variação de alimento para consumir, e ainda assim de má qualidade. Isto se refletiu durante a safra 2021/2022, quando o agronegócio comercializou 6% mais sementes de soja, atingindo um lucro de R$ 21 bilhões em sementes que precisam de agrotóxicos, para não sucumbirem diante das pragas.
Na contramão de tudo isto, as famílias camponesas em Rondônia se fortalecem a partir de encontros de troca de sementes crioulas. São chamadas “crioulas” por não possuírem patentes: são um bem da humanidade e vêm sendo passadas há milhares de anos de geração a geração, e entre membros de comunidades rurais.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Rondônia vem intensificando a campanha de trocas de sementes crioulas. Muitos agricultores, que já vinham perdendo suas sementes que tradicionalmente cultivavam, perderam as sementes crioulas com o avanço dos transgênicos, e passaram a ter necessidade de alimentos saudáveis no período da pandemia da covid-19.
A contribuição para o desastre vem com o aumento da monocultura de grandes lavouras do agronegócio, impactando muitas comunidades rurais com os agrotóxicos e sementes transgênicas no Estado de Rondônia e sul da região amazônica Brasileira nos últimos anos, deixando os agricultores reféns de um sistema capitalista, que para viver no campo necessita ser dependente de uma loja agropecuária e de algumas marcas de sementes, adubos e agrotóxicos, deixando pequenos e médios agricultores familiares presos a um sistema de produção no qual para ter acesso às políticas públicas, especialmente as linhas de créditos agrícolas, necessitam de um pacote de insumos agrícolas.
O resultado desse modelo de agricultura tóxica e que não alimenta a população é sentido no bolso dos consumidores e na saúde da população em Rondônia: o custo para uma família se alimentar em Rondônia está entre os mais altos do Brasil. Quase todos os alimentos provenientes da agricultura familiar estão vindo do Sudeste e Centro-Oeste Brasileiro, alimentos que encontramos nas feirinhas com alto índice de agrotóxicos, em específico alguns alimentos mais comuns que encontramos nas feirinhas de supermercados da região vindo de fora do estado, como batata, abóbora, banana, pepino, berinjela, tomate, laranja e verduras. Alimentos esses que poderiam estar sendo produzidos no Estado de Rondônia, com incentivo de políticas públicas voltadas para produção agroecológica.
A CPT-RO, todos os anos no mês de outubro, quando celebra a Semana da Agroecologia, realiza trocas de sementes crioulas nas atividades e nos grupos acompanhados e paróquias. Também há investimento em equipamentos agrícolas, que ajudam a melhorar a renda familiar e alimentação das comunidades através de pequenos projetos produtivos.
No ano de 2023, foi possível realizar a distribuição e trocas de sementes de arroz crioulo tipo agulhinha, aproximadamente 500 litros da variedade. Também foram trocadas sementes de feijão, milho, abóboras e ramas de macaxeiras, alimentos altamente impactados pelos transgênicos na região, mas que as comunidades estão resistindo em permanecer nas sementes crioulas com ajuda de pequenos projetos produtivos.
Para melhorar as técnicas de produção agroecológicas dos grupos acompanhados da CPT-RO, foram investidos recursos para aquisição de 3 monocultivadores agrícolas. São pequenos tratores de manuseio simples, facilitando o preparo do solo para cultivo e transporte da produção dentro das comunidades, uma roçadeira motorizada, um kit para construção de horta, um tacho de cobre para fabricar açúcar mascavo, infraestrutura de farinheira, um kit de máquinas de fabricação de artesanatos e uma máquina de beneficiar arroz.
São pequenos investimentos que apoiam as famílias acompanhadas pela CPT-RO, contribuem no combate à fome na região amazônica e têm demonstrado empoderamento para as comunidades tradicionais na permanência em seus territórios, protegendo a floresta e sua biodiversidade e produzindo alimentos saudáveis sem o uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, abrindo um debate regional sobre a importância de cultivar sementes crioulas e plantas medicinais milenares de nossos ancestrais.
Campanha da Fraternidade
Em seu capítulo 90, o texto-base da Campanha da Fraternidade 2023 afirma: “Nas experiências de solidariedade alimentar, a valorização dos povos originários, tradicionais e do campo e de seus saberes comunitários agroecológicos são inspiração para decisões de combate à fome e de resistência a estilos de produção alimentar contrários às dimensões da ecologia integral. As práticas comunitárias de cuidado e preservação do alimento que garantiram e garantem a biodiversidade das sementes e a soberania alimentar precisam ser reconhecidas, divulgadas e protegidas como bens culturais comuns. Entre essas práticas podemos citar os guardiões e as guardiãs de sementes nativas e/ou crioulas, os guardiões e guardiãs mirins de sementes (tanto em comunidades quanto em escolas), as casas, feiras e festas e redes de sementes, as romarias da terra e das águas, as hortas comunitárias, entre outras práticas, são expressões de resistência comunitária que cuidam e demonstram como construir a solidariedade alimentar. Essas iniciativas são um sinal de resistência, educação e espiritualidade ecológicas que se opõem às ações de biopirataria que reduzem as sementes (o alimento) a mercadorias (sementes corporativas).”
Este relato faz parte da série de experiências da campanha ‘Fraternidade Sem Fome, pão na mesa e justiça social’
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Foto: Equipe CPT Rondônia